Descrição de chapéu Legislativo Paulista

Novo deputado em SP realça elo com periferia e origem famosa com cachorro-quente

Político ficou conhecido com carrinho de cachorro-quente; evangélico, deixou Bolsonaro fora de sua campanha

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São Paulo

Um gabinete quase em frente ao do Vitão do Cachorrão, na Câmara Municipal de Sorocaba, ostenta um painel com a bandeira da monarquia brasileira e fotos de Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Enéas, Margareth Thatcher e Churchill.

Já Vitão, que deixou o cargo de vereador no município paulista para estrear como deputado estadual, diz que não quer saber de referências políticas ou de disputas ideológicas, e o painel de seu gabinete era bem diferente: trazia uma selfie dele com uma favela ao fundo e os dizeres "Filho de pedreiro e vendedor de cachorro quente – Vereador do Povo".

Ele martela em sua comunicação a origem em uma família pobre. Na porta do gabinete, pendurou uma colher de pedreiro, que levará para a Assembleia Legislativa.

"É para eu não me esquecer de onde eu vim, para lembrar que a gravata, o terno e o poder não podem subir à minha cabeça", diz Vitor Alexandre Rodrigues, 46, que na infância "ganhava um dinheirinho" cortando capim para alimentar o cavalo de um vizinho e na adolescência trabalhou como servente de pedreiro com o pai.

Vitão do Cachorrão, que chega à Alesp - Karime Xavier/Folhapress

Aos 18 anos teve a ideia de montar um carrinho de cachorro-quente na garagem da casa da família, no Jardim Zulmira, periferia de Sorocaba.

Como trabalhava no carrinho e nas obras, acabou abandonando a escola. Estava no 2º ano do ensino médio no colégio estadual Humberto de Campos –depois, quando vereador, fez um supletivo para completar a educação básica e agora pretende fazer faculdade.

O cachorro-quente fez sucesso. "Em São Paulo, falam hot dog, né? Mas aqui em Sorocaba é cachorro-quente. A gente diz: ‘Vamos comer um cachorrão?’, aí virei Vitão do Cachorrão", conta.

"Quando entrei na política, os marqueteiros falaram para eu não colocar ‘Do Cachorrão’. ‘Vou colocar’, respondi. Todo mundo me conhece assim."

O cachorro-quente ficou 27 anos no mesmo local, até ir para uma lanchonete que ele construiu no bairro, um ano atrás.

O estabelecimento, onde ele continua trabalhando na chapa de duas a três vezes por semana, funciona como uma espécie de gabinete político paralelo, em que mantém contato com os seus eleitores/clientes –agora como deputado, pretende trabalhar na lanchonete uma vez por semana.

Suas redes sociais misturam postagens políticas à propaganda da lanchonete, que, além do cachorro-quente, serve outros lanches.

"Você que quer comer um churrasco ou um calabresão, um X-bacon, olha que capricho, olha a cebola picada com muito amor, que fica boa no cachorrão também. Entregamos em casa", diz em um vídeo.

O fato de se manter como chapeiro e de seguir morando na mesma casa desde que se casou, há 26 anos, é algo que Vitão transformou em um ativo político, reforçando uma imagem de simplicidade.

"Eu sei que você está gravando [a entrevista], mas vou falar: Se a gente ficar doente em uma cama, precisa de alguém para limpar a nossa bunda", ele diz. "Deus me perdoe falar assim, mas é verdade. Então temos que respeitar todos. Hoje eu estou como deputado, mas não sou melhor do que ninguém."

Vitão fala muito em Deus nas redes sociais e nos pronunciamentos na Câmara. Ele é evangélico, fiel da Congregação Cristã do Brasil, mas também circula por outras igrejas frequentadas pelo seu eleitorado, como a Assembleia de Deus e a Universal, todas elas apoiadoras de Bolsonaro em 2022.

Apesar disso e de ser filiado ao Republicanos, partido do governador Tarcísio de Freitas e que apoiou Bolsonaro nas eleições, Vitão permaneceu neutro em relação à campanha presidencial. Sabia, naturalmente, que grande parte de seu eleitorado, da periferia da cidade, tinha preferência por Lula.

