Descrição de chapéu Junho, 13-23

Black blocs ficam isolados e submergem após auge de junho de 2013

Mascarados adeptos de vandalismo foram alvo de inquéritos, mas maioria ficou sem punição

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São Paulo

O surgimento de jovens mascarados que depredavam lojas, bancos e veículos durante protestos contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo surpreendeu a polícia e dividiu manifestantes em junho de 2013.

Os adeptos da tática black bloc replicavam um comportamento que já acontecia há décadas em protestos na Europa, onde os alvos de vandalismo eram símbolos do capitalismo, como bancos. No Brasil, também sobraram para veículos estacionados e pequenos comércios. Em alguns casos, policiais acabaram feridos.

Jovem branco de roupa preta e mascarado dá paulada em guarita; ao fundo, fogo
Manifestante coloca fogo em guarita da Polícia Militar em protesto em junho de 2013 - André Porto-18.jun.13/Folhapress

Esse tipo de atuação acabou levando a uma reação violenta da Polícia Militar de São Paulo, em um jogo de gato e rato que se estendeu pelos anos seguintes em manifestações contra a Copa do Mundo, o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e pela saída de Michel Temer (MDB) da Presidência.

Os grupos foram alvos de inquéritos e processos em vários estados do país, mas, na maioria dos casos, acabaram sem punição ou com penas brandas. Isolada por setores de esquerda, esse tipo de prática acabou perdendo a força nos últimos anos.

"Black bloc é uma forma de protesto, mas não um grupo organizado", diz a socióloga Esther Solano.

"Em 2013, eles eram jovens de diferentes perfis, locais diferentes da cidade, que não tinham uma organização coesa, centralizada, mas que se juntavam nas manifestações com o objetivo de fazer o protesto com depredação do patrimônio com a estética da máscara, que tem a ver com a ideia do anonimato", afirma ela.

Solano é coautora do livro "Mascarados: A Verdadeira História dos Adeptos da Tática Black Bloc" (Geração Editorial, 2014), com Bruno Paes Manso e Willian Novaes.

Um dos episódios que ajudaram a definir as Jornadas de Junho foi o das agressões feitas por manifestantes, alguns deles mascarados, ao policial militar Wanderley Vignoli. O agente havia tentado impedir uma pichação perto da praça da Sé, no centro da capital paulista, e acabou agredido com pedradas e ouvindo gritos de "mata, lincha".

A imagem do PM ferido é tida como fator que ajudou a impulsionar a reação violenta da polícia nos protestos seguintes.

Diferentemente desse caso emblemático, na maioria das vezes a atuação dos adeptos da tática black bloc acontecia no fim dos protestos, quando grupos de jovens cobriam o rosto e saíam destruindo vidraças.

Enquanto esse grupo de manifestantes jogava objetos como pedras e garrafas, a PM usava balas de borracha e bombas de gás para reprimir o protesto —nesse caso, sobrava também para quem se manifestava pacificamente, jornalistas e até pessoas que passavam pelas ruas.

Os atos seguiram mesmo após a reversão do aumento da passagem. Em outubro de 2013, em um deles, o coronel Reynaldo Simões foi agredido por cerca de dez pessoas e teve a arma roubada.

Aluno de relações internacionais, Paulo Henrique dos Santos, então com 24 anos, foi denunciado pelo Ministério Público em janeiro de 2015 acusado de tentar matar o coronel. Sua defesa afirmava que ele estava na manifestação, mas não agrediu o policial e que não havia nenhuma imagem que comprovasse a acusação.

Sem provas da acusação, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) acabou extinguindo o processo, em roteiro que se repetiu com vários outros suspeitos em 2013 e nos anos seguintes em São Paulo.

Em 2016, após cerca de 300 testemunhos, a principal investigação sobre a tática de destruição dos black blocs durante as manifestações de 2013 e de 2014 em São Paulo foi concluída sem um único indiciamento.

