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Leonardo Goldberg

O fim do bolsonarismo?

Derrota nas urnas demarcou um antes e um depois entre fanáticos e não convictos

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Leonardo Goldberg

Psicanalista e doutor em psicologia (USP), é professor universitário e autor de ‘Das Tumbas às Redes Sociais - um estudo sobre a morte e o luto na contemporaneidade’ (Benjamin Editorial) e 'O Sujeito na Era Digital: ensaios sobre psicanálise, pandemia e história' (Almedina, 2021)

O bolsonarismo comporta uma marca que não é invariável na história brasileira. Essa é uma questão importante e que convoca reflexões, pois todos os movimentos históricos continuam e descontinuam conjuntos de características.

O delírio "anticomunista", "antiglobalista", o apelo à uma noção bastante especifica de liberdade, como a entoada pela Marcha da Família com Deus pela Liberdade, de 1964, são praticamente invariantes em nossa história nacional. Se abrirmos os arquivos dos grandes jornais, encontraremos esses temas aparecendo de forma constante em nossos embates políticos. Os nomes mudam um pouco, os integralistas se transformam em interventores, os interventores em patriotas, os patriotas em bolsonaristas e assim por diante.

Porém, algumas variantes que estruturam o bolsonarismo são bastante precisas: o neopentecostalismo cooptado pela política partidária, a promessa da prosperidade coletiva que empresta uma roupagem disruptiva ao movimento e o personalismo em torno da figura messiânica. Ainda que o apelo religioso estivesse presente na história brasileira de forma constante, é uma novidade a relação direta com o divino e o excesso de certeza contido na lógica.

O efeito dessa impregnação é a estrutura da certeza. Analistas políticos constatavam isso no Estado Islâmico: seu crescimento vertiginoso e potência política se davam justamente pela exclusão da incerteza em ato. Como nunca haviam perdido uma batalha, seus seguidores não pensavam antes de integrar as violentas fileiras de expansão. O ato político precedia de qualquer reflexão prévia, e rapidamente criaram um califado na Síria e adjacências. Aí que entra a questão: sua maior força era ao mesmo tempo seu ponto mais frágil. Qualquer perda jogaria sua estrutura a um ponto de contradição insustentável.

Ao apostar na certeza e excluir qualquer possibilidade de perda a partir de uma relação bastante direta com seu deus, a estrutura da organização se abalou completamente a partir das primeiras quedas em combate. A dúvida se instala e com ela toda a estrutura entra em ruína. Assim, a queda do Estado Islâmico foi tão rápida quanto sua expansão.

Quando a Covid-19 impactou o mundo ocidental, o bolsonarismo não poderia exigir uma "parada" e enveredar na dúvida. Eles já detinham todas as respostas para o flagelo: a "nova ordem mundial", o globalismo, os pneus de caminhão assassinos, a mídia e, por último, a cloroquina. Somente uma teologia da certeza condensada na ideia tosca de "imbrochavel" poderia sustentar essa brutalidade.

A derrota nas urnas demarcou um antes e um depois que ruirá o bolsonarismo. Aos bolsonaristas não convictos, restará escolher ingressar na democracia, no diálogo, duvidar de sua própria consistência e reintegrar o debate público, ou retornar ao mundo imaginário no qual um padre que não é padre representa a figura divina, um ex-deputado decide as leis com seu fuzil e uma representante do Executivo peça que a Polícia Federal investigue suas próprias fantasias.

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