Em ano tórrido, artistas negros dominam e a cena indie se firma
Mostra 'Histórias Afro-Atlânticas' está entre os melhores acontecimentos de 2018 nas artes
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Uma das performances mais memoráveis do ano não aconteceu num museu ou galeria. E o espaço destinado à arte como reflexo de seu momento também não mostrou nada com a temperatura desses tempos tórridos.
Banksy, o misterioso grafiteiro britânico, orquestrou a destruição espontânea de um de seus trabalhos em pleno salão de leilões da Christie’s, em Nova York. E a Bienal de São Paulo, comandada pelo espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, mais pareceu uma anódina mostra de museu, com artistas trocando elogios na jaula moderna de Oscar Niemeyer.
Entre as instituições, ao menos, uma lufada de ar fresco. O ano que chega ao fim foi dos criadores negros juntos na monumental “Histórias Afro-Atlânticas”, uma das melhores mostras em décadas.
Isso sem contar a força de espaços independentes, cada vez mais necessários num ambiente de erosão das certezas.
Neste ano em que Marielle Franco foi assassinada e Jair Bolsonaro foi eleito presidente, o circuito artístico ainda mostrou as garras em lugares inesperados, cravando 2018 como grande momento de deslocamentos e inversões.
O espetáculo —ainda que bizarro— migrou para os leilões. Enquanto o truque de Banksy e o recorde de artista vivo atingido por David Hockney representam a alta, o encalhe da tela de Jackson Pollock ofertada por um MAM do Rio falido foi a baixa.
Longe da mais alienada Bienal de São Paulo, mostras e performances de fôlego encheram o circuito paralelo com uma pegada política que, mesmo beirando o oportunismo, aumentou a voltagem em tempos de ultrapolarização.
Um dos endereços mais fervidos, aliás, foi a Casa do Povo, espaço paulistano no coração do Bom Retiro que melhor encarnou o zeitgeist de nossa cultura viciada em tudo ao mesmo tempo agora.
Enquanto tudo ardia em São Paulo, a não ser o parque Ibirapuera, o Rio de Janeiro viu o retorno de uma bobagem chamada “Queermuseu”. A exposição, ressuscitada no Parque Lage por meio de crowdfunding depois de ser interditada em Porto Alegre, só acirrou as guerras culturais que vedam os olhos do público e da crítica para o que mais importa.
O saldo positivo foi deixar claro que a liberdade de expressão sobrevive, mesmo que seja para pagar alguns micos.
Duas pequenas vitórias ainda marcam o ano. O Paço das Artes voltou a ter uma sede, agora em Higienópolis, e a briga entre museus e aeroportos parece ter chegado ao fim, com uma resolução do governo que proíbe a cobrança abusiva de taxas para a entrada de obras de arte no país. Se tudo continuar de pé num futuro próximo, o ano que vem pode trazer belas novidades.
MELHORES DO ANO
‘Histórias Afro-Atlânticas’
Uma das maiores e mais ambiciosas mostras já realizadas pelo Masp, com uma segunda ala montada no Instituto Tomie Ohtake, a exposição reviu séculos da presença negra nas artes desde a escravidão, expondo como a violência racial forjou o cânone visual do Ocidente
‘Mulheres Radicais’
Nomes consagrados como Lygia Pape, Anna Maria Maiolino e Ana Mendieta ganharam a companhia de mulheres que moldaram a experiência estética da América Latina, entre elas María Evelia Marmolejo e Regina José Galindo, que tiveram suas performances viscerais revistas na mostra da Pinacoteca
‘Arte-Veículo’
Na era das fake news, ampla investigação no Sesc Pompeia mostrou como artistas e grupos, entre eles Cildo Meireles, Paulo Bruscky, Jac Leirner e o grupo 3Nós3, sabotaram os mecanismos da grande imprensa para espalhar suas mensagens
Hilma af Klint
Recuperação histórica de importante figura nas artes. As pinturas gigantescas da artista sueca redescoberta agora levam o misticismo e o esoterismo à esfera do bom gosto
Irving Penn
Numa revisita às mais de seis décadas da trajetória do fotógrafo, o Instituto Moreira Salles mostrou a maestria de seu trabalho de estúdio em que imperam o domínio de luz e sombra e impressão fotográfica aliadas ao glamour do pós-Guerra
PRINCIPAIS EMBATES
Aeroportos e museus
Desde que os aeroportos passaram a cobrar taxas com base no valor e não mais o peso das peças para a entrada de obras de arte no país, museus precisaram ter um advogado sempre a mão para anular a cobrança e viabilizar suas mostras. O problema foi solucionado depois de um acordo político, esclarecendo que a entrada de trabalhos artísticos no país tem um papel cívico-cultural
Loucurinhas nos leilões
O fato mais memorável do ano foi a performance às avessas em que o grafiteiro Banksy mandou triturar uma de suas obras bem na hora em que o martelo foi batido. David Hockney também fez história ao se tornar o artista vivo com a obra mais cara já arrematada, uma de suas telas das piscinas californianas vendida por US$ 90,3 milhões. Na outra ponta do espectro, a tela de Jackson Pollock que o MAM do Rio tentou vender para sair do buraco encalhou no leilão
Bienal alienada
Enquanto o circuito paralelo ferveu com mostras de pegada política urgente, entre elas ‘AI-5 - 50 Anos’, ‘Arte-Veículo’ e ‘Estado(s) de Emergência’, a 33ª Bienal de São Paulo mostrou um conjunto de belas obras em total descompasso com a realidade e os atritos fora do Ibirapuera
Negros no comando
O Masp, que realizou só mostras de artistas negros no ano, liderou um fenômeno do circuito institucional e do mercado para incorporar aos acervos trabalhos de artistas históricos há muito negligenciados, em especial Rubem Valentim, e novos nomes que despontam na cena, como Antonio Obá, Bruno Baptistelli, Jaime Lauriano, Dalton Paula e Rosana Paulino
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