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Aprendizes de tiranos não devem ser ignorados, diz deputado português Rui Tavares

Fundador do Livre afirma que reverter ambiente reacionário no Brasil ecoaria sinal importante para o mundo

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Rui Tavares por anos estudou história, até que em 2009 mergulhou na política como eurodeputado. Uma mistura que vê como determinante para o futuro: a história, claro, e a atuação humana sobre ela.

Hoje, o político conhecido pelo podcast "Agora, agora e mais agora" atua como deputado em Portugal pelo Livre, de esquerda, que cofundou em 2014. Ele está no Brasil para participar da Bienal do Livro de São Paulo e lançar "O Pequeno Livro do Grande Terremoto", pela editora Tinta-da-China Brasil.

Rui Tavares, deputado da Assembleia da República de Portugal, vereador na Câmara de Lisboa e fundador do partido Livre - Divulgação

Ele, uma das principais vozes contrárias ao crescimento da ultradireita no Palácio de São Bento, diz que brasileiros, mas também a comunidade internacional, não devem ser ingênuos em relação a uma tentativa de golpe do presidente Jair Bolsonaro, que inclui no balaio daqueles que chama de aprendizes de tiranos.

Sobre a Guerra da Ucrânia, deixa um apelo a setores do Brasil em que observa uma visão acrítica ao governo de Vladimir Putin. "Não caiam numa armadilha: se você é anticolonialista, Putin é seu inimigo."

Como avalia a relação de Portugal com o passado de colonização na África e no Brasil? É natural que os países queiram fomentar o patriotismo, mas para ter um verdadeiro orgulho de sua história é preciso conhecer o bom e o mal. As consequências dessa história ainda estão conosco, às vezes de formas que as pessoas não se dão conta. Aquele modelo econômico do império atrasava o desenvolvimento do reino e dos seus domínios. Uma parte dos déficits educacionais que fazem com que os países tenham hoje economias que estão longe de ser a economia do conhecimento e da descarbonização, como pede o futuro, repousa nessa história. Uma fratura que estamos todos a pagar.

O que pensa da tese de que há preconceito, ou mesmo lusofobia, dos brasileiros em relação a Portugal? A lusofilia e a lusofonia às vezes convivem no mesmo discurso. Assim como do lado de cá a brasilofilia e a brasilofobia têm, às vezes, as mesmas condições. Na mesma frase a pessoa exprime afeição e amizade ao outro país e, a seguir, diz algo eivado pelo maior dos preconceitos. O desamor que às vezes transparece em relação ao outro país é, em boa medida, uma espécie de falta de amor próprio com o nosso país.

No fundo, esse complexo mal resolvido nos dois países tem dois outros efeitos: primeiro, o de não projetar os países para o futuro, afinal a história não predetermina tudo —somos agentes dela. Segundo, temos elites que são muito europeizadas e que utilizam esse sentimento em relação à antiga metrópole para no fundo incorporar um discurso que parece anticolonial em relação ao passado quando, na verdade, segue sendo colonial em relação ao presente e ao futuro. Enquanto vão colonizando o próprio país, vão se vestindo do espantalho da lusofobia, o que permite ocultar ou evitar certos debates importantes.

Falamos aqui sobre as sociedades, mas como descreveria hoje a relação bilateral no campo da diplomacia? Temos que usar as nossas imaginações para encontrar o que chamo de objetos de desejo político que possam nos unir. Também não devemos valorizar demais aquilo que deve ser desvalorizado. O presidente da República portuguesa desvalorizou o cancelamento do almoço [com Bolsonaro], e acho que fez bem. O que devemos sempre valorizar é a enorme importância e prestígio internacional que a história diplomática do Brasil tem. O Palácio do Planalto há de ter novos inquilinos no futuro, assim como o Palácio de Belém e de São Bento, e os laços entre os países vão permanecer.

Qual a relevância do resultado das eleições no Brasil neste ano e como será definidora para a relação bilateral? Não só em Portugal, mas em todo o mundo, olha-se com atenção para as eleições neste ano no Brasil. Tal qual as eleições de 2018 representaram um momento na vaga nacional populista, se essa vaga reacionária e populista for revertida, isso vai ser um sinal importante para o mundo em geral.

Vi que os brasileiros olharam com interesse para as inovações políticas em Portugal, como a geringonça, uma maneira que as esquerdas tiveram de ultrapassar seus sectarismos para se unir em torno de causas sociais, mas também olho com muito interesse para como no Brasil velhas barreiras políticas estão sendo derrubadas em nome dos valores do Estado de Direito. Esperamos que essa capacidade de superação de velhas rivalidades que a política brasileira tem consiga preservar o essencial da Constituição democrática.

Como vê o discurso golpista de Bolsonaro e quais as possíveis consequências globais de um golpe de Estado no Brasil? Não podemos ser ingênuos em relação a esses riscos. Se deixássemos um governo violar os valores da Constituição, esses aprendizes de tiranos não vão simplesmente sair do poder quando perderem as eleições. Eleições fraudulentas e golpes eleitorais não são condições que podemos descartar. Vimos isso nos EUA com o 6 de Janeiro e com as leis eleitorais na Hungria, completamente enviesadas. O risco para as democracias dessa deriva autoritária é sério e grave.

Muitas das propostas de diplomacia que o senhor sugeriu estão no âmbito da CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Qual avaliação faz dela? Muito aquém. Está nas suas rotinas, nas suas burocracias e, às vezes, picuinhas. Mas a solução não é esperar por políticos mais imaginativos, e, sim, sermos nós mais imaginativos. Com o grau de afeição que existe entre todos os países de língua portuguesa —que não deve ocultar o lado doloroso da nossa história comum—, há muito o que fazer. Se a CPLP é centrada nos governos, deveríamos fazer a comunidade dos povos de língua portuguesa.

Com a Guerra da Ucrânia afetou a União Europeia? O mundo do pós-guerra acabou. O que nos compete é ver se os direitos humanos e a soberania popular têm alguma hipótese de futuro, ou se vamos voltar a um tempo de neoimperialismo. Às vezes vejo em outras partes do mundo, em particular na América Latina, gente que minimiza o que está a acontecer porque "é lá na Europa", achando que o imperialismo russo, por ser de certa forma rival ao dos EUA, é mais desculpável. O apelo que faço aos intelectuais e aos leitores é que não caiam nessa armadilha. Se você é anticolonialista, anti-imperialista, Putin é seu inimigo. Quem acha que o inimigo do meu inimigo é meu amigo está a ser incoerente com o seu anti-imperialismo.


Raio-X | Rui Tavares, 49

Doutor em história, é deputado na Assembleia da República de Portugal e vereador na Câmara Municipal de Lisboa. Cofundou o partido Livre e foi deputado no Parlamento Europeu de 2009 a 2014.

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