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forças armadas ataque à democracia

Golpe não consumado não significa legalismo de cúpula militar

Nova operação multiplica indícios de envolvimento de fardados por ação ou omissão

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São Paulo

As novas revelações trazidas pela Operação Tempus Veritatis da Polícia Federal revigoram uma questão palpitante do último ano: qual foi o papel da cúpula das Forças Armadas no golpe planejado pelo bolsonarismo após a eleição de Lula?

A ruptura não se consumou por causa do legalismo dos generais de quatro estrelas? Ou não se consumou apesar do seu golpismo? Em suma, o que fizeram os comandantes militares para conter o ímpeto golpista do último governo e de muitos dos fardados das Forças Armadas –agora mais evidente que nunca?

Primeiro, é inevitável discernir a composição dessa cúpula.

Não se trata dos oficiais da reserva de dentro ou fora do governo Bolsonaro –nestes, o golpismo e a orfandade da ditadura são históricos, muito anteriores à gestão passada–, mas dos generais de quatro estrelas que compõem/compunham os Altos Comandos de Exército, Marinha e Aeronáutica.

Convém ainda lembrar de um fato anterior aos ataques de 8 de janeiro.

Em 11 de novembro de 2022, quando Lula já fora eleito, e militantes bolsonaristas acampavam em frente a quartéis de todo país contestando o resultado das urnas e clamando por um golpe militar, os comandantes das Forças Armadas –Almir Garnier (Marinha), Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos Baptista Junior (Aeronáutica)– emitiram uma nota intitulada "Às Instituições e ao Povo Brasileiro".

Em resumo, defendiam os protestos como "livre manifestação do pensamento" e "liberdade de reunião" garantidas pela Constituição. Em conversas reservadas, mesmo integrantes do Alto Comando do Exército contrários a uma ruptura concordavam com a pauta dos acampamentos: opinavam que o Judiciário e a imprensa agiram contra Bolsonaro e que a revolta dos seus eleitores era justificável.

Pois um desses espaços de "livre manifestação do pensamento" e "liberdade de reunião" foi a incubadora do 8 de janeiro.

Policiais vestidos de uniforme preto caminham por estacionamento de prédio com malas e malotes
Policiais federais saem da casa do general Heleno após operação de busca e apreensão - Pedro Ladeira/Folhapress

Segundo a delação do tenente-coronel Mauro Cid, Garnier se manifestou favoravelmente à minuta de golpe formulada após a derrota de Bolsonaro para Lula –um decreto para convocar novas eleições que incluía a prisão de adversários.

Durante os ataques de 8 de janeiro, está por ser esclarecido por que o Palácio do Planalto, cuja proteção cabe ao Exército, estava desguarnecido.

Agora, sabe-se que o general Estevam Teophilo, que até dezembro chefiava o Coter (Comando de Operações Terrestres do Exército), cuja missão é "orientar e coordenar o preparo e o emprego" dos mais de 200 mil homens da força terrestre, teria prometido a Bolsonaro colocar tropas na rua para garantir o golpe.

A PF também revelou mensagens enviadas por Braga Netto para Ailton Barros, militar expulso do Exército, em que o candidato a vice de Bolsonaro dizia que a culpa pela posse de Lula seria do comandante do Exército, Freire Gomes, chamado por ele de "cagão".

São cada vez mais fartos os elementos a comprovar que a não consumação do golpe não significa que a cúpula das Forças Armadas era/é necessariamente legalista. Parte dela se omitiu e incentivou a aventura golpista; parte dela parece ter participado mais ativamente.

E nunca é demais relembrar: não havia apoio externo (os EUA sinalizaram que não apoiariam) nem apoio interno maciço (nem dos bancos nem da Igreja nem da imprensa, para citar alguns atores) a uma aventura golpista que encorajassem eventuais generais simpáticos à ideia, projetando um "day after" desastroso.

Um dos núcleos de investigação do Ministério Público Federal em relação ao 8/1 é dedicado a apurar a responsabilidade de autoridades por "omissão imprópria". Tanto nos episódios já conhecidos quanto nos que agora vêm à tona, as autoridades da polícia, do Ministério Público e do Judiciário responderão se e como a cúpula das Forças Armadas será enquadrada.

Em caso positivo, estão sujeitos a responder por crimes previstos na Lei do Estado Democrático de Direito ou mesmo no Código Penal, como prevaricação (deixar de agir diante de transgressão às leis).

Para o advogado criminalista Rodrigo Sánchez Rios, há elementos para que comandantes militares sejam punidos tanto por ação/instigação quanto por omissão.

No primeiro caso, ele cita a nota conjunta de 11/11/2022 e o elogio de Braga Netto a Garnier por ter, segundo a decisão de Alexandre de Moraes, anuído com o golpe, colocando suas tropas à disposição de Bolsonaro.

Quanto às omissões, Sánchez Rios menciona a manutenção das manifestações em frente aos quartéis. "Aquelas pessoas só puderam se manter em área militar com a anuência de alguém que tivesse poder para tanto ou que nada fez para retirá-los. Assim, poderia estar configurado o crime de prevaricação", afirma.

O advogado –que foi defensor de empresas envolvidas na Lava Jato mas também do ex-juiz Sergio Moro quando ele deixou o Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de querer interferir na PF– diz que "obviamente muitos oficiais foram expressamente contrários ou não se mantiveram nos objetivos pleiteados pela cúpula do antigo governo". "É possível concluir das mensagens de Braga Netto ter sido o caso dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, este último adjetivado de traidor da pátria."

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