Apoio a Boulos em eleição à Prefeitura de SP abre disputas no PT

Acordo firmado por Lula sofre críticas e pode deixar sigla sem candidato próprio na corrida municipal pela 1ª vez

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Brasília e São Paulo

O compromisso firmado com dois anos de antecedência pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o PT apoiar Guilherme Boulos (PSOL) na eleição para a Prefeitura de São Paulo em 2024 poderá deixar o partido sem representante próprio na corrida municipal pela primeira vez em quase 40 anos.

Embora o acordo tenha sido reafirmado em público por Lula e líderes da legenda como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), alas petistas que resistem à ideia já discutem o assunto internamente.

Lula (PT), Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT) durante ato da campanha eleitoral de 2022 em São Paulo - Carla Carniel - 17.out.22/Reuters

Desde o pleito de 1985, quando os paulistanos voltaram a escolher o governante municipal por meio do voto direto, o PT sempre lançou postulantes ao cargo, que conquistou três vezes: com Luiza Erundina, em 1988, Marta Suplicy, em 2000, e Haddad, em 2012.

A cidade, um dos berços do petismo, sempre foi tratada como estratégica. A possibilidade de ceder a cabeça de chapa ao nome de outra sigla entrou em discussão com a aliança de esquerda, liderada por Haddad, para a disputa do governo estadual em 2022. Ele saiu derrotado no segundo turno.

Boulos abriu mão de sua candidatura a governador com a sinalização de apoio para a corrida à prefeitura.

O líder de movimentos de moradia concorreu ao cargo em 2020 e chegou ao segundo turno, perdendo para Bruno Covas (PSDB) —com a morte do tucano, assumiu o vice, Ricardo Nunes (MDB). Em 2022, o psolista foi eleito deputado federal com 1 milhão de votos, dos quais 48% vieram da capital paulista.

A cessão da cabeça de chapa na virtual composição para 2024 divide opiniões no PT, com a ressalva de que a aliança dependerá em boa medida da relação do PSOL com a gestão Lula. O partido decidiu em dezembro integrar a base do novo governo, em uma vitória da posição de Boulos.

Falando sob reserva, um dirigente petista que coloca em dúvida o acordo entre as duas legendas diz que é preciso esperar o andamento do governo e avaliar a fidelidade do PSOL como integrante da base no Congresso Nacional. Se o clima ficar ruim, o acerto terá que ser rediscutido.

Para essa corrente do PT, pesa o desconforto de parte da bancada paulista com a perda de protagonismo na capital e, consequentemente, no estado. O descontentamento se aprofundou desde o fiasco da candidatura em 2020 de Jilmar Tatto, que teve o pior resultado de um candidato petista na cidade.

Tatto ficou em sexto lugar na eleição daquele ano, com 8,6% dos votos. Até então, o partido costumava ir ao segundo turno ou ao menos ficar na segunda posição geral —sem contar as vezes em que ganhou.

A última vitória petista na cidade foi em 2012, com Haddad, que tentou a reeleição em 2016 e perdeu no primeiro turno para João Doria (então no PSDB).

Outras vozes no PT têm expressado a avaliação de que o acordo será honrado e que as críticas de deputados da legenda poderão ser contornadas até a campanha. O argumento usado para cravar a dificuldade de reversão é o fato de que o próprio Lula costurou a jogada com Boulos e Haddad.

O presidente reiterou em conversa com o aliado há algumas semanas o apoio à candidatura dele em 2024, como noticiou a coluna Painel. Lula disse a Boulos que qualquer um que se coloque contra o projeto estará automaticamente contra ele e o comando do PT tanto em nível federal quanto estadual.

A reafirmação da promessa aconteceu após um mal-estar que surgiu no PT por causa de reunião de Tatto, que é secretário de comunicação do PT e deputado federal eleito, com Nunes, o atual prefeito, que deve disputar a reeleição. Ambos negaram ter discutido eleições no encontro.

