Moraes tira sigilo de vídeo que mostra dinâmica golpista do governo Bolsonaro; veja íntegra

Ministro de Bolsonaro disse em reunião que comissão do TSE era para 'inglês ver' e que estava em contato com inimigo

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Brasíila e São Paulo

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou nesta sexta-feira (9) a divulgação na íntegra de vídeo de uma reunião ministerial de Jair Bolsonaro (PL), realizada em julho de 2022, em que ele e auxiliares discutem claramente cenários golpistas.

A três meses do primeiro turno, Bolsonaro aparece na gravação propagando notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e pedindo que seus subordinados difundissem essas alegações. Ministros militares presentes, por sua vez, falam em necessidade de "virar a mesa" antes das eleições e que a comissão de transparência eleitoral do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) era para "inglês ver".

O vídeo, segundo o inquérito, estava armazenado em um computador apreendido com Mauro Cid, então chefe da ajudância de ordens de Bolsonaro e hoje colaborador das investigações.

Trechos do vídeo foram transcritos na decisão de Moraes que autorizou a deflagração da Operação Tempus Veritatis, deflagrada pela Polícia Federal na quinta (8) e que investiga uma organização criminosa que teria atuado na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito.

A ação da PF resultou na prisão de ex-assessores de Bolsonaro e do presidente do PL, Valdemar Costa Neto —este por ter sido flagrado em posse ilegal de arma de fogo. Além do próprio Bolsonaro, mirou militares de alta patente e ex-ministros com mandados de busca e apreensão, entre eles os generais Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (ex-Casa Civil e candidato a vice) e Paulo Sérgio Nogueira (ex-Defesa).

Na gravação, Bolsonaro fala em "entrar em campo usando o meu exército, meus 23 ministros". O então presidente também afirma que "nós não podemos esperar chegar 23, olhar para trás e falar: o que que nós não fizemos para o Brasil chegar à situação de hoje em dia?".

Em outro trecho, cita a tramitação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que elevou gastos com programas sociais no ano eleitoral.

"A Câmara deve votar hoje o ... a PEC da Bondade, como é chamada, né? E não tem como, né, depois dessa PEC da Bondade, a gente ... a gente não tá pensando nisso, manter 70% dos votos, ok? Mas a gente vai ter 49% dos votos, vou explicar por quê".

O vídeo é ainda recheado de ataques a ministros do STF. Bolsonaro diz que eles estavam "preparando tudo" para Lula ganhar. "Alguém acredita aqui em Fachin, Barroso, Alexandre de Moraes? Alguém acredita? Se acreditar levanta o braço. Acredita que eles são pessoas isentas, tão preocupado em fazer justiça, seguir a Constituição?"

Na reunião ministerial gravada, o ex-presidente ordena ainda que seus auxiliares repetissem falas, sem provas, sobre fraude nas urnas eletrônicas. "Daqui para frente quero que todo ministro fale o que vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar, ele vai ter de falar para mim porque ele não quer falar", disse.

"Se apresentar onde estou errado, eu topo. Agora, se não tiver argumentos para me demover do que vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Se está achando que eu vou ter 70% dos votos e vou ganhar como ganhei em 2018 e vou provar [inaudível], está no lugar errado".

Na sequência, o então presidente anuncia que iria promover uma reunião sobre as eleições com embaixadores. "Os caras estão preparando tudo para o Lula ganhar no primeiro turno, na fraude. Vou mostrar como e o porquê", afirmou sobre o encontro que ocorreria no mesmo mês.

Bolsonaro já foi condenado pelo TSE por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e é alvo de diferentes outras investigações no STF. Ele está inelegível até 2030. Uma das condenações no TSE ocorreu justamente pela fala nessa reunião com embaixadores.

Ministros presentes também falaram durante a reunião registrada.

O general Paulo Sérgio, então ministro da Defesa, declara que a comissão de transparência eleitoral do TSE servia para "inglês ver" e que ele estava em "contato com o inimigo", em referência às reuniões com a corte eleitoral.

No encontro, o ministro da Defesa faz um relato sobre as reuniões da comissão criada pelo TSE para dar transparência ao sistema eleitoral e aperfeiçoar as urnas eletrônicas. A presença das Forças Armadas no colegiado foi utilizada por Bolsonaro para amplificar seus ataques ao sistema eleitoral.

Depois, ele afirma que a comissão havia tido cinco reuniões desde setembro e que era "só conversa para boi dormir". E prossegue: "O que eu sinto, nesse momento, é apenas na linha de contato com o inimigo. Ou seja, na guerra, a gente ‘linha de contato, linha de partido, eu vou romper aqui e iniciar minha operação’. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato".

No final da reunião, o general Augusto Heleno, que era ministro da Segurança Institucional, cita a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e o "problema da inteligência". Na sua decisão, Moraes destaca que a fala do general demonstra um núcleo de inteligência paralela, uma vez que Heleno afirma ter discutido na agência a infiltração de agentes nas campanhas políticas.

"Eu já conversei ontem com o Victor [Carneiro], novo diretor[-adjunto] da Abin, e nós vamos montar um esquema para acompanhar o que os dois lados estão fazendo. O problema todo disso é que se vazar qualquer coisa [..], a gente se conhece nesse meio, se houver qualquer acusação de infiltração desses elementos da Abin [...]".

Bolsonaro então interrompe Heleno e pede que ele pare de falar. "Ô general, eu peço que o senhor não fale, por favor. Não prossiga mais na tua observação aqui. Eu peço que não prossiga na tua observação", afirma, dizendo que eles conversariam no particular sobre "o que porventura a Abin está fazendo".

Em outra fala de teor golpista, Heleno diz que medidas precisam ser adotadas antes das eleições. Para a Polícia Federal, a declaração mostra o militar defendendo que órgãos de Estado atuem para assegurar a vitória de Bolsonaro.

Já o então ministro da Justiça, Anderson Torres, faz uma comparação com o cenário da Bolívia, referindo-se à prisão da ex-presidente Jeanine Añez sob acusação de ter promovido um golpe de Estado contra Evo Morales. "E o exemplo da Bolívia é o grande exemplo pra todos nós. Senhores, todos vão se foder! Eu quero deixar bem claro isso."

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