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É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Trumpismo desinibiu o romance do Partido Republicano com autocratas

Enquanto isso, diplomacia vai deixando de ser política de Estado nos EUA

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Um americano conservador que tivesse entrado em coma no começo deste milênio e despertasse hoje ficaria confuso ao assistir ao seu canal de notícias favorito. O paciente, republicano de carteirinha, teria perdido a consciência no tempo em que o então poderoso vice-presidente Dick Cheney exigia, antes de entrar num quarto de hotel, que a TV já estivesse sintonizada na Fox News de Rupert Murdoch.

O atarantado espectador desconfiaria das drogas que lhe prescreveram ao ouvir o âncora Tucker Carlson, jornalista de estimação da família Murdoch, dizer "Por que ficaríamos do lado da Ucrânia e não da Rússia? Quem possui as reservas de energia?".

O russo Vladimir Putin olha para o então presidente americano Donald Trump em encontro do G20 em Buenos Aires - Marcos Brindicci - 30.nov.18/Reuters

O demagogo Carlson tem exibido segmentos diários em defesa da agressão militar russa, com mentiras patentes sobre a presença da Otan na região. A diferença entre 2014, quando Vladimir Putin anexou a Crimeia sob o nariz de Barack Obama, e 2022, quando ele pode, se quiser, arrancar mais nacos do território da Ucrânia, dá uma medida da radicalização do partido que reivindica crédito por derrotar o autoritarismo comunista sob Ronald Reagan.

Até a emergência de Donald Trump —cultivado por Moscou desde os anos 1980, não como espião, mas como um bufão inescrupuloso e facilmente corruptível—, o folclore político de Washington atribuía aos republicanos o papel de falcões anticomunistas e aos democratas o de pombas esquerdistas da paz.

Dois anos antes de Putin invadir a Ucrânia, Barack Obama foi flagrado por um microfone aberto dizendo ao presidente-poste Dmitri Medvedev que, quando reeleito, em novembro de 2012, teria "mais flexibilidade" para acomodar a Rússia em negociações sobre armas. A gafe do americano ingênuo foi avidamente explorada por republicanos que discordavam de sua política externa e também da cor de sua pele. Medvedev apenas esquentava a cadeira para a volta do czar Vladimir.

Uma visita ao noticiário de março de 2014 mostra republicanos atacando Obama por falta de firmeza após a invasão da Ucrânia. Mas aponta também para o possível sucesso de Moscou em explorar a desonra nas fileiras de conservadores.

Durante a campanha presidencial de 2016, o deputado republicano e hoje trumpista Kevin McCarthy foi ouvido dizendo ao colega e então presidente da Câmara Paul Ryan: "Acredito que Putin paga pelo menos duas pessoas: Rohrabacher e Trump". Dana Rohrabacher, garoto propaganda do Kremlin, deixou o Congresso em 2018. Ryan pediu aos presentes para jurar segredo sobre a conversa, vazada no ano seguinte.

O trumpismo desinibiu os republicanos para escancarar seu romance com autocratas. O ex-assessor de Segurança Nacional de Trump general Michael Flynn, indiciado por mentir sobre contatos secretos com o Kremlin, publicou num site de ultradireita nesta quarta (26) um artigo sobre a Ucrânia que poderia ter sido ditado por Vladimir Putin.

O programa de Tucker Carlson está de volta à Hungria, onde ele gosta de exibir com ardor o encanto pelo premiê antissemita Viktor Orbán.

O âncora é a voz mais poderosa e amplificada do Partido Republicano hoje nos EUA, já que o líder do partido continua banido das redes sociais e reduzido a aparições na mídia de ultradireita. O poder de Carlson, citado como possível candidato presidencial, é maior hoje do que em qualquer momento da Presidência Trump.

A exemplo da vigarice que deformou a diplomacia de Brasília sob Ernesto Araújo, política externa vai deixando de ser política de Estado nos EUA.

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