Barroso diz que não existe crise com Congresso em meio a críticas sobre pauta do STF

Novo presidente do Supremo afirma que pretende dialogar com o Legislativo de forma institucional

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Brasília

O novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta sexta-feira (29) que não vê crise entre a corte e o Congresso e que pretende dialogar com o Legislativo de forma institucional.

"Não vejo crise", disse Barroso, em entrevista a jornalistas no Supremo. "O que existe, como em qualquer democracia, é a necessidade de relações institucionais."

Ele assumiu a presidência do STF na quinta (28) em meio à tensão entre os Poderes Judiciário e Legislativo, com acusações de invasão de competência. Um dos principais estopins para a crise foi o julgamento do marco temporal de terras indígenas, assunto que também estava em tramitação no Congresso Nacional.

Luís Roberto Barroso em entrevista nesta sexta, no Supremo - Pedro Ladeira/Folhapress

Na quarta-feira (27), em votação relâmpago, o plenário do Senado aprovou o projeto de lei do marco temporal para a demarcação, menos de uma semana após a tese ter sido derrubada em decisão do STF. Em outra frente, deputados liderados pela bancada ruralista chegaram a obstruir os trabalhos na Câmara para pressionar a corte e o presidente Lula.

Barroso sucede a ministra Rosa Weber na presidência. Lula assinou nesta sexta decreto de aposentadoria da ministra, que na segunda-feira (2) completa 75 anos, idade limite para atuar no tribunal.

Questionado se o tema marco temporal deve novamente voltar ao Supremo e eventualmente ser derrubado, o ministro afirmou que, caso o projeto seja sancionado, pode ser questionado no tribunal. "Isso é um bom motivo para eu não antecipar a minha decisão", afirmou.

Além do marco temporal, outros temas que foram colocados em pauta no STF nos últimos meses fizeram o Congresso afirmar que a corte estava invadindo as atribuições do Legislativo, a exemplo da descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação.

Sua antecessora na presidência, Rosa votou a favor do tema em sessão que aconteceu em plenário virtual. Em seguida, Barroso pediu destaque (para levar o processo ao plenário físico) e suspendeu a votação.

Na entrevista desta sexta, ele disse achar que o aborto é uma questão que precisa de "um debate público relevante" para ser levado adiante.

"Interrupção da gestação é uma questão controvertida em todo o mundo", afirmou. "Em alguns países esse tema foi resolvido pelos tribunais constitucionais, em outros países foi tratado por legislação. Acho perfeitamente normal que uma questão importante e divisiva da sociedade como essa seja debatida no Congresso também."

O novo presidente do Supremo evitou fazer comentários negativos sobre a possibilidade de Lula escolher um homem para suceder Rosa na corte, o que tem provocado críticas de entidades favoráveis à igualdade de gênero no Judiciário.

Barroso disse que, em seu discurso de posse, já defendeu aumento de participação feminina na Justiça, mas elogiou os três nomes mais cotados à vaga de Rosa: o ministro da Justiça, Flávio Dino, o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas.

Segundo Barroso, "a prerrogativa de escolher [ministro] é do presidente, com participação do Senado Federal".

"Os três nomes que estão com maior evidência, pessoalmente, acho que são excelentes em ponto de vista de qualificação técnica e idoneidade. Mas todo mundo viu meu discurso sobre aumentar a participação feminina", disse.

Ele também se manifestou sobre a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ter pedido que reconsidere o envio para plenário virtual dos julgamentos dos réus acusados pelos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro.

No plenário virtual, os votos dos magistrados são apresentados num sistema eletrônico da corte durante um determinado período de tempo.

O ministro afirmou que a decisão de ter colocado no plenário virtual foi do relator, Alexandre de Moraes, e que acha, pessoalmente, "que o julgamento em plenário virtual, ao contrário do que às vezes se supõe, não interfere com o direito de defesa".

"Na prática, o julgamento em plenário virtual dá ao ministro mais tempo de estudo e reflexão do que o voto no plenário físico."

Barroso também comentou a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de retirar as Forças Armadas e o STF da lista de entidades legitimadas a fiscalizar o processo eleitoral brasileiro, na última terça (26).

Relator da proposta e atual presidente do tribunal, Moraes defendeu que a participação se demonstrou "absolutamente incompatível com as funções constitucionais e legais das Forças Armadas".

Barroso disse que, durante sua gestão à frente do TSE, incluiu os militares na comissão de transparência das eleições e que "lamentavelmente as coisas não passaram bem ali".

"No desejo de que contribuíssem para a transparência e segurança, eles trabalharam para levantar desconfiança, e foi uma pena. Mas a consequência não foi ruim porque, orientados para levantar suspeitas, eles constataram no relatório final que não houve fraude", afirmou.

O novo presidente do Supremo também respondeu sobre polêmicas do passado em relação a eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como o de ter reagido com a frase "perdeu mané, não amola" após três dias de hostilidades por parte de bolsonaristas em Nova York, no ano passado, e por ter dito "nós derrotamos o bolsonarismo" em congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), em julho.

"Houve um quadro de radicalização, agressividade e desrespeito que levaram a essas duas manifestações que você falou e espero que não se reproduzam mais", afirmou.

"O 'perdeu, mané' e o 'derrotamos o extremismo' foram frases de momentos de grande agressividade, xingamentos, ofensas, que geralmente não são o melhor contexto em que as pessoas se apresentam em sua melhor versão", afirmou.

Barroso disse lamentar o ocorrido e, sobre o evento dos estudantes, entende que usou "uma palavra errada", na referência ao "bolsonarismo".

"Considero que essas são exceções num contexto de agressões a ministros, como aconteceu com um colega nosso. Isso é o tipo de coisa que nunca existiu. Sempre viajei sozinho para o Rio para dar aulas. Abraçava as pessoas, quem não concordava podia fazer uma caretinha, mas a agressividade é coisa muito recente na realidade do Brasil", acrescentou.

Na quinta, em discurso de posse, Barroso afirmou que as "instituições venceram" no Brasil os momentos de sobressalto vividos pela democracia por aqui e em diferentes partes do mundo. E, nesse momento, fez um aceno às Forças Armadas.

Disse que as instituições contaram com "a presença indispensável da sociedade civil, da imprensa e do Congresso" e fez menção aos militares.

"E justiça seja feita: na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo", completou.

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