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Gustavo Meirelles

Conectados às telas e desconectados de nós mesmos

Uso intenso é ainda mais comum em meios socioculturais menos privilegiados

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Gustavo Meirelles

Médico, empreendedor em saúde e defensor da reconexão com nós mesmos

Passamos grande parte do dia nos celulares em busca de "likes" que nos proporcionam pequenos momentos de prazer, mas ao mesmo tempo nos desconectam da realidade e prejudicam nossas interações sociais, concentração e atenção. Somos frequentemente interrompidos por ligações, mensagens ou nossos próprios impulsos compulsivos em busca de dopamina e recompensas cerebrais efêmeras e viciantes.

As empresas buscam tornar as plataformas digitais cada vez mais sedutoras, proporcionando ao cérebro uma sensação de felicidade iminente, resultando em cliques, publicidade e, consequentemente, maior lucro. Quanto mais os aplicativos e as redes se tornam "inteligentes", menos críticos e mais alienados nos tornamos.

Criança mexe em celular - Karime Xavier/Folhapress - Folhapress

Além de consumirem nosso tempo, as mídias sociais são potenciais geradoras de mal-estar. O chefe abusivo posta fotos sorrindo e comemorando com a equipe. A imagem da viagem luxuosa de um casal não reflete suas discussões diárias. Os finais de semana "perfeitos" de amigos tornam-se motivos de inveja e insatisfação, contribuindo para uma sensação de infelicidade cada vez mais comum.

Os índices de depressão e ansiedade estão em alta, especialmente entre os jovens, cada vez mais expostos às plataformas digitais. Michel Desmurget, autor de "A Fábrica de Cretinos Digitais: Os Perigos das Telas para Nossas Crianças", aponta que quanto mais cedo uma criança se familiariza com dispositivos digitais maior é a probabilidade de se tornar usuária assídua. Crianças de menos de dois anos já dedicam quase um hora por dia às telas, tempo precioso que poderia ser usado para explorar o mundo ao redor. Na adolescência, o consumo digital pode ultrapassar sete horas diárias, equivalente a um ano inteiro de aulas de português, matemática e biologia da 5ª série do ensino fundamental até o final do ensino médio.

O uso intenso de dispositivos digitais é ainda mais comum em meios socioculturais menos privilegiados. Adolescentes dessas famílias dedicam quase duas horas a mais por dia às telas do que aqueles mais abastados, tempo que poderia ser utilizado para atividades mais enriquecedoras, como leitura, práticas musicais e esportivas.

Uma abordagem para enfrentar o problema é retirar as telas dos quartos de dormir e adiar ao máximo o início de uso de dispositivos como celulares. Além disso, o exemplo deve vir dos pais, pois o consumo de telas pelas crianças cresce conforme o dos seus familiares.

Um estudo comparou estilos parentais em famílias com pré-adolescentes: um grupo era permissivo, sem regras para o uso de dispositivos digitais; um segundo grupo adotava normas rígidas e autoritárias; por fim, um terceiro era composto por pais persuasivos, que instituíam regras, mas as explicavam para os filhos. A proporção de crianças suscetíveis a usarem telas por mais de quatro horas por dia foi, respectivamente, de 20%, 13% e 7%, ressaltando a importância de explicar, desde cedo, a razão dos limites impostos.

No sistema educacional, as tecnologias digitais precisam se adaptar à pedagogia, não o inverso. Crianças que aprendem a escrever no computador enfrentam mais dificuldades para aprender a ler e escrever à mão do que aquelas que utilizam lápis e papel. As soluções digitais devem complementar, e não substituir, o sistema tradicional de ensino. Até hoje, o investimento na formação de professores competentes e dedicados é a única estratégia que demonstrou resultados consistentes e duradouros.

Assim como ocorre com a rotulagem de alimentos e cigarros, poderiam ser aplicadas advertências nas mídias sociais, informando os usuários sobre os riscos do uso excessivo, como o potencial de vício, ansiedade e o excesso de dopamina liberada. Devemos aproveitar os benefícios da tecnologia e o alcance das redes sociais para promover saúde, bem-estar e educação. Aplicativos como o Duolingo, para aprender idiomas, e o Calm, para meditação, estão se destacando nesse sentido.

A discussão sobre como transformar o uso da tecnologia em promotora de saúde e bem-estar ainda está em seus estágios iniciais, mas a conscientização sobre os riscos e a implementação de estratégias para evitar o vício são urgentes. É hora de aproveitarmos os benefícios da tecnologia, especialmente ao cuidar de nossas crianças. Como disse o jornalista francês Guillaume Erner, "deem telas aos seus filhos; os fabricantes de telas continuarão dando livros aos deles".

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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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