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Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Caboclo de volta à CBF é o mesmo que naturalizar violência contra a mulher

Entidade precisa respeitar seu Código de Ética e trazer justiça para um caso que mancha a história do esporte brasileiro

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Está marcada para a próxima quarta, dia 29, a assembleia geral extraordinária da Confederação Brasileira de Futebol, na qual será votada a decisão da Comissão de Ética da entidade, que afastou Rogério Caboclo, presidente, por 21 meses do cargo pela prática de assédio sexual e moral contra uma funcionária.

Pelo estatuto da confederação, é necessário que três quartos dos presidentes de federações —representantes dos 26 estados mais Distrito Federal— votem pela confirmação da decisão. Em outras palavras, significa um quórum de, pelo menos, 21 entre os 27 membros. Em caso de mais de seis integrantes votarem contra a decisão, Caboclo é reintegrado ao cargo.

A pedido da CBF, tive a oportunidade de fazer um parecer sobre o caso com o fim de orientar a avaliação institucional às vésperas do julgamento. Para tanto, foram disponibilizados a íntegra dos procedimentos na comissão, pareceres, depoimentos e transcrições dos áudios dos encontros entre o presidente afastado e a denunciante.

O material é muito impactante. Parte dele foi revelado na mídia e a pergunta final, “você se masturba?”, ganhou as manchetes. Ainda que revoltante, alerto que é necessário destacar que foi apenas a frase final dentro de um contexto muito maior de constrangimento.

Em reportagem do Fantástico na última semana, a denunciante que relatou o primeiro caso à Comissão de Ética concedeu uma entrevista importante, revelando como a situação a adoeceu psiquicamente e que também mostrou a obsessão do presidente afastado em demonstrar seu poder sobre ela.

Poder é uma palavra-chave para entender tanto o caso em particular, como o assédio sexual em geral. No caso em particular, estamos falando da maior entidade nacional de futebol do mundo. É uma grande, senão a maior, paixão do país. O presidente tem a prerrogativa de deliberar e exercer autoridade sobre contratos de TV, patrocinadores, empresários, jogadores e jogadoras de futebol, além de toda a estrutura de milhares de funcionários e prestadores de serviço, inclusive sobre a funcionária, que ele poderia mandar embora, isolar de funções e constrangê-la das mais variadas formas.

Portanto, um homem de poder imenso. Como lembrou Renata Mendonça nesta Folha, “a funcionária da CBF que denunciou o então presidente Rogério Caboclo por assédio com certeza teve mais motivos para calar do que para falar”.

Publicada em 23 de setembro de 2021 - Linoca Souza

Assédio no geral envolve uma relação assimétrica. No Brasil, ainda engatinhando em políticas de equidade de gênero e de raça em ambientes corporativos, dada a construção histórica da sociedade, a grande maioria dos cargos de poder são exercidos por homens brancos, que já são beneficiados como um todo por vivermos em uma sociedade patriarcal. Logo, nesses casos há uma dupla assimetria: ser homem e ser chefe.

É necessário destacar que pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva, em 2021, aponta que 76% das mulheres já sofreram violência e assédio no trabalho, e 92% das pessoas entrevistadas concordam que mulheres sofrem mais situações de constrangimento e assédio no trabalho do que os homens. É uma situação naturalizada —que impõe grandes constrangimentos às mulheres no Brasil.

Na origem da palavra, assédio traz uma ideia de cerco. Então, embora possa ocorrer, não se trata de um evento isolado, uma conduta radical no meio de uma normalidade respeitosa. É de passo em passo, diminuindo a distância, avançando os limites, em um movimento circular que vai afunilando até a vítima estar encurralada.

No caso em particular da entidade futebolística, o cerco começa com boatos que posicionam a mulher perante os subordinados como uma pessoa disponível para relações sexuais. Dali, evolui para tentar colocar uma coleira, como propriedade dele; nessa campanha, usa reiteradas vezes palavras chulas e, mesmo diante da recusa da funcionária em manter a conversa, continua o cerco até encurralar com a humilhação final. “Você se masturba?”

E como era de se esperar, outras denúncias de mulheres contra o presidente afastado estão surgindo. A coragem de uma fortalece a outra que passou por situações semelhantes, mas que se cala diante do medo de descrédito e da retaliação pela ousadia em se afirmar sujeito.

O que nos leva a questionar como os presidentes das federações se posicionarão diante disso. Reintegrá-lo significa passar uma mensagem de naturalização de violências cometidas contra as mulheres, prejudicando o debate posto, enfraquecendo a rede de proteção e de denúncias de casos como esse. Significa atentar contra o Código de Ética da entidade.

Na semana que vem, saberemos como será escrito esse capítulo da maior entidade nacional de futebol do mundo. Esperamos que a assembleia extraordinária aja à altura de sua missão e tome a decisão ética, que traga o mínimo de justiça para um caso que mancha a história presente do esporte brasileiro.

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