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Quem hoje critica prisões do 8/1 antes tinha bordões fascistas contra presos, diz Moraes à Folha

Em entrevista, ministro defende sua atuação contra denúncias de abuso de poder e diz que se guia por Constituição

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Brasília

As queixas e denúncias de abusos de poder vindas de presos e réus do 8 de janeiro e de seus parentes e advogados, bem como de parlamentares, são do jogo democrático, mas parte delas soa incoerente com o que sempre pregaram seus críticos, afirma Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e atual presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Em entrevista à Folha, Moraes defende sua atuação como relator das ações penais do 8/1 e diz que seu trabalho tem sido referendado pelo plenário do Supremo. "Isso é o maior motivo de satisfação, mostrando que a minha conduta vem sendo dentro dos parâmetros constitucionais."

O ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes
O ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes - Pedro Ladeira/Folhapress

Sobre as críticas, contra-ataca. "Não é porque é de classe média que não vai ser processado, condenado ou preso. Essas pessoas que hoje criticam o sistema penitenciário nunca se preocuparam com os 700 mil presos brasileiros", afirmou.

"Enquanto não havia gente ligada a essas pessoas, elas tinham bordões, eu diria, fascistas em relação àqueles que cometiam crimes. Nunca defenderam o que elas têm agora no Supremo, devido processo legal, direito a advogado, a um julgamento por 11 ministros."

Moraes comentou os elogios que tem recebido de setores da esquerda –como durante cerimônia no Palácio do Planalto na segunda (11)– dos quais no passado foi adversário. E defendeu a decisão do STF sobre responsabilização de veículos de imprensa por falas de entrevistados, mas admitiu que deverá haver mudanças no texto.

Temos visto uma ofensiva de parentes e advogados de presos e réus do 8/1 contra o sr. e o STF. Queixam-se de penas elevadas, denunciam abusos, concentração de poder. Há casos de réus com pedido de liberdade provisória deferido pela PGR mas que continuavam presos, como o do homem que morreu na Papuda e virou como um mártir desses grupos. Em outros, houve erros, o sr. acabou voltando atrás. Como tem recebido essas críticas?
Eu recebo críticas com toda tranquilidade. As críticas construtivas serão analisadas, as críticas destrutivas serão ignoradas. Lamentavelmente hoje, pelas redes sociais, nós temos 99,99% de críticas destrutivas, agressões pessoais, ameaças. E as pessoas têm que entender que quem cometeu um crime, não é porque é de classe média que não vai ser processado, condenado ou preso. Essas pessoas que hoje criticam o sistema penitenciário –e têm razão em criticar, o sistema penitenciário precisa evoluir– nunca se preocuparam com os 700 mil presos brasileiros.

Enquanto não havia gente ligada a essas pessoas, principalmente uma classe média do interior dos vários estados, elas tinham bordões, eu diria, fascistas em relação àqueles que cometiam crimes. Nunca defenderam o que elas têm agora no Supremo, devido processo legal, direito a advogado, a um julgamento por 11 ministros, não sou eu que julgo sozinho. Todas as minhas decisões são levadas a referendo do Supremo Tribunal Federal. Uma condenação só existe se houver maioria no STF. Esses que foram condenados foram condenados por ampla maioria no STF.

As penas são elevadas porque os crimes foram gravíssimos, não foi um único crime, são cinco crimes. Quando você soma a pena desses cinco crimes, obviamente é elevada. As penas poderiam chegar a mais de 40 anos, quase 50 anos se fossem as penas máximas. As maiores até agora foram 17. Só que, e isso é muito importante salientar, por uma previsão da legislação brasileira, as pessoas só vão poder, nesses casos, ficar presas em regime fechado um sexto da pena. Ou seja, não chega a três anos, dois anos e oito meses. Vários já estão presos há quase um ano.

Então, em que pese toda essa gravidade da prática de um crime que tentou abolir a democracia, que tentou abolir os Poderes –queriam um golpe militar com a volta do AI-5, com a volta de tortura, com a volta de se cassar politicamente adversários–, essas pessoas ficaram presas mais um ano e meio, um ano e quatro meses, onde poderão progredir. Ou seja, o Supremo aplica a legislação que o Congresso Nacional aprovou. E aprovou em substituição à Lei de Segurança Nacional. Ou seja, é uma lei de defesa da democracia.

Como vê a volta às ruas de partidários do ex-presidente Bolsonaro, em atos em que o sr. é o principal alvo?
Manifestações críticas, mesmo que sejam críticas ácidas, são parte da democracia, não há nenhum problema. O que não faz parte da democracia é a agressão, são injúrias, calúnias, ameaças.

O sr. faz algum mea culpa, assume algum erro nessa atuação? Teria feito algo diferente?
Eu deixo para os meus amigos e inimigos apontarem meus erros, eu sigo trabalhando. É importante colocar –e as pessoas às vezes, com razão, não têm essa noção– que eu tenho ao mesmo tempo a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o meu gabinete no Supremo Tribunal Federal e uma vara criminal [ações do 8/1]. Eu tenho uma vara criminal hoje com quase 2.000 ações. Eu diria que poucas varas criminais no país têm tanto volume. E o gabinete vem trabalhando com celeridade, referendado pelo plenário do Supremo. Isso é o maior motivo de satisfação, mostrando que a minha conduta vem sendo dentro dos parâmetros constitucionais.

