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Lenira Carvalho organizou a luta das trabalhadoras domésticas por direitos

Alagoana se tornou protagonista na busca dessa classe profissional por reconhecimento

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Maciel Henrique Silva

Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco

Recife

Não se escreve a história da escravidão no Brasil sem ligá-la à história do trabalho doméstico. E não se escreve essa história sem passar pela trajetória de Lenira Carvalho.

A trabalhadora doméstica, militante pelos direitos da categoria, nasceu em 1932 no município de Porto Calvo, em Alagoas. Era filha de uma mulher negra que trabalhou a vida inteira como doméstica na casa-grande de um engenho.

A tristeza da mãe atravessou a infância da filha, que também precisou trabalhar como doméstica, mas depois se tornou protagonista da luta das trabalhadoras domésticas do Brasil por direitos e reconhecimento.

Ao tomar consciência de classe enquanto trabalhadora doméstica, a alagoana Lenira Carvalho tornou-se uma das principais militantes pelos direitos do grupo - Veridiana Scarpelli/Folhapress

Tudo começou quando uma cozinheira que trabalhava na mesma casa que Lenira a convidou para estudar no período noturno em um colégio de freiras salesianas. Como ela disse: "Enchi-me de coragem".

Conseguiu também uma folga quinzenal para participar de atividades recreativas organizadas pelas freiras, alargando o universo social das duas.

Durante seus estudos, o acontecimento que fez de Lenira uma militante foi seu ingresso no coletivo religioso e político Juventude Operária Católica. Após o golpe militar de 1964, foi considerada comunista e presa porque havia participado de reuniões, celebrado o 1º de Maio de 1963 e organizado o Congresso Regional das Empregadas Domésticas no Recife e a primeira passeata das domésticas do Brasil.

Ao sair da prisão, Lenira voltou para o trabalho doméstico, mas "muita coisa eu não aceitava mais", afirmou sobre as tensões com os patrões para registrar sua carteira de trabalho, um dos requisitos para a fundação da Associação de Trabalhadoras Domésticas do Recife, em 27 de julho de 1979, nos moldes das associações já existentes de São Paulo e do Rio de Janeiro.

A nacionalização das lutas das trabalhadoras domésticas por meio dessas associações foi um passo fundamental para a criação do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, pois esses grupos que se formaram retiraram as domésticas do isolamento social em que viviam.

Para Lenira, os direitos de celebrar aniversários, de passear e de morar em seu próprio lugar, entre outros, inserem as trabalhadoras domésticas em outras lutas populares, como o direito à moradia, e desconstrói a relação de exploração naturalizada na expressão "como se fosse da família".

Lenira Carvalho em cena do documentário "Digo às Companheiras que Aqui Estão", dirigido por Sophia Branco e Luís Henrique Leal - Divulgação

A tomada de consciência de classe das trabalhadoras domésticas foi fundamental para que essas mulheres lutassem por direitos e pelo reconhecimento como trabalhadoras, pois a categoria doméstica não fazia parte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, 1943).

Mesmo nos anos 1980, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não enxergava as trabalhadoras domésticas como pertencentes à classe trabalhadora, razão pela qual Lenira afirmou durante os debates da Constituinte: "Não acreditamos que façam uma Constituição sem que seja reconhecido o direito de 3 milhões de trabalhadoras desse país".

Até então, os únicos direitos eram carteira de trabalho e férias de 20 dias por ano, reconhecidos em 1972.

Ao longo dos anos 1990, diante da indiferença e da discriminação das centrais sindicais compostas majoritariamente por homens, Lenira criou estratégias e estabeleceu parcerias entre as trabalhadoras domésticas e coletivos feministas, como o SOS Corpo, onde ela foi trabalhar na limpeza com o objetivo de entender o movimento feminista.

Sobre esse período, ela afirmou: "Eu mudei, e o movimento feminista também". Corpo, saúde e sexualidade passaram a fazer parte das preocupações das trabalhadoras domésticas.

Lenira escreveu sua própria história em um livro publicado em 2000, "A Luta que me Fez Crescer", com pouco mais de 140 páginas.

A partir da entrevista concedida à pesquisadora Cornelia Parisius, ela se tornou escritora, denunciando as violências sexuais sofridas pela mãe e contando sobre o desejo de não repetir a história dela, uma mãe solteira, abandonada e obrigada a viver em casas de quem só a explorava e a tratava sem nenhum direito e afeto. Por isso o apego de Lenira à religião e à luta sindical contra a exploração dos pobres pelos patrões por meio da conquista de direitos.

A autobiografia de Lenira a coloca ao lado de Carolina Maria de Jesus e seu fundamental "Quarto de Despejo". São testemunhos e narrativas com sensibilidade incomum e sabor de conversa ao pé do ouvido, mas que durante muito tempo foram apagados e desqualificados.

Felizmente hoje são obras reconhecidas pela literatura e amplamente divulgadas para a população brasileira.

Lenira faleceu no dia 3 de agosto de 2021, aos 88 anos. O legado de sua luta é tão vasto que ainda vamos demorar para compreendê-lo em sua totalidade: uma consciência de classe profunda; o debate sobre afetividade e luta por direitos; sua capacidade de não dissociar fé de política (fazendo da fé forte instrumento de emancipação); a astúcia de integrar as demandas da categoria com as lutas coletivas urbanas; sua humanidade e o humanismo, que podem ser considerados radicais em tempos de guerras.

Projeto retrata mulheres ao longo da história do Brasil

O projeto Mátria Brasil apresenta mulheres relevantes e, em geral, pouco conhecidas ao longo da história do país, desde a invasão portuguesa até os dias de hoje.

Os textos são assinados por historiadoras e historiadores de diversas regiões brasileiras, e têm publicação semanal ao longo de seis meses.

A série foi idealizada pela professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenadoras do projeto.

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