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Taniele Rui e Fernanda Penteado Balera

A dispersão da cracolândia tem ajudado no acolhimento aos usuários? NÃO

Atendimento não passa de meta a ser divulgada, incapaz de produzir vínculo

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Taniele Rui

Professora do Departamento de Antropologia da Unicamp e autora de “Nas Tramas do Crack: Etnografia da Abjeção” (ed. Terceiro Nome)

Fernanda Penteado Balera

Defensora pública do estado de São Paulo, é coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

É julho de 2022, e quem andar pela extensão das estações Luz e Júlio Prestes, na região central de São Paulo, se deparará com diversas concentrações de pessoas em situação de rua, muitas usuárias de crack. São, em sua maioria, negras e pobres, que unidas transportam consigo, pelas ruas da maior metrópole brasileira, a territorialidade itinerante estigmatizada como cracolândia.

Parte do chamado fluxo está agora espalhada e se movimenta conforme ouve bombas ou é agredida/deslocada pelas forças de segurança. Outra parte está contida no cruzamento da rua Helvétia com a avenida São João, próximo ao Minhocão. Orbitando em torno de si mesmas, as pessoas são expostas à vigilância constante e alvos frequentes de operações policiais. Todos ali —inclusive os agentes públicos— compartilham de experiência extremamente violenta e desumanizadora.

Há dez anos, também sob a justificativa de combate ao tráfico, foi realizada operação que tinha como estratégia a desconcentração do território por meio de truculência. Lá, como agora, acreditava-se promover a desarticulação do fluxo. O desabastecimento de crack e os deslocamentos forçados aumentariam o sofrimento dos usuários que, acuados e exaustos, estariam propensos a buscar tratamento.

No presente, uma tenda emergencial foi erguida ao lado de banheiros químicos, no pátio de uma delegacia de polícia. Tudo feito no improviso, sem planos de quanto durar e sem objetivos declarados. A equipe foi montada às pressas, com novos regimes de turnos e novas condições de trabalho.

O que e como se atende nessas condições? Uma ilustração pode ser útil. Durante a noite, Cris foi abruptamente acordado e deslocado da calçada em que dormia para a frente daquela tenda. Quando lá chegou e procurou informações sobre o serviço, um atendimento foi gerado. Depois observou que perdeu seus documentos —outro atendimento. Sentiu dor nas costas por conta do despertar violento, outro. Procurou comida, outro; buscou pernoite, outro.

Assim se produzem os milhares de acolhimentos contabilizados em condições de dispersão. Acolhimento produzido como número bruto, como meta a ser divulgada. Não acolhimento qualificado, capaz de produzir vínculos, construído por profissionais em condições de trabalho, redes de serviço operantes e usuários apropriados de seu próprio tratamento.

Apesar de parecer uma repetição de 2012, não é possível afirmar que se trata da mesma tática. Está em curso algo diferente. O que se passa ocorre depois de duas gestões municipais, depois da experiência do programa De Braços Abertos e durante a vigência do programa Redenção.

Ao longo do ano passado, fruto de parceria entre universidade e Defensoria Pública, realizamos entrevistas com vários atores-chaves para entender como se deu na prática a transição entre esses programas. Ficou evidente como o desmonte dos serviços públicos foi acompanhado da ampliação da violência e da produção acelerada da transformação do território. As ações hoje vigentes são piores, pois se erguem sobre os escombros da demolição, da remoção, do desmanche de políticas. Erguem-se contra a memória da redução de danos e contra outras formas, mais criativas e menos improvisadas, de promover cuidado.

A morte de Raimundo Nonato Fonseca Júnior, homem negro, por agentes da Polícia Civil não uniformizados durante uma ação de dispersão em maio, sintetiza até onde se chega com a decisão de promover acolhimento por meio da violência.

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