Descrição de chapéu Folha ESG mudança climática

5G é esperança ambiental de quem vende internet

Sustentabilidade se alia ao bolso de grandes empresas das telecomunicações, que enfrentam alta nos preços de energia

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Barcelona

O verde encontrou espaço para crescer entre as maiores empresas de telecomunicações do mundo. Nas discussões, o 5G aparece como potencial aliado climático.

Além de prometer maiores velocidades e qualidade na conexão, a quinta geração da telefonia vem com expectativa de ser menos poluente. A previsão da GSMA, entidade que congrega as teles, é que a modalidade saia dos atuais 12% das conexões globais para 54% em 2030.

"É a primeira tecnologia sem fio em que a eficiência energética foi considerada durante a criação dos padrões de indústria", diz relatório da organização.

O discurso verde atende também os interesses do setor: uma maior adoção da tecnologia é providencial para o bolso de quem a vende.

Mãos seguram celular perto de uma planta
Visitante testa câmera de celular do Google no Mobile World Congress, em Barcelona - Meng Dingbo - 2.mar.2023/Xinhua

Uma das principais questões é energia. A alta nos preços de eletricidade fez crescer a preocupação com eficiência, já que representa de 20% a 40% dos custos com operações para empresas do setor.

"Trabalho nessa área há 50 anos e ninguém falava do custo de energia. Correspondia a 1% ou 2% da receita e era sempre isso. De repente, vimos essa alta. Nossos custos anuais foram de 1,2 bi de coroas suecas (R$ 600 mi) para mais de 2 bi (R$ 1 bi)", conta Alisson Kirkby, CEO da Telia, telecom sueco-finlandesa.

Cerca de 90% dessas despesas vêm da manutenção da rede de telefonia e o restante de outras partes da operação, como escritórios. Os dados são de relatório publicado no começo de março pela GSMA.

"Antes dessa crise [com pandemia de Covid-19 e Guerra da Ucrânia], eu não havia me dado conta do quanto as empresas de telecomunicações consomem energia. Não podemos apagar as luzes, levar as fábricas para outros lugares. Precisamos trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana", disse Margherita Della Valle, CEO do grupo Vodafone, uma das maiores operadoras do mundo, no Mobile World Congress (MWC), tradicional congresso focado no setor de telecomunicações.

No evento, que aconteceu de 27 de fevereiro a 2 de março, em Barcelona, a sustentabilidade foi destaque entre as palestras. O tema esteve em 36 das 158 sessões presenciais (23%) do evento, que incluem debates e palestras.

Nos estandes, as plantas foram o preto básico da decoração e dividiram espaço com apetrechos tecnológicos físicos, como braços robóticos e carro voador, e virtuais, como metaverso e demonstrações de serviços de inteligência artificial.

Um dos pontos apontados como positivos no 5G é a maior capacidade de tráfego de dados pela rede. A estimativa é de que uma mesma quantidade passando pela rede 5G necessite de 90% menos energia do que no 4G. O problema aí é que as informações transferidas devem triplicar até 2028. Ou seja, o consumo de eletricidade cai de um lado, mas aumenta do outro.

Parte dessa eficiência se deve a uma maior digitalização dos serviços, com soluções para deixá-los mais inteligentes.

Freddie Södergren, chefe de tecnologia e estratégia da Ericsson, que junto com Nokia e Huawei é uma principais fornecedoras de infraestrutura de telefonia do mundo, afirma que a modernização é uma forma de garantir essa eficiência maior, ao mesmo tempo que leva um serviço melhor para o usuário.

"Podemos fazer um modelo de tráfego para prever não só a capacidade das redes, mas também como vai ser a experiência de quem está conectado. Com isso, podemos, por exemplo, desligar capacidades, aplicativos, bandas de conexão, sem impactar quem está usando", diz Södergren. Em miúdos, é deixar parte dos equipamentos "dormindo" para poupar energia.

