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Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Na reta final e sob pressão de Bolsonaro, investigação da PF sobre facada descarta mandante

Relatório parcial da apuração contraria tese repetida pelo presidente e reforça que Adélio agiu sozinho

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São Paulo

Sob forte pressão do presidente Jair Bolsonaro, a investigação da PF (Polícia Federal) sobre a facada sofrida por ele em setembro de 2018 está perto de um desfecho sem confirmar a tese bolsonarista de que Adélio Bispo teria recebido auxílio de outras pessoas ou obedecido a um mandante.

O segundo inquérito sobre o episódio aberto pela corporação ainda está em curso e terá o relatório parcial divulgado nos próximos dias pela Superintendência da PF em Minas Gerais. A primeira apuração, finalizada ainda no ano do crime, chegou à conclusão de que o esfaqueador fez tudo sozinho.

Adélio sempre disse que agiu a mando de Deus para tentar livrar o Brasil da vitória de Bolsonaro, que via como uma ameaça. O autor está preso desde a época do fato na penitenciária federal de Campo Grande (MS). Considerado inimputável, ele foi absolvido pela Justiça, mas cumpre medida de segurança.

Nesta terça-feira (28), o presidente disse que o caso foi negligenciado pela PF. Ao falar com apoiadores em Brasília, ele defendeu que a corporação reabra a investigação, sem mencionar que ainda há uma apuração em andamento.

"A conclusão foi o ‘lobo solitário’. Como é que pode o ‘lobo solitário’ com três advogados, com quatro celulares, inclusive andando pelo Brasil?”, afirmou, acrescentando não ter provas que corroborem sua tese. "Eu tenho é sentimentos, sugestão para dar para a Polícia Federal."

Na semana passada, o presidente já havia contestado o trabalho da PF e insinuado que a apuração falhou ao não encontrar quem supostamente estaria por trás da tentativa de matá-lo. Os advogados de Bolsonaro não recorreram da decisão judicial que inocentou Adélio.

As críticas foram feitas em meio à demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça, pasta à qual a PF é subordinada. O ex-juiz se demitiu após uma queda de braço com o mandatário envolvendo a chefia da corporação. Moro acusou o presidente de tentar interferir em investigações.

No discurso após a queda do auxiliar, Bolsonaro evidenciou sua insatisfação com a apuração da facada. Para ele, o crime que o vitimou durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG) mereceu menos dedicação da PF do que o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL).

O atentado é explorado politicamente pelo presidente com alguma frequência, principalmente em momentos de crise no governo. E o risco de interferência na investigação após as trocas de comando no ministério e na PF causa apreensão entre integrantes da corporação e autoridades ligadas ao caso.

Como mostrou o Painel, há consenso entre policiais de que a apuração da facada foi intensa e nem assim encontrou vestígio da existência de mandante. De tão minuciosa, a empreitada acabou apelidada internamente de "mini-Lava Jato".

O trabalho, sob a responsabilidade do delegado Rodrigo Morais, nunca foi interrompido. O inquérito atual foi aberto em setembro de 2018 e vem sendo prorrogado desde então. A equipe manteve buscas, depoimentos e cruzamentos de dados.

A pista mais recente que mobilizou a PF apareceu no último fim de semana, horas após o discurso de Bolsonaro, mas já foi parar na lista das informações descartadas.

Em um vídeo no YouTube, um homem conhecido como Luciano Mergulhador colocou em xeque a insanidade mental de Adélio e fez afirmações que ligavam o autor do ataque a Jean Wyllys, deputado federal do PSOL que renunciou ao mandato após receber ameaças.

Luciano Carvalho de Sá, que mora em Biguaçu (SC), foi ouvido em depoimento já na segunda-feira (27), em Florianópolis. Ele é a pessoa que aparece em uma foto ao lado de Adélio durante uma manifestação em 2017 contra o governo Michel Temer (MDB).