Outros casos pontuais chegaram a avançar na Justiça. Em julho de 2015, em São Paulo, o motorista João Antonio Roza foi o primeiro adepto da tática condenado em primeira instância por associação criminosa. A pena de um ano de prisão foi convertida em prestação de serviço à comunidade.

Em 2017, a Justiça condenou Pierre Ramon Alves de Oliveira a pagar R$ 100 mil à prefeitura da capital paulista, por vandalismo. Ele ficou conhecido quando manifestantes cercaram a sede da administração paulista e ele foi filmado atacando o portão repetidamente com uma grade metálica.

A maioria, porém, acabou absolvida, como dois acusados de atacar o PM Wanderley Vignoli.

Os manifestantes Fábio Hideki Harano e Rafael Marques Lusvarghi foram presos por 45 dias acusados de posse de explosivos em protestos contra a Copa do Mundo em 2014. Mas os artefatos não eram explosivos, conforme constatou laudo, e eles acabaram absolvidos.

Pessoas próximas a Harano afirmavam que ele era um manifestante pacífico, e sua defesa disse que ele foi agredido por policiais.

Já Lusvarghi talvez seja o mais notório manifestante apontado como black bloc, com uma história cinematográfica cheia de reviravoltas.

Depois de 2014, ele lutou, na Ucrânia, ao lado de forças separatistas ligadas à Rússia e chegou a ser preso lá. Em 2021, foi detido novamente, desta vez por posse ilegal de munições e tráfico de drogas.

O guerrilheiro brasileiro Rafael Lusvarghi segura armas em frente à bandeira brasileira
O guerrilheiro brasileiro capturado na Ucrânia Rafael Lusvarghi - Forças Armadas da Novarrússia

No Rio de Janeiro, mais de duas dezenas de manifestantes foram condenadas e recorrem.

Entre eles também estão Caio Silva de Souza e Fábio Raposo, que respondem em liberdade pela morte em 2014 do cinegrafista Santiago Andrade, da Bandeirantes, atingido por um rojão. O júri popular do caso foi marcado para dezembro.

Jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Bruno Paes Manso avalia que a tática black bloc passou por um processo de deslegitimação após um auge em 2013.

Nas manifestações de junho, diz, os adeptos da estratégia passaram a mensagem de que a violência conseguia produzir resultados políticos.

Com o recuo no aumento das passagens, os atos passam a receber adeptos menos politizados da tática black bloc que usam a violência como um fim em si mesmo, em protestos com as mais variadas reivindicações.

Com isso, avalia Paes Manso, a estratégia perde legitimidade.

A isso se soma a rejeição dela por movimentos como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que vetam depredações em seus atos por ver a violência como contraproducente. Pesa também, diz o pesquisador, as suspeitas de policiais infiltrados entre black blocs.

O coordenador da Central de Movimentos Populares, Raimundo Bonfim, que organizou vários protestos da esquerda nos últimos anos, afirma que evitar as depredações é uma apreensão constante.

"Sempre tivemos preocupação para que não tivesse provocação da parte nossa, enquanto manifestação democrática e popular. Inclusive, para não fazer pretexto para que a polícia pudesse reprimir os atos", diz ele, que afirmou que os apelos eram feitos pelos caminhões de som e também pessoalmente.

Em 2021, em um grande ato da esquerda no 7 de Setembro contra o então presidente Jair Bolsonaro (PL), a organização decidiu que a manifestação seria estática para evitar depredações.

"Quando a gente percebia algum grupo, fazia o processo de encostar neles, impedir que chegassem perto das polícias", afirma Bonfim, lembrando um dos grandes atos na avenida Paulista em que organizaram uma comissão para ir na frente do carro de som e conseguiram conter atos de vandalismo.

O pesquisador Bruno Paes Manso ressalta ainda que, após perder legitimidade na esquerda, a prática de usar depredações acabou usada por outro espectro político.

"O mais irônico é que a tática black bloc passa a ser sequestrada pela direita golpista", diz ele, citando os bloqueios de vias por caminhoneiros e bolsonaristas e os atos de 8 de janeiro.

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