Contato com a natureza é um antidepressivo, diz psicólogo que estuda banho de floresta

Marco Aurélio Carvalho, diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia, pesquisa terapia empregada no serviço de saúde pública do Japão

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Cristiane Fontes
Oxford

Ainda pouco conhecido do outro lado do planeta, o banho de floresta ("shinrin-yoku") é uma terapia que foi introduzida no serviço de saúde pública do Japão desde a década de 1980. No Brasil, o psicólogo Marco Aurélio Carvalho, diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia, foi o guia do primeiro banho de floresta realizado no país.

Em 2021, o instituto firmou um convênio com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para pesquisar o papel dessa terapia em biomas como a mata atlântica e a floresta amazônica.

A prática é simples —caminhar em meio à natureza e contemplá-la—, mas os benefícios se mostram grandes em estudos das últimas quatro décadas.

Árvore de grande porte vista de baixo para cima
Jatobá em área da floresta amazônica em Altamira, no Pará; bioma é um dos estudados por psicólogos para entender benefícios da natureza à saúde - Lalo de Almeida - 26.ago.2019/Folhapress

"Quanto mais o tempo passa, mais vai ficando claro que a natureza, a floresta, mesmo que uma só árvore, já provoca um efeito restaurador muito importante no organismo", diz Carvalho.

"Uma pesquisa da Universidade Stanford revelou que as árvores têm efeitos sobre o nosso cérebro, inclusive em regiões associadas à depressão. Ou seja, o contato com árvores é um antidepressivo", destaca.

O psicólogo faz parte também da Rede Saúde e Natureza Brasil, que elaborou um manifesto para que o poder público reconheça a correlação entre essas duas áreas e gere políticas públicas para promovê-las. Para Carvalho, o SUS (Sistema Único de Saúde) deveria adotar, assim como fez o Japão, o banho de floresta entre as suas terapias.

Retrato de homem em uma área com árvores ao fundo
Marco Aurélio Bilibio Carvalho Psicólogo clínico, diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia, que estuda os benefícios de 'banhos' de floresta - Divulgação

Outra falta nos tempos atuais é a de espaços para que lidemos com a ansiedade gerada pelas mudanças climáticas, a chamada ecoansiedade. Ou, no outro extremo, com a negação dessa realidade.

"Nós percebemos que a informação as pessoas têm, mas a assimilação da informação, não. A informação vai para uma dimensão abaixo da consciência. A gente chama isso de negação ou deflexão", explica.

"E quanto mais essa realidade é negada, mais enfraquecida fica a força política necessária para pressionar as autoridades a fazerem o que têm que fazer", completa.

Para a ecopsicologia, a sabedoria ecológica faz parte da consciência humana. O que isso significa?

Essa é uma constatação quando nós olhamos para a história da nossa espécie e reconhecemos que conseguimos sobreviver face às limitações do nosso próprio corpo a diferentes ambientes, porque soubemos ler a natureza e nos adaptar a ela. Isso é inerente à psique humana.

Como dizia o biólogo Edward Wilson [1929-2021], é uma sensação de afiliação a toda essa teia da vida. Ele chamou de biofilia, ou seja, uma relação positiva, de afeto, inclusive. E é muito claro para nós que vivemos uma carência dessa sabedoria ecológica.

Quais são os benefícios comprovados cientificamente das florestas e das árvores para a saúde humana?

Desde 1980, vêm surgindo pesquisas que revelam o papel positivo do contato com a natureza na manutenção e na restauração da saúde, tanto física quanto psicológica.

Uma famosa pesquisa feita em um hospital na Pensilvânia (EUA) revelou que pacientes que se recuperavam de cirurgias no mesmo andar de um hospital, mas em dois ambulatórios diferentes, tinham recuperações diferentes. Eles tinham menos dor, menos necessidade de analgésicos, quando estavam se recuperando numa das salas com janela para uma floresta, enquanto no outro ambulatório a janela dava para uma parede de tijolos.

O ato de ver a vida nas florestas provoca um efeito no nosso organismo. Pesquisas posteriores foram mostrando, especialmente, que a prática do banho de floresta é uma poderosíssima experiência reconectiva. Foram se revelando outros efeitos, por exemplo, uma ampliação da atividade do sistema nervoso parassimpático, reações de relaxamento, regulação da pressão arterial e dos batimentos cardíacos. O nível de cortisol, um hormônio normalmente associado ao estresse, diminui a partir do contato com as árvores.

Descobrimos também que o sistema imunológico é altamente estimulado pela presença de árvores, chegando a haver um aumento na atividade em mais de 50% das chamadas células k, responsáveis pela destruição de tumores.

E uma pesquisa da Universidade Stanford revelou que as árvores têm efeitos sobre o nosso cérebro, inclusive em regiões associadas à depressão. Ou seja, o contato com árvores é um antidepressivo.

Então, quanto mais o tempo passa, mais vai ficando claro que a natureza, a floresta, mesmo que uma só árvore, já provoca um efeito restaurador muito importante no organismo.

Em 2021, o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia e a Fiocruz assinaram uma parceria para a pesquisa da prática do banho de floresta. Qual o escopo deste acordo?

Em 2021, nós fizemos esse convênio para constatar o que acontece quando se faz uma prática do banho de floresta nos biomas brasileiros.

Nós sabemos o que acontece em biomas estrangeiros, especialmente nas florestas no Japão, mas nos interessa saber como é isso na mata atlântica, na floresta amazônica, no cerrado, no pampa e também em outras manifestações da natureza, como praias, que não são propriamente uma floresta. Enfim, queremos saber como o contato com a natureza brasileira atua na saúde.

