Descrição de chapéu América Latina férias

Feira das Flores de Medellín, na Colômbia, mistura sacrifício e beleza

Festival movimenta cidade que ainda tem memória de seu passado violento

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Desfile de silleteros na Feira de Flores de Medellín Bárbara Blum/Folhapress

Medellín

Há um ditado do estado da Antióquia, onde fica Medellín, que diz: "Quando passa um silletero, é a Antióquia que passa". Os silleteros, floricultores tradicionais dos arredores da cidade colombiana, são as estrelas do desfile que coroa a Feira das Flores.

Não à toa, Medellín é conhecida como a cidade da eterna primavera. O clima, estável o ano todo, e o solo fértil da região fazem com que seja cercada dessas pequenas fazendas históricas de flores.

Carro enfeitado cruza percurso do evento - Bárbara Blum/Folhapress

Todo mês de agosto, a avenida paralela ao rio principal da cidade se enche de mais de 500 participantes, que andam 2,4 km com suas silletas —mochilas de madeira capazes de aguentar quilos e quilos de flores— nas costas.

A tradição é resquício dos tempos coloniais, quando indígenas e camponeses desciam as montanhas a pé até o vale carregando as flores nas silletas. Em 1957, a prática virou festa com a primeira edição da Feira das Flores.

E que festa. É possível acompanhar o desfile gratuitamente, do meio-fio, sem muita estrutura —além das próprias pernas. O ingresso pago oferece mais conforto, com arquibancada coberta, e pode ser uma boa para os baladeiros de plantão. O refil de aguardiente, rum, brindes e quitutes é constante.

A Folha esteve na última edição da festa, em agosto passado. Na área VIP, paga, o DJ tentava animar a plateia com nomes de países entre sucessos de reggaeton. Puerto Rico e México geraram frisson. O Brasil sequer foi mencionado.

O desfile, porém, está longe de ser armadilha para turistas. Os amigos Carlos Sanchez, 65, e Patricia Bustomante, 59, ambos de Medellín, batem ponto no evento todo ano.

"Adoro ver as silletas, as cores, o sacrifício dos silleteros para carregar tanto peso", diz Patricia.

Chegar ao desfile é um processo. A famosa frase sobre os silleteros lá do início do texto foi proferida, pela primeira vez, dias antes do grande momento, por don Jose Angel, um dos silleteros que também desfilou neste ano.

Silletero com silleta tradicional de flores tira chapéu e sorri para foto entre flores na fazenda
Don Jose Angel em sua finca, em Santa Elena, nos arredores de Medellín - Bárbara Blum/Folhapress

Ele recebeu uma horda de turistas em sua finca em Santa Elena, e montou uma pequena silleta ao vivo, enquanto contou sobre o ofício e a tradição de desfilar.

Esse, sim, é um passeio bem turístico, mas nem por isso dispensável.

A variedade de flores da plantação, por onde visitantes podem passear, impressiona. Ver os apetrechos tradicionais, obrigatórios no desfile, também. Chapéu, calça, camisa, alpargata, lenços, avental e, mais importante, a bolsa de couro.

Durante a breve apresentação de don Jose, dá até para filar uma arepa com queijo e chocolate quente.

Ele não foi um dos finalistas da edição de 2022, mas desfilou de cabeça erguida —ao menos tão erguida quanto os 90 kg da silleta monumental que carregava lhe permitiram.

O desfile é separado em categorias de silletas: as artísticas; as monumentais; as patrocinadas; as tradicionais, que emulam as carregadas pelos camponeses; e as emblemáticas, que contêm mensagens políticas. Desfilam também as crianças, separadas nas modalidades infantil e júnior.

Silletero na Feira das Flores - Bárbara Blum/Folhapress

O clima muda quando os silleteros começam a passar. A plateia já está aquecida pelo misto de bebedeira, reggaeton e expectativa. Quando entram os primeiros participantes, jorram elogios e mensagens de incentivo. Muitos silleteros precisam de ajuda para completar a jornada —questão de honra, já que a função só pode ser passada de pais para filhos.

A atmosfera coloca as emoções à flor da pele. Crianças e idosos arrancam ternura da plateia. Os arranjos deixam um cheiro doce por onde passam. Para coroar, as mensagens políticas arrancam lágrimas.

"Obrigado aos nossos heróis", dizia uma silleta com um helicóptero e uma bandeira da Colômbia. "E você? Com qual contribui?", dizia outra, com crianças brincando de um lado e pessoas armadas do outro. "Na minha casa faltam eles. E na sua?", dizia uma terceira, com rostos de dois homens atrás de uma mesa com uma pessoa chorando.

Silleta redonda com dois rostos feitos com flores, vistos atrás de uma mesa, com um homem chorando, e os dizeres "Na minha casa faltam eles. E na sua?"
Mensagens referentes a violência e ao processo de paz na Colômbia imperaram no desfile de silletas emblemáticas - Bárbara Blum/Folhapress

Medellín foi transformada, mas suas feridas ainda estão abertas. Há menos de 40 anos, liderou rankings de cidades mais perigosas do mundo com folga e foi morada de ninguém menos que Pablo Escobar.

O povo se lembra. Em uma loja de souvenirs em Pueblito Paisa, povoado artificial ultraturístico que emula uma cidade colonial antioquenha, visitantes que buscavam por lembranças de "Pablito" tomaram um sermão da atendente, Marta. "Não vendemos nada dele aqui. Vocês jovens não se lembram da quantidade de maldades que ele fez."

É mais fácil achar homenagens aos motores de transformação de Medellín. O sistema de transporte público, principalmente os metrôs e metrocables (tipo de bondinho), estampa até as chivas, ônibus festivos tradicionais que desfilam dias antes dos silleteros.

A cidade tenta —e consegue— se consolidar como laboratório bem-sucedido de urbanismo social, e até fatura passeios turísticos em cima das melhorias.

É o caso das escadas rolantes que conectam os morros da Comuna 13. O distrito pobre foi palco de um massacre em 2002, consequência da operação Orión, intervenção militar que tentou expulsar a guerrilha que comandava a área.

Depois do trauma, o local ganhou as escadas, forma de agilizar o acesso dos moradores, e se tornou berço de tours de arte urbana, com grafite, break dance, rap. Os murais coloridos dividem espaço com furos de bala, herança da intervenção, sempre apontados pelos guias, que esmiúçam o significado de cada pintura.

Na saída, se ainda houver estômago é possível experimentar o bom sorvete da Doña Alba. Opte pelos sabores diferentes, como mangobiche, de manga verde, com limão espremido e sal, ou aguacate, de abacate.

A comida colombiana, cada vez mais presente na rotina dos paulistanos, graças ao aumento da imigração, causa boa impressão.

É bem centrada no feijão e no abacate, um dos itens fortes de exportação junto do famoso café. A fruta compõe a bandeja paisa, tipo de pê-efe típico da região, com frijoles, chicharrón (tira longuíssima de torresmo), arroz, banana e variações de carne vermelha.

Quem preferir degustar o verdinho em versão mais cool pode visitar o Lavocaderia, restaurante no descolado bairro El Poblado. Lá, o abacate está em todos os pratos. Não saia sem provar o aguaburguer, hambúrguer servido, sem pão, entre duas metades da fruta.

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