Presidente do Consórcio do Nordeste diz que Zema aprofunda lógica de país dividido e desigual

Governador de MG defendeu protagonismo do Sul e Sudeste e foi criticado por fala considerada separatista

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São Paulo

O governador João Azevêdo (PSB-PB), presidente do Consórcio Nordeste, emitiu nota neste domingo (6) classificando como preocupante a defesa feita pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), do protagonismo dos estados do Sul e Sudeste, por ver estímulo a "guerra entre regiões".

A declaração de Zema foi dada em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ao falar sobre a criação do Cosud (Consórcio de Integração Sul e Sudeste), ele disse que a diferença de tratamento às regiões ficou clara durante a discussão da Reforma Tributária e cobrou espaço proporcional.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema - Zanone Fraissat - 31.jul.23/Folhapress

O mineiro chegou a fazer uma analogia com "vaquinhas que produzem pouco" ao falar sobre distorções de arrecadação e necessidades, dizendo que, se um produtor rural começa a dar um bom tratamento só para essas vacas, "daqui a pouco as que produzem muito vão começar a reclamar o mesmo tratamento".

Após a repercussão, o governador disse que não está contra ninguém e repudiou o que chamou de distorção dos fatos.

Zema defendeu, na entrevista, a criação de uma frente dos governadores em busca de protagonismo político e econômico para o Sul e Sudeste, explicitando a intenção de agirem em bloco para evitar perdas.

Ele reclamou que outras regiões do Brasil, com estados muito menores em termos de economia e população, se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília.

"E nós, que representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos. Ficou claro nessa Reforma Tributária que já começamos a mostrar nosso peso", acrescentou, citando as alterações no Conselho Federativo.

Para Azevêdo, a fala "indica um movimento de tensionamento com o Norte e o Nordeste". O líder do Consórcio Nordeste diz ser preciso rejeitar "qualquer tipo de lampejo separatista" e afirma que a entrevista "parece aprofundar a lógica de um país subalterno, dividido e desigual".

"Indicar uma guerra entre regiões significa não apenas não compreender as desigualdades de um país de proporções continentais, mas, ao mesmo tempo, sugere querer mantê-las, mantendo, com isso, a mesma forma de governança que caracterizou essas desigualdades."

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), gravou um vídeo negando que a existência do Cosud seja para rivalizar com estados do Norte e Nordeste. Os dois colegiados foram criados em 2019.

"A união desses estados em torno da pauta que é de interesse comum deles serviu de inspiração para que a gente possa, finalmente, fazer o mesmo. Não tem nada a ver com frente de estados contra estados ou região contra região", disse Leite.

O tucano pregou união "em torno do que é pauta comum e importante para os estados do Sul e do Sudeste" e afirmou não acreditar que "Zema tenha dito nada diferente disso". "Se disse, não me representa", ressalvou.

Outro integrante do Cosud, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), disse que os termos usados por Zema são opinião pessoal e que participa do Cosud "para que ele seja um instrumento de colaboração para o desenvolvimento do Brasil e um canal de diálogo com as demais regiões".

As falas de Zema na entrevista despertaram uma série de críticas, sobretudo de opositores, que lembraram sua proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e de políticos do Nordeste. O mineiro é considerado pré-candidato do campo da direita para a eleição presidencial de 2026.

A maior parte das reações veio da esquerda, mas também se pronunciaram nomes como a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), para quem "o Nordeste é parte da solução do país e deve receber atenção nas discussões federativas por tanto tempo de descaso e indiferença".

Após as críticas, Zema afirmou na noite deste domingo que "a união do Sul e Sudeste jamais será para diminuir outras regiões".

Em uma postagem, ele escreveu que "não é ser contra ninguém, e, sim, [ser] a favor de somar esforços" e que "diálogo e gestão são fundamentais para o país ter mais oportunidades". Zema concluiu dizendo que "a distorção dos fatos provoca divisão, mas a força do Brasil está no trabalho em união".

O governador de Minas, que rivaliza com o presidente Lula (PT), já tinha sido alvo de contestações por afirmações que distinguiam o Nordeste e foram classificadas como xenófobas e preconceituosas.

Zema intensificou a exaltação do Sul e do Sudeste e afirmou em junho que os estados dessas regiões têm "uma proporção muito maior de pessoas trabalhando do que vivendo de auxílio emergencial" e que só eles "podem contribuir para este país dar certo". Depois, disse que foi mal-interpretado.

O grupo do Nordeste se notabilizou pelos embates com a gestão Bolsonaro ao longo dos últimos quatro anos, com divergências sobretudo no auge da pandemia de Covid-19.

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou neste domingo que "só mesmo o bolsonarista Zema" para propor a união do Sul e do Sudeste contra o Nordeste e chamou o adversário de "preconceituoso e atrasado".

"Eu sou do Sul [do Paraná], e essa fala é inadmissível. Temos orgulho no Nordeste, do povo nordestino. Queremos a união do povo brasileiro por um país justo, solidário, livre de discriminação", escreveu a petista em rede social.

O atual coordenador do Cosud é o governador paranaense, Ratinho Jr. (PSD).

Em tom mais duro, o ministro Flávio Dino (Justiça) insinuou que Zema pratica traição à pátria ao difundir mensagem de oposições entre regiões do país e, em uma postagem, citou o artigo da Constituição que proíbe "criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si".

"É absurdo que a extrema direita esteja fomentando divisões regionais. Precisamos do Brasil unido e forte", disse Dino, que integrou o Consórcio Nordeste até o ano passado, como governador do Maranhão.

Na mesma linha, o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), afirmou que Zema se revela "o maior inimigo da federação brasileira" no momento em que o país "mais precisa de união".

Líderes políticos como o presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, entraram em cena para acalmar os ânimos. O deputado federal por São Paulo foi a público dizer ser desnecessário polemizar a fala do governador.

"Defender a representatividade dos estados é do jogo democrático. Não atenta ao federalismo, garantido pela Constituição que juramos. Temos de buscar pacificação, e não conflito", disse.

Governadores que compõem o Cosud: Jorginho Mello (PL-SC), Eduardo Leite (PSDB-RS), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG), Cláudio Castro (PL-RJ), Renato Casagrande (PSB-ES) e Ratinho Jr. (PSD-PR) - Rogério Santana - 3.jun.2023/Governo do Rio de Janeiro

O governador de Minas reiterou na entrevista que os estados do Cosud abrigam 56% da população. "Já decidimos que, além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos —que é o que nunca tivemos— protagonismo político", afirmou.

Em outro momento, ele adotou tom irônico ao defender que os estados também sejam lembrados na discussão de ações sociais e questionou se eles "vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta".

"O Sul e o Sudeste não têm pobreza? Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem desemprego, não tem comunidade? Tem, sim", disse.

Zema também usou a entrevista para defender a aglutinação da direita em torno de um só nome em 2026, considerando o cenário sem Bolsonaro, que está inelegível. O mineiro desconversou sobre sair candidato à Presidência e afirmou preferir apoiar outro nome de seu segmento.

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