Descrição de chapéu Junho, 13-23

Ativismo explodiu, ficou pop e chegou à política depois de junho de 2013

Movimentos à esquerda e à direita reinventaram cena, testando e abandonando métodos de mobilização

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São Paulo

Há um pouco de junho de 2013 em toda vez que estoura no debate público uma discussão sobre racismo ou sobre assédio. Também existem resquícios daquela leva de manifestações quando a população se une para pedir a criação de um parque ou cobra punição para um político corrupto.

A explicação dada por pesquisadores, políticos e líderes de movimentos sociais parte de um ponto comum: os protestos que varreram o país há dez anos fermentaram uma explosão do ativismo em torno das pequenas e das grandes bandeiras, com reflexos na sociedade e nos espaços de poder.

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Edição da Marcha das Mulheres Negras em São Paulo em 2022, com apelo por respeito às condições de gênero e raça - Bruno Santos - 25.jul.22/Folhapress

Conceitos como liderança horizontal, pauta difusa e coletivismo entraram em cena após os atos chamados pelo MPL (Movimento Passe Livre). Outras formas de ação e organização também surgiram, cresceram ou se modificaram, numa sociedade que ficou mais engajada e polarizada.

"Foi um ponto de virada", diz o cientista político Leandro Machado, autor do livro "Como Defender Sua Causa" (2021).

A eclosão desse novo momento tem a ver com a popularização das redes sociais e sua capacidade de criar nichos de opinião, na avaliação de Machado, que também é sócio da consultoria Cause e cofundador do Agora!, movimento surgido em 2016 para aperfeiçoar a política e os governos.

Para o especialista, esquerda e direita se beneficiaram da apoteose cívica, mas o segundo grupo foi mais eficiente na mobilização virtual. Com a tática, capturou o sentimento de um cidadão empoderado com a possibilidade de usar seu celular para se fazer ouvir sem filtros ou atravessadores.

"A indignação em 2013 só se tornou coletiva graças ao advento das redes sociais, porque você compartilha, um vai contaminando o outro e isso cria uma onda. Os políticos se tornaram mais sensíveis à opinião pública", diz a advogada Luciana Alberto, porta-voz do VPR (Vem Pra Rua).

O movimento se valeu do espírito do tempo, e principalmente do Facebook, para arregimentar multidões nas ruas pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), ao lado do MBL (Movimento Brasil Livre).

Grupos que se estabeleceram no pós-2013, no entanto, refutaram a horizontalidade (estrutura sem hierarquia rígida e com poder descentralizado) adotada pelo MPL e deram protagonismo aos porta-vozes.

"Uma coisa que fazia toda a diferença para evidenciar os rostos das nossas manifestações era o uso dos caminhões de som", relembra Kim Kataguiri, um dos fundadores do MBL e desde 2018 deputado federal (União Brasil). "Outra distinção é que tínhamos pautas definidas."

O jogral para a difusão de mensagens durante os atos foi inicialmente copiado do MPL, mas a ferramenta também acabou abandonada pelo MBL por causa do volume crescente de participantes.

Consolidada no impeachment e nas marchas em apoio à Operação Lava Jato, a saída às ruas como método foi incorporada ao arsenal bolsonarista, com manifestações de apoio ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) sendo mantidas até nas fases mais restritivas da pandemia de Covid.

Para a socióloga Maria da Glória Gohn, professora aposentada da Unicamp e referência nos estudos de movimentos sociais no Brasil, 2013 resgatou o ímpeto de setores conservadores por representação.

"Grupos mais estruturados da esquerda viveram uma certa desarticulação e, em contrapartida, houve um avanço significativo dos grupos da direita e conservadores, que perderam, como diziam alguns, a vergonha e saíram às ruas, porque antes quase não se viam protestos desse campo", diz.

A proliferação de coletivos das mais variadas temáticas foi outro produto daquele período, no entendimento da pesquisadora, que escrutinou o fenômeno em livros lançados na última década.

Segundo ela, junho legou a ascensão do ativismo —mais autônomo, com atuação em rede e valorização da vivência corporal na defesa de causas—, em contraposição ao modelo da militância —feita por movimentos e sindicatos, com estruturas mais verticais e agendas previsíveis.

Beatriz Della Costa, diretora do Update, um instituto que estimula inovações políticas na área progressista, diz que se deu "um despertar ativista, com disputa política e de imaginário", inclusive nas periferias, acompanhado de uma mudança comportamental profunda.

"O ativismo ganhou uma dimensão pop. Hoje as pessoas perguntam: 'Qual é o seu ativismo? Por que você luta?'. Não tem mais como não ter um propósito. Isso virou algo natural do comportamento e da identidade de uma parcela dos jovens", afirma a cientista social.

O risco, considera ela, é que a atitude resvale em "algo pouco sustentável", sem regularidade de ação.

Uma grande transformação foi a entrada gradual do ativismo de esquerda na seara institucional, observa Beatriz. "Levamos pessoas que foram se formando no ambiente das ruas para a disputa eleitoral, num movimento para minorias políticas ocuparem com mais vigor os espaços de poder."

Os exemplos mais citados quando se fala desse ambiente incluem nomes com viés feminista, antirracista e LGBTQIA+, além de experiências vanguardistas como a da Bancada Ativista, em São Paulo, e a das Muitas, em Belo Horizonte, com candidaturas coletivas alinhadas a pautas identitárias.

Para Josué Rocha, da coordenação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), junho serve ainda hoje de alerta para os movimentos preservarem a conexão com suas bases. Algo que mudou, na visão dele, é que convocações via redes sociais já não têm o mesmo poder de influência.

"A insatisfação escancarada em 2013 mostrou que havia espaço para a luta social, mas era importante organizá-la. Foi aí que o MTST decidiu ir para um crescimento mais acelerado e que várias outras lutas foram impulsionadas", afirma ele, também ligado ao deputado federal Guilherme Boulos (PSOL).

A conjuntura adversa para a esquerda nos últimos anos, com a necessidade de resistir à agenda conservadora, ajudou os movimentos a retomarem uma parte do seu dinamismo, aponta Rocha, lembrando o peso desse campo para a eleição do presidente Lula (PT).

Athayde Motta, que dirige a Abong (Associação Brasileira de ONGs, com 236 entidades), relativiza o impacto das jornadas de junho para o setor e lembra que o MPL não se perpetuou como força relevante.

Para o antropólogo, como a forma de atuação descentralizada e dispersa se provou efêmera, os meios clássicos de pressão —como diálogo institucional por políticas públicas e protestos com objetivos claros— saíram fortalecidos. "Aquilo foi a expressão de uma indignação popular legítima, não uma referência de um período relevante de organização da sociedade civil", diz.

"Com a criminalização dos movimentos no governo [Michel] Temer e a perseguição no governo Bolsonaro, as pessoas ganharam um gás para protestar. Tudo isso serviu para a sociedade entender que participar é bom para a democracia."

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