Na conversa com a PF, o mergulhador e ativista político não sustentou sua fala do vídeo. Disse que não conhecia o esfaqueador, que só teve contato com ele no dia do protesto e que não houve naquela data nenhum comentário sobre atentado contra a vida de nenhum candidato.

O depoente confirmou que Adélio citou Wyllys, mas fez isso para dizer que admirava o trabalho do então parlamentar e que ele não se encaixava na categoria de "políticos inúteis", expressão escrita no cartaz que Sá carregava. O autor do ataque foi filiado ao PSOL de 2007 a 2014.

Nas redes bolsonaristas, a narrativa que se disseminava enquanto os agentes ouviam a testemunha era a de que Sá estava revelando "o elo perdido" do caso, que desmentia "o inquérito da PF de Moro".

Adélio Bispo ao lado de Luciano Carvalho de Sá, o Luciano Mergulhador, durante protesto em 2017, em Florianópolis (SC) - Reprodução/Facebook Adélio Bispo

O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente que é apontado em outra apuração da PF como possível articulador de uma rede de fake news, foi um dos que ajudaram a difundir a versão.

Nesta terça (28), o PSOL entrou na Justiça contra Carlos por difamação. O partido, em nota, repudiou o que classificou como informações mentirosas que atingem a sigla e o ex-deputado.

"Essa é claramente uma tentativa desesperada de desviar a atenção da sociedade sobre informações graves, divulgadas recentemente, que envolvem a família Bolsonaro com o esquema criminoso de fake news investigado pela PF", afirmou o PSOL.

O depoimento do mergulhador acrescentou duas páginas às mais de 300 do inquérito da facada. O relatório preliminar do caso será apresentado ainda sem decisão judicial sobre um ponto importante: o papel desempenhado pelos advogados que assumiram a defesa de Adélio após o ataque.

A PF apreendeu celulares e documentos no escritório do advogado Zanone de Oliveira Júnior, mas a perícia nos materiais foi suspensa pela Justiça a pedido da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), sob a alegação de violação do sigilo profissional.

Em fevereiro, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) remeteu o caso para o STF (Supremo Tribunal Federal), ao qual caberá agora permitir ou impedir a análise dos conteúdos apreendidos.

O processo, porém, ainda não foi distribuído internamente na corte. Será preciso definir um ministro relator e a forma como se dará o julgamento (se em sessão virtual, durante a crise do coronavírus, ou no plenário físico, quando a pandemia passar).

Para a PF, no entanto, essa lacuna não é um empecilho para a continuidade do inquérito neste momento. Os investigadores afirmam que, se a perícia for autorizada futuramente, o caso poderá ser reaberto.

As informações sobre os advogados ajudariam a esclarecer eventuais conexões com financiadores e mentores. A defesa diz que atuou no caso dentro dos preceitos legais e que desconhece a participação de terceiros no atentado.

Zanone e outros cinco advogados divulgaram nesta semana uma nota com críticas a Bolsonaro por lançar dúvidas sobre o trabalho da PF. Eles defenderam a apuração e lembraram que o representante do presidente no caso, Antônio Moraes Pitombo, não quis recorrer da absolvição.

"Discordâncias processuais têm papel e lugar na letra do feito e não num desvio de foco visando interesses políticos", afirmaram.

Adélio passou a ser representado pela DPU (Defensoria Pública da União) no fim do ano passado. Em março, a Justiça Federal em Campo Grande autorizou que ele seja transferido do presídio federal para um local onde possa receber tratamento adequado de saúde mental.

O espaço indicado para receber o autor do crime é um hospital psiquiátrico em Barbacena (MG) —a 586 km de Montes Claros (MG), onde moram seus familiares. Os trâmites judiciais para efetivar a transferência, contudo, acabaram atravessados pela crise do coronavírus.

A PF chegou a propor a Adélio um acordo de delação premiada, em outubro do ano passado, mas ele rejeitou a hipótese. Reiterou que a tentativa de matar Bolsonaro não foi encomendada e que, mesmo que quisesse, não teria ninguém para delatar.

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