Relatora da CPI do 8/1 mira núcleo duro bolsonarista e propõe indiciar ex-presidente por 4 crimes

Comissão deve votar parecer final nesta quarta (18); oposição produz relatórios paralelos para atingir Lula

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Brasília

A relatora da CPI do 8 de janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), sugeriu nesta terça-feira (17) o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos ex-ministros general Augusto Heleno, general Walter Braga Netto, general Luiz Eduardo Ramos e Anderson Torres.

A senadora mirou o "núcleo duro" do bolsonarismo para apontar que o ex-presidente estava cercado por movimentos golpistas —que chegaram ao ápice no dia 8 de janeiro deste ano, com a destruição do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF.

O relatório, de 1.333 páginas, será votado na sessão desta quarta (18). O documento, obrigatório em comissões parlamentares de inquérito, pode apenas sugerir indiciamentos a autoridades responsáveis, como o Ministério Público Federal.

Senadora coloca sobre a mesa pilha de papéis
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) apresenta o relatório final da investigação da CPI do 8 de janeiro - Pedro Ladeira/Folhapress

A relatora pediu o indiciamento de Bolsonaro pelos crimes de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado.

Segundo ela, diferentes fatos mostram "exaustivamente" que o ex-presidente "foi autor, seja intelectual, seja moral, dos ataques perpetrados contra as instituições, que culminou no dia 8 de janeiro de 2023".

A participação de Bolsonaro na teia golpista, segundo a senadora, foi exposta pelo programador Walter Delgatti Neto, o hacker da Vaza Jato, e pela delação premiada de seu principal ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid.

Em depoimento à CPI, Delgatti disse que a campanha de Bolsonaro planejou forjar a invasão de uma urna eletrônica em 2022 e que o próprio ex-presidente pediu que ele grampeasse conversas do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Diferentes minutas golpistas circularam no entorno de Bolsonaro após a vitória de Lula (PT). Uma delas, encontrada no armário de Torres, autorizava o ex-presidente a instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Outra foi localizada no celular de Cid.

Ao longo da investigação, a relatora tentou reconstruir a escalada golpista desde as eleições, começando pelas blitze feitas pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) no segundo turno para dificultar a votação de eleitores petistas.

A senadora sugeriu que o ex-diretor da PRF Silvinei Vasques seja indiciado por diferentes crimes, incluindo o de impedir ou dificultar o exercício de direitos políticos. Ele está preso desde agosto a pedido da Polícia Federal pelas suspeitas sobre o pleito.

Outro alvo da CPI foi o acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, após a derrota de Bolsonaro. A relatora pediu o indiciamento do ex-comandante do Exército general Freire Gomes e do ex-ministro da Defesa general Paulo Sérgio Nogueira.

Eliziane também detalhou o papel dos militares formados nas forças especiais do Exército, os chamados de "kids pretos", e sugeriu o indiciamento do general Ridauto Fernandes, ex-diretor de Logística no Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro.

A lista de militares entre os possíveis indiciados incluiu 22 nomes só das Forças Armadas, começando pelo próprio Bolsonaro, capitão reformado do Exército, e Cid, tenente-coronel. Também aparece na lista o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier, citado por Cid em delação premiada.

A senadora sugere a investigação do advogado Amauri Feres Saad. Eliziane não tem provas contra Saad, mas diz que a CPI recebeu a informação de que foi ele quem redigiu a minuta golpista entregue a Bolsonaro pelo ex-assessor Filipe Martins.

A linha do tempo construída pela relatora menciona ainda os ataques ocorridos em Brasília na reta final do governo Bolsonaro: a tentativa de invasão da sede da PF —e o rastro de destruição provocado por bolsonaristas nesse dia— e a colocação de uma bomba perto do aeroporto.

A relatora afirmou que o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), "tinha pleno conhecimento do risco de atos violentos". Mesmo assim, o emedebista liberou manifestações na Esplanada dos Ministérios e não acionou a Força Nacional.

A senadora incluiu Ibaneis na lista de possíveis responsáveis pelo crime de omissão, mas sugeriu que as investigações contra ele sejam aprofundadas pelas autoridades porque a CPI não tem competência para investigar governadores.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) também aparece no relatório por associação criminosa, abolição do Estado democrático e golpe de Estado. A relatora afirma que a bolsonarista difundiu informações falsas sobre as urnas eletrônicas e fez a ponte entre Bolsonaro e Delgatti.

No total, Eliziane sugere o indiciamento de 61 pessoas, incluindo a cúpula da Polícia Militar do DF, empresários e funcionários do GSI —como o ex-número dois de Heleno, general Penteado, que foi mantido pelo ex-ministro de Lula Gonçalves Dias nos primeiros dias de governo.

GDias, como o general é conhecido, acabou poupado. A relatora afirmou que ele estava há apenas oito dias no cargo, e que muitos de seus subordinados tinham sido indicados por Heleno. O ex-chefe da Secretaria de Segurança Presidencial do GSI general Feitosa também foi alvo de pedido de indiciamento.

"As invasões do dia 8 de janeiro fracassaram em seus objetivos mais escuros, mas os ataques à democracia continuam", escreveu a senadora. "O 8 de janeiro ainda não terminou, urge que o sistema de vigilância seja permanente."

O principal relatório da oposição sugere a responsabilização do próprio presidente Lula, além de GDias; do ministro da Justiça, Flávio Dino; do ex-interventor e número dois do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli; e do ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Saulo Moura.

O documento também pede o indiciamento do comandante-geral da Polícia Militar do DF em 8 de janeiro, coronel Klepter Rosa Gonçalves, e do então chefe do Departamento Operacional da corporação, tenente-coronel Paulo José.

Em um segundo relatório da oposição, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) também defendeu o indiciamento de Dino e GDias.

A defesa do ex-presidente, em nota divulgada na noite desta terça-feira, classificou a proposta de indiciamento como parcial e tendenciosa e disse que ele não teve o direito a defesa por não ter sido convocado a prestar esclarecimentos à comissão.

"A proposta de indiciamento —para além da ausência de quaisquer elementos que conectem o ex-presidente com os atos investigados— mostra-se parcial, tendenciosa e totalmente pavimentada por viés político e não jurídico", diz.

O texto pontua ainda que a relatora é "sabida opositora política" de Bolsonaro. A senadora fez campanha para o presidente Lula no ano passado.

A defesa diz ainda que causa indignação o indiciamento de vários civis e militares, "evidenciando a crescente hostilidade com as Forças Armadas".

Colaborou Cézar Feitoza, de Brasília

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