Comitê do Nobel da Paz exige libertação de Liu Xiaobo e diz que China é ditadura
Durante a entrega simbólica do Prêmio Nobel da Paz ao ativista chinês Liu Xiaobo, o presidente do comitê da premiação, Thorbjoern Jagland, lamentou sua ausência e após classificar a China como uma ditadura, defendeu a inocência do dissidente e exigiu que o regime comunista o liberte.
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Ativista cumpre pena por manifesto democrata; leia perfil
Jagland relembrou outros casos em que um premiado não pôde comparecer à cerimônia e reiterou que o objetivo do comitê nunca foi ofender ninguém e sim promover a democracia.
Heiko Junge/Reuters | ||
Presidente do Comitê do Nobel da Paz aparece ao lado da cadeira vazia que representa o dissidente Liu Xiaobo |
Ao mencionar o nome oficial da China, no entanto, Jagland substituiu a palavra "república" por "ditadura" ao se referir ao país como "Ditadura Democrática do Povo da China".
Horas antes da cerimônia na Noruega, na China o governo censurou as palavras "cadeira vazia" e "Oslo" na internet e prendeu pelo menos 20 ativistas protestavam a favor de Liu.
A mulher do ativista, Liu Xia, assim como seus familiares mais próximos, foram impedidos de deixar o país para comparecerem à cerimônia em Oslo e muitos foram colocados em prisão domiciliar.
A grande maioria da população chinesa também não pôde assistir à cerimônia pela TV. A chancelaria condenou a premiação, classificando-a de "teatro político". Mais cedo, o governo chinês já havia reforçado a condenação à cerimônia, classificando-a de "farsa do Ocidente".
Odd Andersen/AFP |
A congressista americana Nancy Pelosi chega à cerimônia de entrega do Nobel da Paz em Oslo, representando os EUA |
"Nós resolutamente nos opomos a qualquer país ou qualquer pessoa usando o Prêmio Nobel da Paz para interferir com os assuntos internos da China ou infringir sobre a soberania chinesa", disse a porta-voz do ministério, Jiang Yu, em comunicado no site da instituição.
A cerimônia de entrega simbólica do prêmio em Oslo (Noruega), que é transmitida ao vivo pelos canais de notícias internacionais, foi censurada na China. Como esperado, a transmissão de canais estrangeiros como BBC, CNN ou TV5 foi interrompida no momento que começou a cerimônia.
Apesar da condenação de grande parte da comunidade internacional às violações de direitos humanos na China, 18 países deixaram de comparecer à cerimônia do Nobel da Paz em apoio a Pequim.
O Brasil confirmou presença mas o Itamaraty não emitiu reação oficial saudando a premiação. Brasília preocupa-se em não abalar as relações com a China, seu principal parceiro comercial.
Em oito anos de governo Lula, foi a quarta vez que o Nobel da Paz não provocou uma reação oficial do Itamaraty.
Em comunicado, o presidente americano Barack Obama, vencedor do Nobel da Paz de 2009, disse que Liu merecia o prêmio mais do que ele.
O presidente acrescentou que Liu "nos recorda que a dignidade humana também depende do avanço da democracia, da sociedade aberta e do império da lei"'.
"Os valores que defende são universais, sua luta é pacífica e ele deveria ser libertado o quanto antes possível", disse Obama.
Gabriel Bouys/AFP |
Protestos de dissidentes foram registrados na semana passada em frente ao Consulado da China em Los Angeles |
CRÍTICAS
"Nós lamentamos que o premiado não esteja aqui hoje. Ele está em isolamento numa prisão no nordeste da China e tampouco pôde sua mulher Liu Xia ou seus parentes mais próximos estarem aqui conosco. Nenhuma medalha ou diploma portanto serão entregues hoje. Isso por si só mostra o quanto este prêmio foi necessário e apropriado", afirmou.
"Felicitamos Liu Xiaobo pelo Prêmio Nobel da Paz 2010", disse o presidente, seguido de mais de um minuto de aplausos de pé de todas as autoridades presentes, incluindo os reis da Noruega.
Em outro momento do discurso, ao exigir que Liu seja solto, Jagland recebeu aplausos de pé. "Liu Xiaobo não fez nada de errado e precisa ser libertado", afirmou.
Imagens de televisão mostravam a cadeira vazia com o diploma do prêmio, simbolizando o dissidente impedido de comparecer.
CARTA DE LIU
Ainda durante a cerimônia a atriz e ativista Liv Ullmann leu uma carta escrita pelo dissidente chinês lida por ele durante seu julgamento em 1999, quando teve decretada sua sentença de 11 anos de prisão.
Em seu texto Liu diz que apesar de não concordar com os veredictos e decisões tomadas durante seu interrogatório, não mantém sentimentos de ódio ou revolta contra os policiais e juízes que participaram do caso.
"O ódio pode apodrecer a inteligência e a consciência de uma pessoa. A mentalidade inimiga pode envenenar o espírito de uma nação, incitar lutas mortais e crueis, destruir a humanidade e a tolerância de uma sociedade, e impedir o progresso de uma nação em direção à liberdade e democracia", diz o comunicado.
Ainda sobre as acusações que enfrentava na época, Liu reiterou sua inocência.
"Não há nada de criminoso em qualquer coisa que eu tenha feito. [Mas] se as acusações contra mim são por causa disso, eu não tenho reclamações", afirmou.
A mensagem lida por Liv Ullmann fez também referências emocionantes à mulher do dissidente, Liu Xia, impedida de comparecer ao julgamento em 1999 e também à cerimônia de entrega do Nobel da Paz nesta sexta-feira.
HISTÓRICO DE ATIVISMO
Liu Xiaobo, o mais proeminente dissidente chinês foi condenado a 11 anos de prisão em dezembro passado sob a acusação de subversão, por fazer campanha em prol de liberdades políticas.
Reuters |
Liu Xiaobo foi condenado a 11 anos de prisão; o dissidente é considerado o ativista político mais proeminente da China |
A sentença foi criticada pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por grupos de direitos humanos.
Liu está entre os mais combativos críticos do regime unipartidário chinês. Ele incomoda o governo desde 1989, quando aderiu a uma greve de fome estudantil dias antes da repressão militar ao movimento pró-democracia na Praça da Paz Celestial.
"Usar a lei para promover os direitos pode ter um impacto apenas limitado quando o Judiciário não é independente", disse ele à Reuters em 2006, por exemplo, quando estava sob outro período de prisão domiciliar.
Há dois anos, ele foi um dos organizadores do manifesto chamado Carta 08, em que intelectuais e ativistas pediam reformas abrangentes na China, inspirando-se na Carta 77, um marco do movimento pró-democracia na Tchecoslováquia na década de 1970.
Os tribunais chineses, controlados pelo Partido Comunista, raramente absolvem réus, especialmente em casos de cunho político.
No veredicto do ano passado, ao qual Liu não teve o direito de responder, os juízes disseram que os escritos dele "tinham o objetivo de subverter a ditadura democrática popular do nosso país e o sistema socialista". "Os efeitos foram malignos, e ele é um grande criminoso."
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