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Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Para atletas e público, esporte é mérito e não negócio

Quando se perde a referência entre ascensão e descenso, o esporte vira apenas jogo

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Na condição de produção sociocultural, o esporte é um fenômeno em si, muito embora nele também se manifestem as tantas contradições humanas da atualidade. Por isso fico incomodada quando o vejo ser tratado como ferramenta para qualquer coisa.

Concebido como prática competitiva, é tomado como espelho do modo de produção capitalista no qual prevalece o trabalho repetitivo à exaustão, do que resultaria a perfeição e o mérito. Ou seja, o pódio, lugar destinado a quem melhor produz o gesto técnico, só aceita quem de fato se destaca pelo mérito da vitória no embate com um ou mais adversários.

Metáfora para tantas disputas da vida, o esporte conquistou ao longo dos dois últimos séculos uma massa de fanáticos torcedores, denominados fãs, por razões de ordem objetiva –a vitória. Um jogo bem jogado, uma disputa bem disputada é algo que lava a alma, que emociona, que coloca quem a assiste em estado de suspensão temporária.

Terminado o jogo, tudo volta ao normal: as dores, as carências, a doença e a morte que insistem em nos rodear. E essa é a razão genuína para quem deseja a volta das competições esportivas em tempos de pandemia.

Não bastasse isso, há ainda a vivência e a narrativa heroica dos atletas que tocam o inconsciente pessoal e também coletivo, tão necessárias ao enfrentamento das questões cotidianas. Nunca é demais reforçar que não é o ser humano ordinário que produz esse efeito, e sim aquele que sai da média, que marca uma existência por fazer aquilo que poucos, quase ninguém, é capaz de realizar.

Essa é a razão da apropriação indébita do esporte ao longo do século passado. De uma prática amadora tornou-se profissional pela necessidade de dedicação integral ao aperfeiçoamento do gesto técnico por parte do atleta.

Atentos ao poder de mobilização gerado pelo evento em si, pouco a pouco atletas começaram a ser tratados como mercadoria e negociados em um mercado dominado por instituições em forma de clubes. Não precisou de muito tempo para que inofensivos clubes sociais se tornassem empresas cuja finalidade é gerar lucro para seus investidores. E então a competição mediada pelo imaginário heroico passou a ser um espetáculo gerador de muito dinheiro para poucos investidores.

No meio desse processo, valores caros ao esporte, como a busca pela excelência técnica, perderam importância para os grandes contratos. Ou seja, em modalidades como o futebol um jogador vale quanto pesa o contrato firmado, não necessariamente seu desempenho em campo.

Mediando esse processo estão as bem-sucedidas estratégias de marketing que transformam terra em ouro. É óbvio que não é preciso muito tempo para que a tinta dourada se desgaste, mostrando que logo abaixo daquela fina camada de pó não resta nada mais que barro.

A estrutura do esporte é meritocrática, mérito no sentido estrito. Ou seja, o valor da igualdade na disputa exige equidade. É isso que difere a medalha de ouro da de prata e do bronze. Quando um grupo competitivo perde a referência entre ascensão e descenso, o esporte muda de categoria e passa a ser apenas jogo. O jogo entretém, o jogo educa, o jogo tem função lúdica.

Não há sentido algum em se disputar um campeonato em que as vagas estão garantidas para todos os clubes que competem. Isso significa que ganhar ou perder têm o mesmo valor. Pode ser bom para quem domina o mercado esportivo e vive da performance de quem compete. Para o atleta e para o público, isso pode ser tudo, menos esporte.

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