Apesar de confirmar à Folha que votou em Bolsonaro, não fez menção ao ex-presidente em seus materiais de campanha. "Não fico brigando por partido, ideologia, azul ou vermelho. Tenho muitos eleitores que votaram em presidente A ou B."

Já Tarcísio, que, apesar de ter apoiado Bolsonaro, teve cargo no governo Dilma Rousseff, apareceu nos santinhos de Vitão. "O Tarcísio foi um ótimo ministro e já teve câncer, e eu luto para que as pessoas tenham diagnóstico precoce e tratamento."

Uma das promessas de campanha de Vitão foi a de que vai pleitear verbas para a construção de um hospital do câncer em Sorocaba. Seu gabinete e o escritório que mantém no seu bairro recebem pessoas em busca de ajuda para conseguir consultas, exames e vagas nos hospitais públicos.

"Faço tudo legalmente. Nunca falei ‘Passa esse na frente’. Nosso jurídico entra com pedido de liminar para casos urgentes", afirma.

Vitão evita pautas do conservadorismo evangélico/bolsonarista, como a oposição ao movimento LGBTQIA+. "O maior exemplo que Jesus deixou é o amor. Tenho dois sobrinhos e muitos amigos gays. Uma vez um time de futebol gay precisava de ônibus para ir a um campeonato em São Paulo, e eu ajudei a conseguir. Eles jogam bem, viu?"

Não liga para críticas de que sua atuação na Câmara é assistencialista e de que foge ao papel de um político. "Como não vou atender as pessoas mais necessitadas, alguém com dor, com câncer? Pode me chamar de assistencialista, do que quiser."

Também dá espaço em suas redes sociais para a busca por pets desaparecidos, como a cadelinha Princesa, o cachorro Simba e a calopsita Fio. Em casa, ele, a mulher e as duas filhas dividem o espaço com três cães e 14 gatos, a maioria resgatada nas ruas.

Vitão diz que entrou para a política porque os clientes do cachorrão pediram. "Nas campanhas, os candidatos iam aonde eu moro na campanha e depois sumiam."

Em 2008, ele foi até a Câmara, onde um amigo trabalhava. "Falei para ele: ‘Arrume aí um partido para mim, que vou virar candidato". "Só o PSDC [Partido Social Democrata Cristão] me abriu as portas".

Na primeira eleição, não conseguiu uma vaga, nem na segunda, em 2012, pelo PRB (atual Republicanos). Em 2016, pelo PMDB (hoje MDB), se elegeu vereador. Em 2020, no Republicanos, foi reeleito, com 7.754 votos, a maior votação da Câmara de Sorocaba.

Para deputado, teve 56.729 eleitores. Na Assembleia, afirma que apoiará "projetos que ajudem as pessoas, não importa se da direita ou da esquerda".

Pretende se voltar às questões da habitação e da saúde. "Quero fazer um trabalho na periferia, levar carreta de mamografia do Estado para as mulheres que precisam do exame", diz. "Tenho um amigo em São Paulo, o Rafael Ilha, que deixou a dependência química e vai estar comigo, ajudando famílias que precisam de tratamento para esse problema", conta ele, sobre a amizade recente com o ex-integrante do grupo musical Polegar.

"Conheci o Vitão no segundo mandato dele, através de um amigo em comum, o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga", diz Rafael à Folha. "Ele é engraçadíssimo, carismático, tem simplicidade e uma história de vida muito bacana."

Mas Vitão não cumpriu uma promessa, admite Rafael. "Ele me prometeu um dog, que não vi até hoje. Tive que ir lá na lanchonete dele pegar meu dogão", diz, rindo, confirmando a tese do novo deputado de que, na capital, ele seria o Vitão do Dogão.


Raio-X | Vitão do Cachorrão, 46

Vitor Alexandre Rodrigues é filiado ao Republicanos e ficou conhecido como Vitão do Cachorrão graças ao carrinho de cachorro-quente que montou, aos 18 anos, na garagem da casa da família e onde permaneceu por 27 anos até migrar para uma lanchonete, também em Sorocaba (SP). Em 2016, se elegeu vereador na cidade pelo PMDB e foi reeleito, em 2020, pelo Republicanos. Foi eleito deputado estadual em 2022 com 56.729 eleitores.

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