Descrição de chapéu Meio ambiente

'Até hoje a Amazônia é vista como uma espécie de colônia', diz fotógrafo

Em depoimento, Lalo de Almeida conta sobre seu projeto fotográfico que começou com a usina Belo Monte

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Área de floresta devastada na região de Apuí, município localizado ao longo da rodovia Transamazônica, no sul do estado do Amazonas 

Área de floresta devastada na região de Apuí, município localizado ao longo da rodovia Transamazônica, no sul do estado do Amazonas  Lalo de Almeida - 24.ago.2020/Folhapress

São Paulo

O fotógrafo da Folha Lalo de Almeida conta sobre seu trabalho de mais de dez anos registrando o desenvolvimento da região amazônica, as tensões entre as comunidades tradicionais e as grandes construções, além dos desafios da cobertura.

A sequência de fotografias são todas em preto e branco —uma tentativa, diz Lalo, de alcançar uma estética mais atemporal, capaz de mostrar que uma situação de exploração perdura há muito tempo.

Em abril, ele venceu a categoria Meio Ambiente do World Press Photo, a mais prestigiosa premiação de fotojornalismo do mundo, pela cobertura da destruição do Pantanal provocada pelo fogo ao lado do repórter Fabiano Maisonnave, que também o acompanhou em outras coberturas pela Amazônia.

Posso dizer que o projeto de retratar a região amazônica começou com a usina Belo Monte, no Pará. Foi em 2009, quando fiz uma viagem pela Folha para acompanhar as primeiras audiências públicas da hidrelétrica no rio Xingu. Logo que cheguei a Altamira, tive um estalo e percebi que uma coisa muito grande acontecia ali. Era mais uma dessas epopeias amazônicas que já tínhamos ouvido falar tanto, como Serra Pelada e Transamazônica.

Eu fotografo há muito tempo, mas, até então, havia feito apenas reportagens esporádicas na região. As coisas mudaram em 2011, quando ganhei o prêmio Marc Ferrez da Funarte [Fundação Nacional de Artes, que dá uma bolsa para desenvolver projetos] para acompanhar os impactos socioambientais da construção de Belo Monte.

Com a premiação, em 2012 morei por três meses em Altamira. O local já tinha se transformado completamente desde aquela viagem em 2009. Imagine uma cidade de 100 mil habitantes, já precária em termos de infraestrutura que, de repente, recebe 50 mil pessoas, sendo a maioria de homens solteiros. Em pouco tempo, o local se transformou num lugar violento, bagunçado, com alto índice de acidentes de trânsito e grande movimento do tráfico de drogas.

Esse período de imersão na realidade local me fez pensar para além de Belo Monte. Comecei a entender na prática como funcionam os processos dessas grandes obras na Amazônia, que até hoje é vista como uma espécie de colônia, uma simples fornecedora de matéria-prima para o resto do Brasil.

Outras hidrelétricas estavam sendo construídas no rio Madeira nessa época e decidi que iria acompanhar esse processo. Percebi ainda que era uma boa oportunidade para percorrer a Transamazônica e retratar o que ela representa hoje. Foi assim que visitei as comunidades indígenas mundurucus, que estavam sofrendo pressão devido a mais uma hidrelétrica que queriam construir no rio Tapajós.

Ao longo do tempo, fui revisitando alguns lugares e constatando que o ciclo de exploração estava se repetindo, exatamente como tinha acontecido em Serra Pelada durante a ditadura militar e até mesmo antes, na época colonial. Trata-se de um processo avassalador, brutal, que chega sem pensar nas pessoas e no impacto que causa às comunidades tradicionais.

Para mim, a Amazônia continua sendo um local muito difícil de fotografar. Não apenas pela tensão latente, mas também pela logística, já que os deslocamentos são longos e os meios de transporte, precários. Quando se vai de um ponto a outro, é preciso saber que irá passar dias em um barco ou que terá que viajar em um pequeno avião.

A floresta sempre foi uma terra de conflitos, mas nesses últimos anos de governo Bolsonaro isso ficou ainda mais evidente. Há uma parte da economia fora dos grandes centros vive da ilegalidade, e essas pessoas se sentem estimuladas com o discurso do presidente. Há uma sensação de impunidade no ar. Provavelmente é o momento mais tenso desde quando eu comecei a frequentar a região.

No meu trabalho, contei com a ajuda das lideranças comunitárias, indígenas e ONGs, que vivem numa situação muito mais difícil. A gente vai, passa um tempo e volta. Já essas pessoas moram lá e continuam sob risco permanente.

Para mim este projeto é infinito, e só vai acabar quando eu não tiver mais energia para continuar. Quando me perguntam por que decidi fotografar em preto e branco, respondo que é uma tentativa de alcançar uma estética mais atemporal, capaz de mostrar que essa situação perdura há muito tempo, que não é só de agora.

Gostaria de ser mais otimista, mas, pelo que tenho visto nos últimos anos, é um modus operandi de ocupação e destruição que parece não ter freio.

O fotógrafo Lalo de Almeida posa com foto de sua autoria, em 2016 - Diego Padgurschi/Folhapress
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