Carnaval raiz de Aruba preserva festa que o Brasil vem perdendo

Não há sambódromo, e passistas saem da formação para abraçar amigos na rua

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Aruba

Aruba, aquela ilha no Caribe, é tudo o que dizem. Só de pisar na areia branquinha do lugar, olhando o mar azul Hollywood, vem a sensação de que você enricou. Sobra luxo. No setor hoteleiro, é um desfile de marcas. Hytt, Barceló, Hilton, Renaissance, com cassinos. Há lojas Prada, Gucci e Louis Vuitton, só para citar as mais conhecidas.

Talvez seja o choque de opostos que deixe o gringo com cara de espanto quando cruza a área da capital Oranjestad dedicada aos desfiles do Carnaval local. É um Carnaval tão raiz e popular que até nós, brasileiros, esquecemos como é isso.

Homem negro usa máscara e fantasia rosa com penas adornando sua cabeça no Carnaval de Aruba
Fantasia com lâmpadas no Carnaval em Aruba - Alexa Salomão/Folhapress

Em Aruba, não existem bloquinhos de rua ou sambódromos com ingresso caríssimo. É zero muvuca. Não tem cheiro de xixi ou lixo etílico. Ninguém usa fantasia. Todos, no entanto, se divertem com inesperado despojamento.

O cidadão local sai de casa para ver desfiles. Leva a sua cadeirinha portátil e um cooler abastecido. Vão pai, mãe, tios, avós e a criançada toda. Se for dia, alguns agregam o guarda-sol ao combo. Como aqui, os termômetros emplacam fácil 30 graus, mas o sol sapeca bem mais rápido.

A maioria se acomoda na calçada, atrás de faixas de isolamento —quando há isolamento. Não existe aquela grade hostil para gado que se tornou comum nos carnavais brasileiros.

Muitos levam caixas de som e ligam no máximo antes de o desfile começar. A cada trecho da plateia é uma batida caribenha diferente. Basicamente, o Carnaval é embalado por tumba, soca monarca e calypso, e uma de suas variantes, o road march.

Como o nosso samba, a origem é afro. Apesar de terem tambores tradicionais, também usam o steelpan, tambor de aço com som de xilofone.

O professor e pesquisador do Instituto Pedagógico Arubano, Gregory Richardson, tem tese de doutorado sobre o Carnaval local e detalha a construção desses gêneros musicais. Na sua avaliação, são formas de subversão e resistência cultural dos ex-escravos.

Para os ouvidos toscos, é tudo igual, mas cada som tem uma batida particular. O músico Richard Tattoo Quanti se orgulha de ser atualmente o único interprete capaz de cantar os três gêneros.

Definir o ritmo aqui por escrito é difícil, mas mentalize o som da banda paraense Calypso, misture os baianos Axé e Olodum, jogue ao fundo a batida fina do steelpan. É por aí.

Vai ser impossível entender a letra. Os grupos cantam em papiamento, idioma nascido e criado na região, com statu de língua oficial em Aruba. Ela é uma miscigenação oral.

Carnaval em Aruba
Desfila com luzes é atração na noite de sábado do pré-Carnaval de Aruba, ilha no Caribe - Jonathan Petit/Divulgação

Lá atrás, os escravos adotaram uma língua crioula, que juntava português e espanhol do colonizador. Desde 1636, Aruba faz parte do reino dos Países Baixos, vulgo Holanda, e o holandês é ensinado nas escolas. Como vive do turismo, o arubano fala inglês. O papiamento mistura essas falas.

Nos desfiles, todo mundo leva um copinho. No caso dos infantis, é hidratação mesmo, com água e sucos. O conteúdo para adultos é um mistério. Pode ter qualquer birita. Os blocos têm a ala do open bar. Os mais abastados chegam a ter três carros para bares. Muitos empurram as bebidas em carrinho de mão no meio da avenida.

Os passistas vão no remelexo até o balcão e reabastecem o copo enquanto evoluem na avenida. São cenas impagáveis.

Apesar de haver competição nos desfiles, os critérios são bem mais soltos que os do nosso Carnaval. É quase norma que os passistas abandonem a formação para abraçar familiares e amigos que assistem a parada. É confraternização em estado puro.

Não há apelo à sensualidade, com bundas e peitos turbinados. Desfilam pessoas de todas as idades e tipo físicos.

No sábado de pré-Carnaval ocorre a Lightning Parade, ou Desfile de Luzes. Carros e fantasias piscam ao longo dos cinco quilômetros de avenida. Cada fantasia tem uma mini bateria que dura até cinco horas. A audiência acompanha. Usa copos, pulseirinhas, chapéus, qualquer coisa luminosa. Alguns se enrolam nas luzinhas.

É um espetáculo popular à parte e bem diferente do que se vê por aqui.

O nativo de Aruba fala com entusiasmo que o seu Carnaval é igual ao do Brasil, só que menor. A escala é incomparável. O Brasil tem 200 milhões de habitantes, Aruba, 107 mil.