Petistas empenhados em minimizar as críticas ao acordo com o PSOL dizem que é ruim para o partido não ter candidatura própria, mas o assunto pode ser encaminhado de forma a neutralizar prejuízos para o PT. A sigla deu demonstrações de força na capital paulista em 2022, com Lula e Haddad sendo os mais votados localmente no segundo turno.

Há ainda o argumento de que apoiar a candidatura de Boulos não significa que o partido ficará sem espaços na construção política, já que a celebração da aliança pode ser condicionada à representatividade na chapa ou à participação no eventual governo.

Presidente estadual do PT em São Paulo e novo ministro do Trabalho, Luiz Marinho afirma que, da parte da legenda, o acordo com o psolista está mantido, mas acrescenta que a consolidação "pressupõe uma sintonia que temos que criar".

"E apostando nessa sintonia PT, PSOL e a federação, porque o PT não é sozinho agora, temos que construir com PC do B, com PV. Mas o compromisso do PT está mantido", diz ele.

Marinho ressalta que pode haver parte da militância insatisfeita e querendo a rediscussão do acordo, mas fala em "manter a persistência nessa construção" e reforça acreditar que o entendimento é possível.

"Temos que considerar a importância de valorizar os aliados. Assim como o PT gosta de ser apoiado, o PT também tem que apoiar alguém algum dia. E creio que é um processo em construção. De minha parte, vamos trabalhar para mantê-lo em pé."

"É evidente que isso está num processo de construção para caminharmos de mãos dadas no curto, no médio e no longo prazo", completa, frisando a possibilidade de o PT compor a chapa.

Marinho, que com a nomeação para o ministério sairá da direção estadual do partido, diz ainda que é equivocado pensar em enfraquecimento do PT com a composição. Segundo ele, a legenda não enxerga "a coisa de forma estática de um certo microterritório" e leva em consideração o cenário mais amplo.

Outra hipótese colocada no partido como uma solução seria filiar Boulos ao PT, o que é descartado pelo deputado eleito.

Procurado, ele não se manifestou. Aliados dele no PSOL afirmam que o relacionamento das siglas na gestão federal ajudará a eliminar ruídos de parte a parte até as definições sobre 2024.

Na montagem, Boulos, Tabata, Nunes, Salles e Zambelli
Na montagem, possíveis candidatos à Prefeitura de São Paulo em 2024: Guilherme Boulos (PSOL), Tabata Amaral (PSB), Ricardo Nunes (MDB), Ricardo Salles (PL) e Carla Zambelli (PL) - Folhapress

A primeira vez que Lula declarou publicamente apoio à candidatura de Boulos foi em março de 2022, durante evento em Santo André (SP), ao lado do líder sem-teto e de Haddad.

"Temos que fazer a Presidência, o Governo de São Paulo e, em 2024, vamos fazer o Boulos prefeito de São Paulo. A gente vai consertar o país", disse na ocasião.

Haddad, derrotado por Tarcísio de Freitas (Republicanos) na eleição estadual, ratificou o acordo no discurso em que reconheceu o resultado do segundo turno, em outubro.

"Boulos, vai se animando aí, que na capital tive praticamente a mesma votação que você quando venci José Serra [PSDB], em 2012. Isso é muito significativo porque eu tenho um amor profundo por essa cidade e fiquei muito feliz de ver o mapa da cidade todo vermelhinho", afirmou.

Para o cientista político George Avelino, o apoio a Boulos "parece ser um caminho natural", já que "o retrospecto do PT no município de São Paulo não tem sido bom recentemente".

O professor e pesquisador da FGV observa que o desempenho do psolista ficaria atrelado ao do governo federal, já que ele concorreria como representante de Lula. É preciso considerar ainda a pulverização de candidaturas no campo da esquerda, afirma Avelino.

A deputada federal Tabata Amaral (PSB) também é pré-candidata à prefeitura, o que pode provocar uma divisão do eleitorado. Em entrevista à Folha em dezembro, ela evitou se aprofundar no tema, justificando que debater o assunto com tanta antecedência seria um desrespeito a seus eleitores.

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