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'Somos uma sociedade violenta', diz Preto Zezé sobre 30 anos da chacina da Candelária

Discussão sobre tragédia no Rio de Janeiro integra ciclo Perguntas sobre o Brasil

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Belo Horizonte

Há 30 anos, em 23 de julho de 1993, oito jovens foram assassinados a tiros no centro do Rio de Janeiro no episódio que ficou conhecido como a chacina da Candelária.

Nos anos seguintes, dos cerca de 70 jovens e crianças em situação de rua que viviam no entorno da Igreja Matriz da Candelária, 39 acabaram morrendo de forma violenta.

Vigília em memória das vítimas da chacina da Candelária, que completa 30 anos em 23 de julho - Ricardo Borges - 20.jul.18/Folhapres

"A gente não tem uma sociedade que proteja a criança e o adolescente", afirmou o advogado e jornalista Marcos da Veiga Kalil Filho, oficial de proteção à criança do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Sudeste.

O especialista participou da 19ª edição do ciclo de diálogos Perguntas sobre o Brasil ao lado do ativista e colunista da Folha Preto Zezé, que presidiu a Cufa (Central Única das Favelas) até março de 2023.

O evento, resultado de uma parceria do Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo com a Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e a Folha, foi realizado na tarde da última quarta, 28, sob o mote "Chacina da Candelária: o cuidado com as crianças melhorou?" O debate foi mediado pelo jornalista Fábio Haddad, editor de Cotidiano, da Folha.

Embora os convidados reconheçam que aconteceram avanços de 1993 para cá —fruto de políticas públicas inclusivas e da emergência dos movimentos negros e de favela do país—, muito ainda precisa melhorar, dizem eles.

"Nós somos uma sociedade violenta", lembrou Preto Zezé. Ele apresenta um argumento que remonta à escravidão perpetrada contra as pessoas negras no país e ao extermínio dos povos indígenas para reforçar o "costume da sociedade brasileira" de limpar pessoas indesejadas do convívio social.

"É importante retomar que uma sociedade pouco acostumada a construir memória está fadada a repetir os seus próprios atos", disse Kalil Filho. Por ter algumas especificidades que a diferem de outras chacinas que ocorreram na história, segundo o advogado, o episódio da Candelária representa bem a relação dúbia que a sociedade brasileira mantém com as suas crianças em situação de rua.

Preto Zezé aponta uma dessas particularidades: "A chacina ocorreu num lugar público, bem conhecido por todos".

Embora a época já fosse marcada pelos desafios causados pela fome e pela intensa migração de famílias do Nordeste para o Sudeste, como ele lembra, o episódio representou um agravamento das consequências da desigualdade social do país. "Quando se vê crianças sendo mortas numa chacina, você começa a repensar o tipo de sociedade que naturalizou essas mortes", disse.

O produtor, escritor e ativista Preto Zezé, uma das maiores lideranças das favelas brasileiras - Daniel de Araújo Ferreira/Divulgação

Durante o debate, Kalil Filho expôs a construção retórica que confirma essa naturalização. "A criança tem uma energia, que ora é vista como criativa e positiva, mas que também pode ser vista como perigosa, possivelmente violenta e criminosa", afirmou, reforçando que a criança e o adolescente em situação de rua, em geral, negro, acaba sendo facilmente enquadrado com delinquente. O ódio social gerado contra essa suposta delinquência vai também autorizar uma série de ações para combatê-la.

"Aquelas crianças e adolescentes [mortos na chacina] se colocam como monumentos da nossa história. A Candelária, com suas contradições, é um monumento, e aquelas crianças que estavam ali eram objetificadas. Como objetos, poderiam ser construídos ou destruídos. Elas foram vitimadas por essa percepção da sociedade", disse Kalil Filho.

A conversa, transmitida online pelos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube, continua disponível na íntegra. Assista abaixo.

O ciclo Perguntas sobre o Brasil realiza sempre às quartas-feiras, a cada duas semanas, debates sobre diversos aspectos da cultura e da identidade brasileiras. O evento tem como inspiração o projeto 200 anos, 200 livros, iniciativa lançada em maio do ano passado que reuniu duas centenas de obras importantes para entender o país.

A próxima edição, que vai discutir a atualidade da obra de Luiz Gama, está marcada para o dia 12 julho, às 16h, com transmissão ao vivo pelos canais citados.

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