Carlos Lauria, executivo de relações governamentais da Huawei, cita também melhorias na arquitetura dos equipamentos em relação a gerações anteriores.

"Em uma estação rádio base [que faz as conexões de telefonia] de alguns anos atrás, você vai ver uma torre muito grande e feia. Embaixo, um contêiner com equipamentos e muitas vezes um outro ao lado com ar-condicionado para refrigerar aquilo tudo", diz Lauria. "Os mais novos são pequenos e, por isso, consomem menos energia e produzem menos calor."

Além das iniciativas pela contenção de custos, o estudo da GSMA destaca compromissos de empresas de telecom que, juntas, somam 39% das conexões de celulares do mundo por neutralidade de carbono (o chamado "net zero") em emissões próprias e de terceiros até 2050 ou antes. Elenca também esforços da indústria para adotar energia renovável (24% da consumida pelo setor em 2022).

Outra forma de olhar para esses números é dizer que 61% das conexões são feitas por empresas não formalmente comprometidas com os objetivos considerados audaciosos, mas necessários. Ou então que 76% do consumo energético de telecomunicações vêm de fontes não renováveis.

O próprio relatório aponta como insuficiente a evolução na questão energética, que foi de 14% renovável em 2020, para 18% em 2021 até chegar no patamar atual. "Extrapolando para frente, significaria que seriam necessários mais cinco anos para chegarem a 50% do consumo e 15 anos (perto de 2040) para os 100%", diz o texto.

Há ainda uma discrepância regional e a própria Vodafone, por ter atuação em diferentes continentes, pode servir de exemplo. Segundo Della Valle, enquanto a energia consumida pela operação é 100% renovável na Europa desde 2021, a situação em países africanos é desafiadora.

"O acesso às fontes renováveis é mais difícil. Tivemos que fazer um acordo com o governo do Egito, por exemplo, para conectar fornecedores independentes à malha energética", diz a executiva.

No geral, aponta o estudo da GSMA, 83% da energia consumida pelas teles na Europa são renováveis, ante 1% na África subsaariana e 23% na região que compreende o norte do continente e o Oriente Médio. Na América Latina, onde há a maior oferta, a taxa fica em 34%.

O texto indica que resistência política, com economias dependentes de petróleo, ajuda a travar a adoção em alguns países.

Há de se ter algum cuidado com esses números. Ainda no exemplo da Vodafone, relatório do instituto NewClimate destaca positivamente o compromisso ambiental da empresa em relação a outras grandes companhias, mas critica suas afirmações ao vender planos de celular como sendo neutros climaticamente.

Para os pesquisadores, falta transparência nas práticas da empresa para compensação de carbono (reduzir emissões em um lugar para balancear outro), o que impede uma verificação independente. Outra questão é lidar com emissões de terceiros, como fornecedores.

O texto aponta que parte da eletricidade classificada como limpa vem, na verdade, dos chamados "certificados de energia renovável". Nesses casos, a conexão é feita com a rede energética local, poluente ou não, mas são comprados também os tais certificados em outras localizações que têm energia renovável.

"Podem vir de hidrelétricas com décadas de existência, que não contribuem para uma transição energética, ou de parques eólicos que produziram a eletricidade em outro lugar ou em outro momento no tempo", diz o relatório.

O setor de telefonia aponta também uma série de desafios para um futuro mais verde, como aposentar equipamentos de redes mais antigas, 2G e 3G. "Precisamos atuar com governos para desligar coisas que não precisamos", disse Joanna Newman, gerente de soluções de tecnologia da Vodafone.

Além disso, os celulares em si trazem dificuldades. No ano passado, uma iniciativa que visa esticar a vida útil dos telefones para tentar reduzir seu impacto ambiental. A estimativa da GSMA é que se, na média, os aparelhos durassem um ano a mais, isso seria equivalente a tirar 4,7 milhões de carros das ruas.

O jornalista viajou a convite da Huawei.

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