Descrição de chapéu ditadura militar

Comissão de Anistia põe viúva de Herzog como anistiada política em novo recado após veto de Lula

Clarice Herzog começou movimento para que fosse investigado o assassinato e punidos os responsáveis

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Brasília

A Comissão de Anistia aprovou de forma unânime nesta quarta-feira (3) a condição de anistiada política de Clarice Herzog, 83, viúva do jornalista Vladimir Herzog, perseguida pela ditadura militar no Brasil após iniciar movimento cobrando investigação e punição dos responsáveis pelo assassinato do marido.

A declaração de anistia é um instrumento de reparação e preservação da memória. Com ele, o Estado pede perdão às vítimas dos crimes cometidos durante o regime militar.

Esse é o segundo ato promovido pela comissão nesta semana, que manteve sua programação mesmo após o presidente Lula (PT) ter proibido eventos em memória dos 60 anos do golpe de 1964, o que provocou críticas —inclusive de membros do próprio colegiado.

Na terça (2), a comissão julgou procedentes dois pedidos inéditos de perdão coletivo para atos cometidos pelo Estado contra indígenas. O colegiado concedeu reparação aos povos guarani-kaiowá e krenak pela violência que sofreram durante o regime militar.

A Comissão de Anistia é um órgão de assessoramento direto do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, cargo ocupado por Silvio Almeida no governo petista. Nenhuma autoridade do Executivo participou do ato desta quarta, que ocorreu em auditório da Câmara dos Deputados e em parceria com a Comissão de Legislação Participativa da Casa.

Apesar do veto do chefe do Executivo, a data foi mencionada por ministros do governo e lideranças petistas nas redes sociais no domingo (31). Ao menos 8 dos 38 ministros fizeram referências ao tema em suas contas pessoais, assim como a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Em entrevista em fevereiro, Lula chegou a dizer que não quer ficar "remoendo sempre" o passado e que está mais preocupado com os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Presidente da comissão desde o início do governo petista, Eneá de Stutz e Almeida foi uma das pessoas que criticou o veto do presidente aos atos. À Folha, na semana passada, ela cobrou o chefe do Executivo e fez um paralelo da fala de Lula e a do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de "passar a borracha".

"Ambos [Lula e Bolsonaro] falaram a mesma coisa, ‘vamos passar a borracha’, porque o que interessa é a pacificação. Não dá para passar borracha no passado, seja 60 anos atrás ou um ano atrás. A gente tem que enfrentar legado de violência e autoritarismo", disse.

Nesta quarta, Eneá afirmou que a realização do julgamento é emblemática pela história de Clarice e porque é também um momento para homenagear todas as mulheres que atuaram no movimento por anistia política.

A publicitária Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog
A publicitária Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog - Adriano Vizoni-2.ago.18/Folhapress

Vladimir Herzog foi torturado e morto em 1975 em unidade do DOI-Codi do Exército. Os militares forjaram uma versão de suicídio —e a foto criada para simular essa versão tornou-se um símbolo da repressão do período. Com a morte do marido, Clarice Herzog começou um movimento para que fosse investigado o assassinato e punidos os responsáveis.

Clarice não participou do ato desta quarta por motivos de saúde, segundo Ivo Herzog, um de seus filhos, afirmou aos presentes. Em sua fala na sessão, ele disse que a partir da morte do pai, o objetivo da vida dela passou a ser "a verdade e a justiça sobre o assassinato" dele. "Clarice é uma das heroínas dessa história", afirmou.

A relatora do pedido, Vanda de Oliveira, afirmou que a resistência de Clarice é uma "luz que ilumina os erros que o país tem cometido diante de sua própria história". "Ao ser tão determinada, ela ajudou o Brasil, um país que se acostumou ao esquecimento e à impunidade."

Além do pedido de desculpa, haverá uma reparação econômica de caráter indenizatório, em uma única prestação, correspondente a 390 salários mínimos (respeitando o teto legal de R$ 100 mil).

"Nenhum Estado tem direito de abusar de seu poder e investir contra seus próprios cidadãos. A história de sua mãe é uma história emblemática, que nos inspira, que nos dá forças para seguir lutando pela democracia. Em nome do Estado brasileiro eu peço perdão por todas essas perseguições que ela passou", disse Eneá a Ivo Herzog após resultado do julgamento.

"A partir de agora, fica registrado nos anais da Comissão de Anistia, na memória do povo brasileiro, reforçada com as homenagens e a certeza de que ela é uma heroína do povo brasileiro. Muito obrigada pela vida, pela luta, pela coragem de enfrentar o Estado, que é muito poderoso. Mas ela enfrentou e ela venceu", continuou.

Ana Maria Oliveira, vice-presidente da Comissão de Anistia, citou em sua fala os ataques golpistas do dia 8 de janeiro e disse que é preciso que o Brasil conheça a sua própria história para que isso não aconteça mais.

"Se aconteceu um 8 de janeiro, foi porque nós não contamos para as gerações pós-1964 o que aconteceu nesse país. O Brasil é um país que viveu mais tempo em governos ditatoriais do que democráticos. A nossa democracia é jovem e precisa ser defendida em todos os lugares desse país", disse.

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