Trama golpista pode levar Bolsonaro a 23 anos de prisão e a mais de 30 inelegível

Ex-presidente fica sujeito a punições previstas na Constituição Federal e na Lei da Ficha Limpa

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São Paulo

Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) poderá ficar inelegível por mais de 30 anos.

Bolsonaro ainda não foi indiciado por esses delitos, mas as suspeitas sobre esses crimes têm avançado e levaram a Polícia Federal a deflagrar fevereiro uma operação que mirou seus aliados.

Já na semana passada vieram à tona a divulgação de 27 depoimentos dados por militares, políticos e ex-assessores de Bolsonaro reforçou a suspeita investigada pela PF sobre a atuação do ex-presidente no comando de uma trama no final de 2022 para mantê-lo no poder e evitar a posse de Lula (PT).

O ex-presidente já foi condenado pelo TSE por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e é alvo de diferentes outras investigações no STF (Supremo Tribunal Federal). Neste momento, ele está inelegível ao menos até 2030.

Policiais federais deixam o prédio onde fica a sede do PL (Partido Liberal) após cumprirem mandado de busca e apreensão.
Policiais federais deixam o prédio onde fica a sede do PL (Partido Liberal) após cumprirem mandado de busca e apreensão - Pedro Ladeira - 8.fev.24/Folhapress

Agora, na hipótese de uma sentença criminal condenatória em torno de um plano de golpe, provavelmente o maior prejuízo ao ex-presidente decorreria do teor do artigo 15 da Constituição Federal.

A Folha conversou com especialistas sobre o tema em fevereiro, logo após operação da PF.

Segundo a criminalista Maria Jamile José, mestre em direito processual penal pela USP, os punidos penalmente após esgotados seus recursos aos tribunais (situação chamada de trânsito em julgado na linguagem técnica) têm os direitos políticos suspensos durante o período de execução de suas penas e, por isso, não podem ser votados ou votar.

A pena máxima do crime de tentativa de golpe de Estado é de 12 anos de reclusão, a de tentativa de abolição do Estado de Direito é de 8 anos e a de associação criminosa é de 3 anos, ou seja, a soma chega a 23 anos de prisão.

Assim, na hipótese de aplicação das penas máximas, Bolsonaro poderia ficar inelegível por esse prazo.

Para Fernando Neisser, advogado e professor de direito eleitoral da FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo, além do previsto na Constituição, poderá incidir ainda a aplicação da punição de inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, que é de 8 anos depois do cumprimento da pena.

Hoje Bolsonaro tem 68 anos. Portanto, caso condenado em definitivo neste caso e nessas condições em 2025, por exemplo, ele ficaria inelegível até 2056, quando teria 100 anos de idade.

Neisser afirma que os crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito não estão previstos expressamente na Lei da Ficha Limpa, pois esta foi promulgada antes da entrada em vigor da lei de 2021 sobre os crimes contra a democracia.

Ele entende, porém, que deve ser feita uma interpretação jurídica para que a lei mais antiga seja empregada também nesses tipos de casos.

"Não é toda condenação que pode levar à inelegibilidade, mas aquelas que têm características que afetam bens jurídicos considerados relevantes o suficiente, como a administração pública, a vida e a propriedade, dentre outros. Portanto, não há dúvida de que uma condenação por crime contra o Estado de Direito se enquadra dentre as hipóteses que, desde a condenação, já faz surgir a inelegibilidade", diz.

De acordo com o criminalista Maurício Zanoide de Moraes, professor de processo penal da USP, a regra específica da Lei da Ficha Limpa a ser aplicada aos casos seria aquela que torna inelegíveis as pessoas condenadas por colegiados de juízes, como é o caso do STF. No tribunal tramita a investigação sobre a suspeita de planejamento de golpe e os ataques de 8 de janeiro.

Um dos fatos mais graves atribuídos a Bolsonaro pela PF foi a suposta atuação na elaboração da minuta de um decreto para dar uma roupagem formal às ações golpistas e impedir a posse do presidente Lula (PT).

Segundo a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, a minuta "consubstanciava medidas de exceção, com detalhamento de ‘considerandos’ acerca de suposta interferência no Poder Judiciário no Poder Executivo, para decretar a prisão de diversas autoridades e a realização de novas eleições em vista de supostas fraudes no pleito presidencial".

O rascunho do decreto teria sido objeto de reuniões convocadas pelo então presidente Bolsonaro que envolveram tanto integrantes civis do governo quanto militares da ativa, de acordo com a PF.

"Quanto ao ponto, a autoridade policial destaca a ocorrência de monitoramento de diversas autoridades, inclusive do relator da presente investigação [Moraes], no sentido de assegurar o cumprimento da ordem de prisão, em caso de consumação das providências golpistas", completa a decisão.

Porém, na atual etapa de investigação, foi determinado apenas o recolhimento do passaporte de Bolsonaro e que ele não se comunique com outros investigados.

Segundo a decisão de Moraes, a PF identificou diversos núcleos da organização criminosa e apontou os nomes de seus integrantes, mas o ex-presidente não foi incluído em nenhum deles.

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