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Luiz Felipe Pondé

Bancos e cartões dão cara de churrasco na laje às salas VIP dos aeroportos

Marketing usa termos como 'premium' e 'diamante' para fazer com que maior parte do público se sinta excluída

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São Paulo

O marketing de luxo é, sabe-se, uma das áreas mais ingratas dessa infeliz disciplina de comunicação social aplicada que é o marketing. E por quê? Porque tendo como objetivo bombar vendas percorrendo as finas fronteiras do desejo humano, ao mesmo tempo em que o estabelece tal como é, o marketing encontra no luxo um produto um tanto intratável.

Lounge VIP no aeroporto de Guarulhos
Lounge VIP no aeroporto de Guarulhos - Divulgação

Não há como aumentar as vendas de qualquer que seja o produto sem torná-lo acessível. Isso funciona para quase absolutamente tudo. Nesse processo, o inevitável é tornar a propaganda cada vez mais um show para idiotas candidatos a felizes.

Com o luxo a coisa não funciona tão bem assim. Uma das provas cabais é começar a usar termos como "premium", "diamante", "ouro plus" ou qualquer sinônimo que, no fundo, significa alguma cifra que te faz, por exemplo, entrar primeiro no avião e, assim, ter mais espaço para colocar suas três malas de mão nos bagageiros acima –quem entrar por último fica com o resto do espaço e acaba tendo de despachar suas três malas de mão. Quando se usa a expressão "premium" é porque o luxo já é menos luxo.

Uma das promessas do marketing de comportamento no século 21 é fazer você se sentir especial e exclusivo. A necessidade da promessa é óbvia porque vivemos num mundo que se torna uma Disney brega a passos largos. Mas lembremos que a natureza essencial do luxo é fazer quem está fora dele se sentir excluído, alguém "menor" na cadeia alimentar.

Aqui reside a contradição estrutural do marketing do luxo: ao mesmo tempo que precisa incluir consumidores para a sustentação dos negócios, precisa manter uma franja enorme de excluídos que atestam a exclusividade de "quem é de luxo". Noutras palavras, trata-se de garantir que a maioria das pessoas fiquem fora da sala VIP.

Nesse sentido, o mercado de viagens, turismo e aviação é um território onde a vocação do capitalismo ao churrasco na laje fica cada vez mais claro.

Há que se tornar acessíveis certos produtos ou espaços "premium", se não o cliente não fica feliz porque é obrigado a se sentir um cidadão de segunda classe ou ficar a perambular pelos espaços concentracionários dos aeroportos –esse lugar que, como diz um amigo da área de marketing, com toda propriedade de quem entende do assunto, em breve será um dos piores para você ser fotografado porque viajar será um signo de que você não é dono da sua vida.

Hoje, a estratégia das empresas desse mercado para ampliar vendas é criar infinitas diferenciações internas ao que antes era o produto de luxo, reduzindo o caráter de luxo em si.

Por exemplo, as salas VIP, espaços que antes eram acessíveis unicamente a quem viajava de classe executiva ou primeira classe —esta já inexistente em muitas companhias áreas pelo mundo—, hoje, estão abertas a certas "cores" do seu cartão de crédito.

O fator essencial que sempre tornou um produto de luxo ser o que ele é é a completa inacessibilidade aos meros mortais. O luxo, por definição, não é democrático, mas o mercado tem uma vocação incontrolável a sê-lo, porque assim aumenta as vendas e fideliza clientes que ficam felizes em se sentir alçados a uma categoria pretensamente de gente chique.

Por incrível que possa parecer aos desavisados, o mercado de luxo se bate com a vocação do capitalismo a transformar o mundo num churrasco na laje. A questão é como garantir espaços nessa laje em que a maioria não possa entrar.

Um dos fatores a transformar as salas VIP dos aeroportos em churrasco na laje são os bancos e cartões de crédito a dar acesso aos portadores destes cartões aos espaços que antes eram exclusivos da business e da primeira classe. O resultado é que, muitas vezes, acaba sendo menos invasivo, simplesmente, vagar pelo aeroporto.

Esta é uma condição estrutural do mercado. Não há saída. A laje é o futuro do mundo. Mesmo que nessa laje exista um espaço fluido, como tudo hoje em dia, chamado "premium diamante".

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