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'O diverso não é exceção, é a norma', diz nova titular da cátedra Otavio Frias Filho

Neurocientista Suzana Herculano-Houzel tomou posse nesta terça em grupo da USP em parceria com a Folha

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São Paulo

O que a anedota do cachorro na igreja tem a ver com uma palestra sobre diversidade realizada nesta terça-feira (9) pela bióloga e neurocientista Suzana Herculano-Houzel?

Foi com a pergunta "por que o cachorro entrou na igreja" que ela começou sua conferência de posse como titular da Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade, criada pelo IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP em parceria com a Folha.

E foi com a resposta que ela encerrou sua fala online: "Porque a porta estava aberta".

Entre uma coisa e outra, a neurocientista apresentou uma visão da biologia em que as coisas simplesmente acontecem. Assim como o cachorro entrou na igreja porque a porta estava aberta, e não para cumprir alguma função, também as variações nas espécies ocorrem sem nenhuma função em particular.

Cerimônia online de posse da neurocientista Suzana Herculano-Houzel como titular para o período 2023-2024 da Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade, fruto de parceria entre a USP (Universidade de São Paulo) e a Folha
Cerimônia online de posse da neurocientista Suzana Herculano-Houzel como titular para o período 2023-2024 da Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade, fruto de parceria entre a USP (Universidade de São Paulo) e a Folha - Gabriel Cabral - 9.mai.23/Folhapress

"A vida é aquilo que funciona, todo sistema que funciona. Não porque serve para alguma coisa, mas porque funciona", disse Herculano-Houzel, que comandará a cátedra pelo biênio 2023-2024.

Pelo mesmo ponto de vista, a enorme variedade de espécies –ou em uma mesma espécie– não atende a nenhum propósito específico. Em vez disso, é apenas um fato da vida.

"Quando a gente entende que a diversidade é a norma da biologia, a gente dá um passo atrás e para de olhar só a média e foca no todo. E passa a celebrar o fato de todas essas variantes funcionarem. O normal é apenas o mais comum numa gama de variedades; o diverso não é exceção, é a norma", afirmou a catedrática.

O raciocínio contraria uma das teorias mais difundidas nos últimos séculos: a seleção natural, de Charles Darwin.

De acordo com Herculano-Houzel, Darwin considerava que a vida se aperfeiçoa a partir das adaptações induzidas pelas pressões ambientais. Ou seja, entendia-se que características decorrentes da seleção natural não só tinham uma função como cumpriam essa função melhor do que a característica anterior.

Daí à ideia da "sobrevivência do mais apto" foi um pulo –aliás, as quatro palavras mais tóxicas proferidas por um ser humano, segundo Herculano-Houzel, porque serviram de base alegadamente científica para a defesa da eugenia e de diferentes supremacias ideológicas.

A visão que a neurocientista apresentou em sua conferência corta pela raiz o mal provocado por esse tipo de distorção. Afinal, se a vida é qualquer sistema que deu certo, não existe base biológica para qualquer tipo de supremacia.

"O que eu quero transmitir é a ideia de que a diversidade não só é a norma como também traz oportunidades", disse. Ela afirmou que a diversidade é seu assunto favorito: "Meu interesse passou de diversidade do cérebro para diversidade da vida em geral".

Não por acaso, o tema de sua conferência foi "Desde que funcione: por uma visão mais otimista da vida onde a diversidade é a norma". Na cátedra, ela tratará do tema "Ciência, Comunicação e Futuro", promovendo o contato entre diferentes disciplinas.

Graduada em biologia, com mestrado e doutorado em neurociência, Herculano-Houzel é colunista da Folha desde 2006 professora associada da Universidade Vanderbilt (EUA) desde 2016. Ela é um dos principais nomes da neurociência brasileira, com trabalhos de repercussão internacional.

Para Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora da USP, "ter Suzana na cátedra é uma dádiva". Arruda, que participou da cerimônia de posse, destacou o papel da divulgação científica e do jornalismo de qualidade em tempos de notícias falsas e negacionismos.

Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha, lembrou que o jornal sempre teve a preocupação de fazer a ponte entre o leitorado e o mundo científico. "Suzana consegue traduzir pesquisas aprofundadas em textos claríssimos e didáticos", disse.

Primeiro titular da cátedra, o jornalista Muniz Sodré, professor emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e colunista da Folha, afirmou que a neurocientista o sucede na função "num momento de reconstrução do país, que também é de renascimento".

Também participaram da cerimônia de posse André Chaves de Melo Silva, que é coordenador acadêmico da cátedra; Guilherme Ary Plonski, diretor do IEA; Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação; Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha e coordenador-adjunto da cátedra; Roseli de Deus Lopes, vice-diretora do IEA; e Miriam Debieux Rosa, pró-reitora-adjunta de Inclusão e Pertencimento.

A cátedra foi lançada em fevereiro de 2021, quando o jornal completou 100 anos de existência. A iniciativa homenageia o jornalista Otavio Frias Filho (1957-2018), que liderou o projeto de modernização deflagrado pelo periódico em 1984 e dirigiu a Redação até sua morte, em decorrência de um câncer.

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