Um líder tem que ter decência, diz reitor de faculdade de negócios dos EUA

Para William Boulding, da Universidade Duke, qualidade vai além das inteligências técnica e emocional

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São Paulo

As turbulências sociais e a polarização política pela qual o mundo passa vazou para ambientes de trabalho –e a expectativa é a de que empresas, líderes e gestores tomem posições sobre o assunto.

Essa é a opinião de William Boulding, reitor da faculdade de negócios Fuqua da Universidade Duke, na Carolina do Norte. Para ele, as companhias têm hoje a oportunidade de abrir caminhos ao abraçar a a diversidade e a superar a polarização.

Ele acredita que a aposta em um objetivo comum e em um conjunto sólido de valores no ambiente de trabalho pode ser a solução para conflitos.

Cada vez mais, conflitos políticos e ideológicos estão aparecendo em ambientes além da política eleitoral. Como a polarização política pode afetar o ambiente profissional? Isso é uma questão em todo o mundo. Nas companhias com as melhores gestões, pessoas diferentes, de origens diversas, unem-se em torno de um propósito em comum. Neste momento, as empresas têm a oportunidade de mostrar para diferentes partes da sociedade como é possível superar a polarização e encontrar os benefícios da diversidade. Por outro lado, o que acontece na sociedade pode passar para dentro da companhia e afetar a forma como as pessoas interagem umas com as outras. É necessário ter sensibilidade ao que acontece para além do mundo do trabalho, mas manejando a forma como essas questões aparecem na empresa.

A polarização política e a aparição de questões políticas no trabalho são fenômenos novos? Com certeza já vimos polarização política na história anteriormente, mas é relativamente novo na força de trabalho. Havia uma separação do trabalho do resto da vida. Atualmente, existe a crença de que pessoas devem ser autênticas e trazer essa autenticidade para o trabalho. E isso é ótimo –o fato de haver diferenças na forma de pensar e nas origens dá a oportunidade de ver diferentes pontos de vista, diferentes soluções, que talvez não pensássemos. Ao mesmo tempo, as pessoas são mais abertas sobre a vida fora da empresa. Isso abre a porta para discussões sobre assuntos além do trabalho. As expectativas dos colaboradores com relação a envolvimento da empresa em questões sociais também mudaram muito. Espera-se que a companhia preste atenção em mais do que apenas lucro. Antes, os líderes e gestores de empresas não se viam envolvidos nisso. Agora, eles precisam responder aos eventos que geram polarização política fora da companhia.

Homem branco, grisalho, de terno e gravata, sentado em mesa de escritório
Retrato de William Boulding, reitor da Fuqua School of Business na universidade Duke, na Carolina do Norte - Divulgação/Justin Cook

A preocupação com a diversidade (racial, étnica, sexual e de gênero) tem aparecido cada vez mais para empresas e pesquisas sugerem que a inclusão gera eficiência nos negócios. Porém, mesmo esse aspecto é passível de polarização política. Como manejar os possíveis conflitos que isso pode gerar na empresa? É possível que pessoas associem a valorização da diversidade a uma posição política. Porém há muitas evidências que a inclusão é positiva para os negócios. Então, do ponto de vista da empresa, isso não é uma questão política. O que as companhias podem fazer é garantir que a opção pela diversidade seja uma questão de valores, não de política. Tirar a política da questão da diversidade funciona para as empresas, mas ainda não funciona na sociedade.

O senhor acredita que empresas podem fazer o papel de liderar o caminho para a inclusão social? Acredito que as companhias têm a oportunidade de fazer isso, e que elas mostraram que podem fazer. É um momento interessante, pois existe, também, a expectativa de que elas façam isso. Pesquisas sugerem que pessoas tendem a confiar mais no empregador do que em outras instâncias da sociedade para lidar com problemas como injustiça racial. É do interesse do empregador resolver esses desafios. Porém, nem todo empregador está preparado para isso. Por causa da polarização política, qualquer ação parece politizada, mesmo que seja apenas pelo interesse da empresa e do time. Acreditamos que precisamos preparar lideranças para lidar com esses desafios.

Como as lideranças podem se preparar para lidar com inclusão, diversidade e polarização? Criar propósito comum é uma habilidade crucial. É dialogar com as diferenças para criar mais compreensão, não mais conflito. Isso não significa que as pessoas vão sempre concordar, mas que elas vão se sentir ouvidas. Líderes precisam achar os pontos positivos das diferenças –de crença, de origem. Essas não são habilidades naturais. É desafiador optar por estar cercado por pessoas diferentes. É preciso superar o medo e a irritação de estar perto de alguém diferente e aprender a ouvir. A humildade é importante. A vontade de ver as pessoas ao redor bem-sucedidas, também.

Quais são os limites da conciliação de diferenças? Entre pessoas diferentes, sempre vai haver conflito. É aí que entra a ideia de valores, que são ao que podemos recorrer quando temos pontos de vista opostos. Toda organização precisa entender o que ela apoia. Sem isso, é difícil saber solucionar conflitos. Sempre se imaginou que era preciso inteligência técnica para ser um bom líder, mas, além disso, é preciso de inteligência emocional e, mais ainda, acredito que seja importante apostar em um quociente de decência. Isso significa se importar com os outros, compreender que o sucesso deles é o sucesso da liderança, entender o papel da transparência e da honestidade.

Essas características são parte de uma nova concepção de liderança? Em alguns líderes de sucesso, sempre houve a compreensão intuitiva de que esses valores eram importantes. Porém, houve uma mudança na sociedade em termos de entender o que é necessário para trabalhar em equipe. O modelo de seleção de lideranças costumava ser o de procurar a pessoa mais tecnicamente inteligente. Pois da forma como operávamos, a pessoa mais inteligente diria às outras o que fazer, em um modelo bem hierárquico. Aprendemos que precisamos de pessoas que funcionam bem em times. A noção de inteligência emocional se tornou bem popular. Hoje só isso não basta. Precisa haver o comprometimento com valores e com a equipe. O time precisa acreditar que o líder está agindo pelo melhor interesse de todos. As pessoas estão procurando significado e propósito no trabalho, não apenas uma forma de colocar comida na mesa.


RAIO X

William Boulding, 65, é reitor da Fuqua School of Business, escola de negócios da Duke University, na Carolina do Norte. É economista formado pela Swarthmore College e Ph.D. em ciências gerenciais e economia aplicada pela Universidade da Pensilvânia.

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