IA, scanners cerebrais e câmeras: a tecnologia de vigilância policial avança

Conferência policial em Dubai apresentou recursos de ponta disponíveis a forças de segurança pública

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Paul Mozur Adam Satariano
Dubai (Emirados Árabes Unidos) | The New York Times

Um leitor de ondas cerebrais que consegue detectar mentiras. Câmeras miniaturizadas que ficam dentro de cigarros eletrônicos e xícaras de café descartáveis. Câmeras de vídeo enormes que fazem zoom de mais de um quilômetro e captam rostos e placas de veículos.

Em uma conferência policial em Dubai em março, novas tecnologias para as forças de segurança do futuro estavam à venda. Longe dos olhos do público geral, o evento ofereceu uma rara visão das ferramentas existentes para a aplicação da lei em todo o mundo: vigilância melhor e mais difícil de detectar, software de reconhecimento facial que rastreia automaticamente indivíduos em várias cidades e computadores para invadir telefones.

Audiência do congresso mundial de policiais assiste à apresentação de uma tecnologia de monitoramento remoto.
Tecnologias apresentadas em congresso de policiais em Dubai, em 9 de março de 2023. No Oriente Médio, inteligência artificial e outras tecnologias de ponta já fazem parte do dia a dia - The New York Times

Os avanços em inteligência artificial, drones e reconhecimento facial criaram um negócio de vigilância policial cada vez mais globalizado. Software de hacking israelense, ferramentas de investigação americanas e algoritmos chineses de visão computacional podem ser comprados e combinados em um coquetel de espionagem incrivelmente eficaz.

Alimentado por uma onda de gastos de países do Oriente Médio, como os Emirados Árabes Unidos (EAU), o anfitrião da conferência e um usuário agressivo de tecnologias de segurança da próxima geração, o evento apontou como as ferramentas de vigilância em massa, que antes se acreditava serem difundidas apenas na China, estão proliferando. O uso crescente dessas tecnologias sinaliza uma era de policiamento baseado tanto em software, dados e códigos quanto em policiais e armamento, levantando questões sobre seus efeitos na privacidade das pessoas e no exercício do poder político.

"Muita vigilância ostensiva pode ser benigna ou usada para melhorar uma cidade", disse Daragh Murray, professor de direito da Universidade Queen Mary, em Londres, que estudou o uso da tecnologia pela polícia. "Mas o outro lado da moeda é que ela pode fornecer uma visão incrível da vida cotidiana das pessoas. Isso pode ter um efeito assustador indesejável ou ser uma ferramenta de repressão real.

A corrida ficou evidente em um centro de convenções em Dubai, onde policiais uniformizados de todo o mundo pilotaram drones que podiam ser lançados e acionados remotamente; fabricantes chineses de câmeras mostraram um software que identifica quando multidões se reúnem; empresas americanas como Dell e Cisco tinham estandes que ofereciam serviços policiais. A Cellebrite, fabricante israelense de sistemas para invadir telefones celulares, expôs dentro de uma "zona de governo" bloqueada do resto da conferência.

Outras empresas vendiam óculos de reconhecimento facial e software de análise de sentimento, cujo algoritmo determina o humor de uma pessoa a partir de expressões faciais. Alguns produtos, como um Segway com suporte para rifle, expandiram os limites da praticidade.

"Atualmente, a força policial não pensa nas armas que carrega", disse o major-general Khalid Alrazooqi, diretor-geral de inteligência artificial da polícia de Dubai. "Você busca as ferramentas, a tecnologia."

Com os cofres cheios, sérios desafios de segurança e um governo autocrático, os Emirados Árabes Unidos, importante aliados dos Estados Unidos no Oriente Médio, tornaram-se um estudo de caso sobre o potencial e os riscos de tais tecnologias de policiamento. As ferramentas podem ajudar a deter o crime e os ataques terroristas, mas também podem se tornar um reforço antidemocrático do poder político.

Sob a liderança do xeque Mohammed bin Zayed Al Nahyan, muitas vezes referido por suas iniciais, MBZ, as autoridades dos Emirados vigiam críticos e ativistas. A Anistia Internacional e outros grupos acusaram o país rico em petróleo de abusos dos direitos humanos contra adversários, incluindo o uso do spyware de telefone Pegasus feito pelo grupo NSO de Israel. Protestos e liberdade de expressão na monarquia autoritária são severamente limitados, parte do esforço para combater o extremismo islâmico, segundo o governo.

Uma empresa de tecnologia sediada nos EAU e ligada à liderança do país, a Presight AI, vende software quase idêntico a produtos muito usados pela polícia chinesa. Na conferência, seu software usou câmeras e IA para identificar pessoas, armazenar dados sobre sua aparência e rastrear seus percursos no evento.

A falta de transparência e supervisão da forma como as tecnologias de vigilância são usadas abre o potencial para abusos, disse Marc O. Jones, autor do livro "Digital Authoritarianism in the Middle East" [Autoritarismo digital no Oriente Médio] e professor da Universidade Hamad Bin Khalifa, no Catar.

"A região tornou-se tão securitizada e, sob MBZ, os Emirados tornaram-se tão focados em segurança que há quase uma fetichização da tecnologia", disse ele.

O Oriente Médio se tornou uma "placa de Petri de diferentes atores", com China, Rússia e Estados Unidos disputando influência por meio de suas tecnologias, disse Jones. A forte presença de tecnologias chinesas –como a maioria das câmeras visíveis nas ruas– é um sinal da crescente influência do país no Golfo Pérsico.

A polícia de Dubai administra sistemas de última geração a partir de um quartel-general ao norte dos arranha-céus e shoppings do centro da cidade. Um desses sistemas, um programa de reconhecimento facial chamado Oyoon –"olhos" em árabe–, pode obter a identidade de qualquer pessoa que passe por uma de pelo menos 10.000 câmeras, vinculando-a a um banco de dados de imagens da alfândega do aeroporto e carteiras de identidade dos residentes. A polícia também exigiu que as empresas forneçam vídeos de seus sistemas de segurança para um banco de dados centralizado do governo.

"Ele está monitorando toda a cidade desde a entrada no aeroporto até a saída", disse Alrazooqi. Segundo ele, os sistemas servem aos "clientes" da polícia –termo genérico para se referir ao público. "As pessoas estão contentes com isso", disse ele.

As habilidades tecnológicas foram exibidas num centro de comando da polícia, onde os policiais de Dubai podiam ver imagens de câmeras ao vivo e a localização de todos os veículos de emergência numa tela gigante.

"Com tecnologia e câmeras inteligentes, se alguém cometer um crime, em um minuto saberei em que direção" a pessoa seguiu, disse o tenente-coronel Bilal Al Tayer, diretor interino do centro de comando e controle.

Na feira policial de Dubai, funcionários do Ministério do Interior dos Emirados Árabes Unidos, que supervisiona a segurança do estado e tem acesso a todas as câmeras da polícia, demonstraram como, com um tablet, eles podem escanear as íris dos participantes da conferência e obter informações sobre quando eles entraram no país, com uma foto recente da alfândega. Também foi exibido um fone de ouvido que detecta quando uma parte do cérebro relacionada às memórias é ativada, algo que um funcionário do ministério disse ser útil durante interrogatórios para determinar se um suspeito está mentindo.

Caminhando entre os estandes da conferência estava o tenente-general Abdullah Khalifa Al Marri, comandante da Polícia de Dubai. As novas habilidades em exibição, por mais intrusivas que sejam, são um meio de alcançar uma antiga meta utópica de "crime zero", disse ele.

"Não invadimos a privacidade das pessoas", acrescentou. "Estamos apenas monitorando."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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