Minuta na casa de Torres era última versão em trama golpista, avalia PF

Texto previa decretação do estado de defesa sob Bolsonaro; chefes militares confirmaram participação de ex-ministro em debate sobre plano

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Brasília

Investigadores da Polícia Federal dizem acreditar que o documento encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres em janeiro do ano passado era a última versão de uma série de minutas golpistas discutidas por Jair Bolsonaro (PL) com aliados.

O texto achado pela PF na casa de Torres era o esboço de um decreto para Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), como revelou a Folha à época.

O ex-ministro Anderson Torres (Justiça) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - Evaristo Sá -14.jan.2023/AFP

A intenção seria reverter o resultado da eleição vencida pelo presidente Lula (PT), segundo os investigadores.

Torres havia acabado de ser exonerado do cargo de secretário da Segurança do Distrito Federal por falhas no planejamento de segurança no dia 8 de janeiro de 2023. Foi alvo de mandado de busca e apreensão na investigação da PF que tentava descobrir o elo entre ele e os ataques aos três Poderes.

A PF desconfiava que a minuta encontrada na casa de Torres pudesse ser uma versão das demais que foram discutidas por Bolsonaro com comandantes militares e aliados, conforme delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente.

A avaliação de que se tratava da última versão das minutas, porém, foi reforçada após depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e do brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica.

O ex-comandante do Exército afirmou à PF que a minuta golpista encontrada na casa de Torres é a mesma versão que foi apresentada por Bolsonaro aos chefes das Forças Armadas em reunião em dezembro de 2022.

No depoimento, o militar disse que o documento havia sido apresentado pelo ex-presidente em uma segunda reunião entre os comandantes e o então chefe do Executivo federal.

"Que confirma que o conteúdo da minuta de decreto apresentada foi exposto ao declarante nas referidas reuniões. Que ressalta que deixou evidenciado a Bolsonaro e ao ministro da Defesa [general Paulo Sérgio Nogueira] que o Exército não aceitaria qualquer ato de ruptura institucional", registra o termo de depoimento do general.

O brigadeiro Baptista Júnior, por sua vez, reforçou a participação de Torres no processo e disse à PF que o papel do então ministro durante uma reunião de Bolsonaro com chefes militares na qual foi debatida uma minuta golpista era dar embasamento jurídico ao teor do decreto.

"Que Anderson Torres chegou a participar de uma reunião em que os comandantes estavam presentes. Que até procurava pontuar aspectos jurídicos que davam suporte às medidas de exceção (Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e estado de defesa). O papel do ministro na referida reunião foi de assessorar o então presidente Jair Bolsonaro em relação às medidas jurídicas que o Poder Executivo poderia adotar no cenário discutido", relatou o ex-comandante da Aeronáutica, segundo depoimento.

O texto apreendido com Torres tinha três páginas e decretava estado de defesa na sede do TSE com o "objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022".

A sede e demais unidades do tribunal ficariam fechadas para preservação de documentos e uma comissão iria avaliar a "conformidade e legalidade" do processo eleitoral (leia a íntegra do documento).

A Comissão de Regularidade Eleitoral seria composta por 17 membros: do Ministério da Defesa (oito pessoas), do Ministério Públicos Federal (dois), da Polícia Federal (dois), do Senado Federal (um), da Câmara dos Deputados (um), do Tribunal de Contas da União (um), da Advocacia-Geral da União (um) e da Controladoria-Geral da União (um).

O relatório final da comissão conteria, segundo o documento, o material probatório analisado e a relação nominal de eventuais envolvidos em desvios de conduta ou atos criminosos, de forma individualizada.

Segundo o depoimento de Mauro Cid e dos ex-chefes militares, houve pelo menos três reuniões em que foram discutidas versões diferentes das minutas golpistas.

Para a PF, Bolsonaro liderou o processo e não só debateu os textos como pediu modificações neles. Essa linha de investigação foi reforçada, para integrantes da PF, após um ato convocado por Bolsonaro na avenida Paulista, no final de fevereiro.

O ex-presidente aproveitou o evento para se defender das acusações de que havia tentado dar um golpe de Estado, mas no seu discurso indicou saber da existência das minutas que tentavam anular a eleição de Lula, segundo avaliação da PF.

"O que é golpe? É tanque na rua, é arma, conspiração. Nada disso foi feito no Brasil", disse. "Agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência", afirmou o ex-presidente diante de seus apoiadores.

Dias após a manifestação, o advogado do ex-presidente Paulo Cunha Bueno disse que a fala de Bolsonaro se referia a um texto recebido por ele em 2023 após a defesa ter acesso à investigação da PF. Portanto, depois que deixou o governo.

Procuradas, as defesas de Torres e Bolsonaro não se manifestaram sobre o teor da reportagem. Fabio Wajngarten, também advogado de Bolsonaro, ironizou nesta quinta (14) a declaração de Freire Gomes à PF a respeito da discussão de minutas golpistas.

"Tem General com memória seletiva…. Recorda-se de vírgulas e frases e palavras, mas não se recorda de datas. Bem curioso. Mais ainda as defesas não terem nenhum acesso a esse depoimento folclórico", escreveu Wajngarten nas redes sociais.

Bolsonaro já foi condenado pelo TSE por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, por exemplo, e é alvo de diferentes outras investigações no STF. Neste momento, ele está inelegível ao menos até 2030.

Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa, o ex-presidente poderá pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.

Bolsonaro ainda não foi indiciado por esses delitos, mas as suspeitas sobre esses crimes levaram a Polícia Federal a deflagrar uma operação que mirou seus aliados em fevereiro.

As próximas etapas são a finalização da investigação pela PF, análise da PGR (Procuradoria-Geral da República) e definição por parte do STF se Bolsonaro se transforma em réu para ser julgado em seguida pelo plenário. Caso não se justifique uma preventiva até lá, a eventual prisão dele ocorreria somente após essa última etapa, caso condenado.

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