Homenagem à Amazônia no desfile infantil em San Nicolás, Aruba; paradas na ilha do Caribe se equiparam às produções brasileiras - Alexa Salomão/Folhapress

Vamos ser justos. Mesmo com todas as diferenças, há similaridades. As indumentárias e os carros alegóricos dos desfiles são iguais. Tanto é assim que não é possível identificar se um passista é de Aruba ou do Brasil nas fotos oficiais da ilha.

A grande semelhança, no entanto, é a alma carnavalesca.

A dedicação, o amor e o orgulho em colocar o bloco na rua não devem nada aos sentimentos que movem escolas cariocas, artesãos de Olinda ou oficinas de Salvador. A família Oderber e Flemming é um exemplo disso.

Seguindo a tradição de três gerações, passou janeiro trabalhando na construção de um carro alegórico para a parada infantil. A produção ocorreu em casa e custou US$ 15 mil, quase R$ 75 mil. Metade veio de contribuições, mas a outra metade, do orçamento familiar. Gilliany Oduber, que trabalha com vendas e marketing do hotel Ritz-Carlton, conta com um sorriso largo que vale a pena manter a tradição e ver os filhos Brayden e Melía no desfile.

O Carnaval de Aruba completou 70 anos neste 2024. A ATA (Autoridade do Turismo de Aruba) reforçou o trabalho para integrar a folia ao turismo. A vantagem é que a festa é mais longa. Começa logo após o Dia de Reis, em 6 de janeiro, e segue até Terça-feira Gorda.

Para quem não abre mão do Carnaval no Brasil, vale explorar essa pré-folia esticado. Por ter dias e locais específicos, será sempre um adicional, que não se confunde com a rotina de outras atrações caribenhas.

O Fakkel Optocht ou o Desfile de Tochas abre a temporada. A agenda segue com festas semanais, por um, dois ou três meses. O calendário muda anualmente por ser ajustado às comemorações da Semana Santa.

Os desfiles também ocorrem em San Nicolás, bairro que recebeu a maioria dos africanos e é considerado o berço do Carnaval.

Nas duas semanas que antecedem a folia, também tem, ao anoitecer, a Sunset Parade, em Noord, perto da zona hoteleira de Palm Beach. Os organizados explicam que o desfile é menos exuberante, mas não importa. O turista pira fazendo selfie com o por do sol que parece pintado a mão.

Também tem J’ouvert Morning, Festa do Pijama. Nesse caso, começa de madrugada, e a brincadeira é ver o sol nascer. Para encerrar os festejos, a ilha faz, após o grande desfile de encerramento, a queima simbólica do Rei Momo. É a cinza do fim para que haja o próximo Carnaval brilhe.

Mulher com maiô vermelho desfila com capa cheia de luzes
Desfiles do Carnaval em Aruba recebem foliões de todas as idades - Alexa Salomão/Folhapress

ILHA NO DETALHE

Aruba está localizada a 25 km da costa da América do Sul e fora do cinturão de furacões. Oferece 360 dias de sol com temperatura média de 28 graus. O clima lembra o agreste nordestino. O cactos é uma planta corriqueira na paisagem.

As praias têm águas transparentes que, de longe, produzem aquela visão de azul profundo, a marca dessa ilha caribenha.

Em 2023, Eagle Beach foi apontada pelo Travellers’ Choice do Tripadvisor a melhor praia do Caribe e a segunda do mundo, depois de Baía do Sancho, em Fernando de Noronha.

Baby Beach e Arashi também entraram no ranking de praias do Caribe nas posições #19 e #23, respectivamente.

Cerca de 20% da ilha pertence ao Parque Nacional Arikok, uma área protegida com fauna e flora desértica, cavernas com pinturas rupestres e praias muito diferentes das encontradas na zona hoteleira.

Não faltam opções esportivas. É possível andar de buggy, jet sky, fazer kite surfing e passear de barco. A culinária local é rica, as opções de drinks, diversificadas e saborosas. Há hotéis e vilas premiados.

Aruba importa quase tudo, inclusive os saborosos camarões gigantes que estão em pratos de vários restaurantes. As estrelas da produção local são os sabonetes, xampus, cremes e outros cosméticos a base de aloe vera, cultivada e processada quase artesanalmente, e as cervejas Balashi, feitas com água do mar dessalinizada.

Apesar de a moeda local ser o florin arubano, até cardápio de hamburgueria está em dólar americano.

O turista tem opções de voos diários para Aruba operados pela Avianca (via Panamá), Copa Airlines (por Bogotá) e Latam (Lima).

Aqui vale um spoiler ambiental. Os famosos flamingos rosas ficam em praia privada. É preciso pagar para vê-los. Como não são naturais da ilha, suas asas são podadas para que não possam voar. Por sua vez, diferentes espécies de tartarugas frequentam Aruba para se reproduzirem livremente.

A jornalista viajou a convite da Autoridade Turismo de Aruba

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