Que tipo de alteração pode haver na decisão de responsabilizar veículos de imprensa por declarações de entrevistados? Essa decisão pode afetar também as big techs?
A decisão se aplica a todo tipo de veiculação. Principalmente na Justiça Eleitoral, onde nós já definimos, desde 2021, que a utilização das redes sociais, das big techs, equivale a meios de comunicação para fins da Justiça Eleitoral. Eu não vejo nada diferente na repercussão geral aprovada do que já se aplica.

Na verdade, houve uma interpretação errônea por vários meios de comunicação, alguns dizendo até, de forma absurda, que se essa repercussão geral estivesse valendo, não poderia ter tido a entrevista do Pedro Collor ou a entrevista do Roberto Jefferson. Com todo o respeito, não leram o que foi aprovado.

A Constituição estabelece um binômio de liberdade com responsabilidade. Ela veda a censura prévia de forma absoluta. Agora, se você ofende alguém, se você calunia, se você destrói a vida de alguém –como no caso da Escola Base de São Paulo–, você pode ser responsabilizado. Isso já existe.

Agora, a entrevista de alguém, só se o meio jornalístico sabe que é falso. Se estou entrevistando Pedro Collor, como vai saber que aquilo é falso? Óbvio que não se aplica à repercussão geral. Agora, você sabe –e eu não quero citar aqui meios de comunicação que fazem isso direto.

Eu citei no plenário do TSE, lavam fake news para fingir que fazem um jornalismo. Sabem que aquilo é mentira, já há decisão judicial transitada em julgado dizendo que aquilo é mentira e elas cavam uma entrevista só para tentar divulgar como notícia. Aí há dolo. Talvez o que haja necessidade, para não restar nenhuma dúvida na aplicação, é complementarmos a tese colocando que quando houver dolo do meio jornalístico naquela notícia. Aí acho que fica mais tranquilo para todos.

Porque o texto fala em responsabilizar a empresa jornalística se houver "indícios concretos da falsidade da imputação". Isso não é muito etéreo?
Sim, sei. Então, para que não haja problema na interpretação, me parece correto substituirmos isso para dolo. Quando houver dolo do jornalista ou do meio de comunicação, se comprove o dolo, aí ele pode ser responsável.

E como podemos saber isso?
Eu teria aqui uns cem exemplos de dolo para te citar, que é o que eu chamo de lavagem de fake news. Algumas emissoras fazem isso. Pararam de fazer porque começaram a sofrer as consequências legais.

Num evento na segunda no Palácio do Planalto, com o padre Júlio Lancellotti e militantes de esquerda, o sr. foi muito festejado, gritaram o seu apelido, Xandão. Antes de virar ministro do STF, o sr. atuou na política e integrou governos mais de centro ou centro-direita. O bolsonarismo levou o sr. mais para a esquerda?
Na verdade, quem me identificava aqui e me identificava ali são vocês da imprensa. A minha conduta foi a mesma. O padre Júlio Lancellotti, por exemplo, eu tenho um trabalho conjunto com ele desde 2004, quando assumi a presidência da então Febem, ele me auxiliou a acabar com os grandes complexos da Febem e criar a Fundação Casa. Desde lá já vem essa, digamos, proximidade.

Eu fui no evento dos moradores em situação de rua porque esse plano foi resultado de uma decisão minha –monocrática, depois referendada pelo plenário– que determinou o respeito à dignidade das pessoas em situação de rua. A pessoa em situação de rua já tem uma vulnerabilidade, ela ainda sofre agressão, quando se retira os bens, documentos, o cachorrinho delas, o pouco que ela tem, as pessoas retiram, é com violência. Não há saúde, alimentação, casa…

Agora, defender a dignidade dessas pessoas não é ser de esquerda, ou ser de direita, ou ser de centro, ou ser liberal, é defender a Constituição. Então, quando eu digo que eu sempre pautei a minha conduta igual, é que, quando você está na política, os adversários enxergam de um jeito, quando você vem para o Judiciário, de outro. Mas eu também não me iludo, elogios hoje, críticas amanhã, isso faz parte.

O Brasil hoje tem 220 mil moradores em situação de rua, no mínimo, porque eu tive uma reunião com o presidente do IBGE, eles estão preparando uma forma de fazer esse censo, porque são pessoas nômades, é um censo muito difícil, e com toda a razão do mundo. O morador em situação de rua é mais desconfiado do que todos. Chega alguém e não sabe se é para prender, para internar, então, às vezes, o censo é mais complexo, mas, no mínimo, temos 220 mil. Nos últimos 14 anos, houve um aumento de 190%. Então, algo precisaria ser feito.

O bolsonarismo não levou o sr. mais para a esquerda não, então?
Não, não. Nem para a esquerda nem para a direita nem para o centro. Eu fico onde eu sempre estive, cumprindo a Constituição.

Vê chance de anistia para Bolsonaro, como aliados dele pedem?
Quem pode aprovar ou não é o Congresso. O Supremo, eventualmente, o que pode analisar é a constitucionalidade ou não, como fez em relação ao indulto. Comigo nunca ninguém conversou essa questão.

E o inquérito das fake news, tem alguma previsão de enfim conclui-lo?
Ele vai ser concluído quando terminar.


Raio-X | Alexandre de Moraes, 54

Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes é bacharel pela Faculdade de Direito da USP, onde concluiu doutorado em direito do Estado, e professor de direito na USP e no Mackenzie. Atuou em São Paulo como promotor, secretário de Justiça e Defesa da Cidadania e secretário da Segurança Pública. Foi indicado ao STF por Michel Temer (MDB) em 2017, quando era ministro da Justiça.

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