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Diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia

Uma Cúpula das Américas bizarra

Mais sensato seria se líderes adiassem encontro em Lima para o ano que vem

Manifestante agita bandeira em frente ao palácio presidencial peruano durante protesto contra Pedro Pablo Kuczynski em 21 de março, dia em que o mandatário renunciou - Rodrigo Abd - 21.mar.18/Associated Press

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Acontece nos próximos dias 13 e 14 de abril em Lima, Peru, a oitava edição da Cúpula das Américas. O evento, que reúne chefes de governo dos países do continente, da Argentina ao Canadá, tem tudo para ser o mais bizarro desde sua primeira edição em Miami, em 1994.
 
Quando esse formato de encontro de líderes foi proposto nos anos 1990, o mundo respondia a diferentes vetores. Não apenas a União Soviética há pouco se desmantelara, mas também uma tendência à integração regional despontava como importante traço do cenário pós-Guerra Fria.
 
Na Europa, o Tratado de Maastricht aprofundava e expandia o alcance da integração para além do comércio, robustecendo um Parlamento Europeu e um tribunal comum.
 
Nas Américas, o Nafta e o Mercosul, que também vieram à tona no início dos anos 1990, endossavam a noção de que para competir no século 21 era essencial fazer parte de gigantescos e elaborados espaços de cooperação econômica delimitados a partir de vizinhanças regionais.
 
Fica evidente, assim, a razão pela qual ter sido na Cúpula de 1994 que o então presidente Bill Clinton apresentara a ideia de uma “Área de Livre Comércio das Américas”, a mal compreendida e finada Alca.
 
Cumpre recordar aqui que a cegueira ideológica do Brasil de Lula e de nossos vizinhos “bolivarianos” não foi nem de perto a única força a sabotar uma maior cooperação econômica em nível continental.

O Congresso norte-americano, sob a batuta do nacional-protecionista Jesse Helms (conhecido pelos apelidos “Senador Não” e “Mestre-Obstrucionista”) também contribuiu para uma Alca natimorta. 

Pedro Pablo Kuczynski deixa o palácio de governo no Peru em 21 de março, dia em que renunciou à Presidência do país - Mariana Bazo - 21.mar.18/Reuters


 O grau de bizarrice da Cúpula da semana que vem salta aos olhos já pelo tema do encontro. Acreditem, o subtítulo da reunião é “Governança Democrática e Combate à Corrupção”.

Ora, o Peru, que sedia a Cúpula, viu Pedro Pablo Kuczynski renunciar à Presidência do país há algumas semanas sob acusação de receber recursos ilegais da Odebrecht.
 
A propósito, este é um dos poucos temas em comum da reunião de líderes hemisféricos. O presidente brasileiro é investigado por corrupção em diferentes casos. E Argentina, República Dominicana, Panamá, Colômbia, Equador e em especial Venezuela são todos países que acolheram o modelo de exportação brasileiro de doações e financiamento político ilegal turbinando a corrupção de governos e empresas públicas e privadas. Ainda mais quando se tratava de países ideologicamente alinhados à visão de mundo dos governos Lula-Dilma.
 
Aliás, se parte da legenda da cúpula é sustentada pela frase “governança democrática”, que diabos Cuba e seu Raul Castro estarão fazendo lá? Para não mencionar que logo em seguida, no dia 19 de abril, Miguel Díaz-Canel, atual vice-presidente, assume o comando da ilha –o primeiro sem o sobrenome “Castro” em quase 60 anos de Cuba socialista.
 
Outra esquisitice —que ao menos será divertido observar é que o atual ditador venezuelano Nicolas Maduro foi “desconvidado” a participar da cúpula. Ele garante, no entanto, que irá a Lima.
 
O mais sensato que os países do continente poderiam ter feito era adiar a cúpula para 2019. Assim, muitos da região, como Brasil, México e Paraguai, já teriam concluído seus ciclos eleitorais e estariam “sob nova direção”.  

Ademais, não há hoje sobre a mesa de negociação hemisférica um único projeto econômico, logístico, político ou ambiental que venha a permitir uma agenda minimamente construtiva.  
 
O Mercosul negocia com a União Europeia, mas não com o Nafta. Este parece sob risco existencial ao sabor do neoprotecionismo de Washington. Canadá, México, Peru e Chile integram o TPP light, uma modalidade moderna de acordo econômico envolvendo países do Pacífico.

Cada um atira para lados diferentes. Quando comparada às Américas, a Europa, mesmo pós-“brexit, parece um modelo de coesão e harmonia.
 
O toque supremo de realismo fantástico será, no entanto, a participação do presidente dos EUA, Donald Trump, que portanto faz da ocasião sua primeira visita à América Latina.  
 
Não há no percurso de Trump à Casa Branca, ou nesses pouco mais de 14 meses de seu governo, qualquer menção a temas hemisféricos ou projetos de dimensão continental. Tudo se resumiu à construção do muro na fronteira com o México, generalidades sobre imigrantes centro-americanos e menção a uma intempestiva “opção militar” contra o regime de Maduro na Venezuela.   
 
Há pouco que Trump possa acenar como item de atração a seus vizinhos continentais. Acordos comerciais? Ora, ninguém gostaria de passar pelas agruras que agora Canadá e México enfrentam com a tresloucada renegociação do Nafta.
 
Investimentos em infraestrutura? Construir pontes na visão de Trump é apenas algo “intra-EUA” e representa parte essencial de sua exclusiva “America First”.
 
Juntar-se aos EUA numa guerra comercial contra a China? Impensável, numa conjuntura em que o gigante asiático já é o principal parceiro comercial de países como Brasil e Chile e fonte abundante de investimentos sobretudo para a América Latina.
 
Trump, é claro, pode usar a oportunidade para aumentar o volume de críticas contra o regime de Caracas, no que a maioria dos países do continente está de pleno acordo.

Se o fizer de maneira desproporcional e atabalhoada, contudo, apenas oferecerá a Maduro e a delirantes facções da esquerda latino-americana elementos para a repisada crítica ao "imperialismo ianque" e outros anacronismos.
 
Nas atuais circunstâncias continentais, podemos estipular uma métrica precisa. A Cúpula das Américas da semana que vem no Peru terá alcançado êxito se daqui a dois meses ninguém se lembrar de que ela ocorreu.

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