O convênio vai além da pesquisa, ele também conta com uma campanha junto a órgãos públicos na área de saúde. Um grupo de pesquisadores e ativistas chamado Rede Saúde e Natureza Brasil elaborou um manifesto para que o poder público reconheça a potência que há entre essas duas áreas e se sinta estimulado pelas evidências científicas a gerar políticas públicas.

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O que pode ser proposto de políticas públicas na área de medicina preventiva? E como funcionaria, no Brasil, onde nem todos têm acesso à natureza nas grandes cidades?

Práticas como banhos de floresta poderiam ser oferecidas pelo SUS, como parte das práticas integrativas e complementares de saúde.

E existe um movimento internacional no sentido do reconhecimento da importância das florestas urbanas, para o cuidado com as que já existem, mas também para a criação de outras florestas dentro das metrópoles e das cidades em geral.

É importante ainda lembrar que, para uma criança, uma pequena floresta é uma grande floresta.

Qual é o seu diagnóstico para a espécie de negação coletiva da sociedade contemporânea em relação à crise climático-ambiental?

Nós vivemos uma situação que tem se agravado nas últimas décadas, mas que tem sido anunciada desde os anos 1970. Apesar das conferências internacionais sobre o clima, apesar de a ciência ter regularmente gerado relatórios que são alertas a respeito do futuro, apesar da mídia, para a maior parte das pessoas, é como se não existisse.

Nós percebemos que a informação as pessoas têm, mas a assimilação da informação, não. A informação vai para uma dimensão abaixo da consciência.

A gente chama isso de negação ou deflexão. E quanto mais essa realidade é negada, mais enfraquecida fica a força política necessária para pressionar as autoridades a fazerem o que têm que fazer.

Como tirar as pessoas desse estado de negação e levá-las à ação?

Basta permitir que as pessoas acessem os sentimentos que elas raramente compartilham com outros. Quando elas olharem para os seus sentimentos sobre milhares de campos de futebol queimados na Amazônia, mudanças climáticas, extinção de espécies, veremos que todo mundo tem ansiedade, tristeza, às vezes, raiva em relação a isso que está acontecendo.

Ocorre que o "business as usual" [o cenário habitual da vida] nos exige uma atenção tão grande às demandas da sobrevivência que são poucas as oportunidades de parar para olhar e conversar francamente sobre a dimensão do que nós estamos vivendo e sentindo sobre tudo isso. Ainda são pouquíssimas as oportunidades de as pessoas pararem para elaborar como elas percebem esse momento civilizacional.

Mas, quando elas param, eu nunca encontrei ninguém em todos estes anos que não tivesse sentimentos muito fortes sobre isso, de insegurança, de medo, de tristeza. Por isso, é tão importante hoje esse trabalho da ecopsicologia.

A ecoansiedade está afetando a vida diária de muitos jovens. Uma pesquisa aponta que 6 em cada 10 se sentem muito preocupados com a crise climática. Como essa questão se expressa nos jovens do Brasil?

No Brasil, a gente tem pouca informação ainda, mas isso é da natureza humana. O que essas pesquisas estão mostrando é uma dinâmica do funcionamento humano, o que ocorre quando o que nós percebemos nós não integramos, não assimilamos. Aquilo que a gente percebe, vamos dizer assim, mas não sabe que percebe, gera ansiedade.

Quando você vai ver uma pessoa muito ansiosa, nem sempre ela está vivendo uma situação de risco imediato. É a sua história, ou traumas, ou um acúmulo de situações mal resolvidas o que vai gerar esse aumento no nível de ansiedade.

Na sua visão, como promover uma transição cultural para novos futuros?

Gosto de pensar em termos de metáfora do que ocorre com uma pessoa em psicoterapia. Na psicoterapia, o que a gente faz é parar para olhar e reconhecer o que sente, reconhecer como as coisas estão. E eu sinto que isso é extremamente importante também no nível coletivo.

A gente precisa sair do ritmo cada vez mais acelerado das nossas vidas, voltar a fazer as coisas dentro do tempo da natureza, com um certo grau de tranquilidade. Anos atrás, havia na Inglaterra um grupo que estava propondo que, pelo menos durante uma hora, as luzes fossem todas apagadas para as pessoas pudessem ver de novo as estrelas.

Acho que é muito importante termos espaços de troca, de partilha, onde a gente possa falar abertamente sobre o que é a vida em sociedade hoje, o que é lidar com esse universo digital, o que está acontecendo com as nossas crianças. São elas as que mais sofrem em relação à falta de espaços verdes.


RAIO-X

Marco Aurélio Bilibio Carvalho, 63

Psicólogo clínico, preside a Sociedade Internacional de Ecopsicologia e dirige o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia. É membro da Associação Brasileira de Gestalt-Terapia e da Associação Junguiana do Brasil. Atua como professor da terapia do banho de floresta. Tem mestrado em psicologia clínica e cultura e doutorado em desenvolvimento sustentável pela UnB (Universidade de Brasília).


ENTENDA A SÉRIE

Planeta em Transe é uma série de reportagens e entrevistas com novos atores e especialistas sobre mudanças climáticas no Brasil e no mundo. Essa cobertura especial acompanhou também as respostas à crise do clima nas eleições de 2022 e na COP27 (conferência da ONU realizada em novembro no Egito). O projeto tem o apoio da Open Society Foundations.

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