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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli

Ciclovias do rio Pinheiros perdem metade da extensão para canteiros de obras

Metrô, DAEE, ViaMobilidade e construtora JHSF são responsáveis pelas interdições

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Portões fechados, 16 km de interdições e muita lama pelo caminho, essa é a nova realidade para quem utiliza as ciclovias do rio Pinheiros, que conectam as zonas sul e oeste da cidade de São Paulo.

O cenário é resultado de um acúmulo de obras realizadas simultaneamente nas estreitas e disputadas margens do rio, e afeta três ciclovias fundamentais para o trânsito e lazer da região: a ciclovia Franco Montoro, na margem leste, e as ciclovias do Parque Linear Bruno Covas e do Trabalhador, ambas na margem oeste.

Para desviar dos canteiros de obras na ciclovia do Parque Linear Bruno Covas, ciclistas têm que seguir por uma trilha enlameada

Espalhados sobre as pistas cicloviárias, os canteiros de obras têm quatro responsáveis: o Metrô, o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), a construtora JHSF, e a concessionária de trens ViaMobilidade, todos sob a orientação do governo paulista, responsável pela área.

A decisão de ocupar o espaço das bicicletas com caminhões, tratores e outros tipos de maquinário, e impedir a passagem de ciclistas, foi tomada "para segurança dos ciclistas, ao longo das atividades de construção", disse a STM (Secretaria dos Transportes Metropolitanos) por comunicado na terça-feira (17).

Na margem oeste, onde a estrutura cicloviária do Parque Linear Bruno Covas servia como referência de qualidade, as obras já interditam 7 dos 10,6 km de ciclovias e causaram o fechamento do acesso mais movimentado, na ponte Cidade Jardim.

Por lá os percalços aos ciclistas são provocados pela movimentação de máquinas da construtora JHSF, que está transformando a Usina de Traição em um condomínio comercial e já prepara o terreno vizinho para erguer torres residenciais de luxo. Para realizar seus projetos, a JHSF derrubou um bosque com cerca de 150 árvores nativas, está desviando as pistas da Marginal Pinheiros e interditou um trecho de 1,5 km da ciclovia —desde a ponte Cidade Jardim até a passarela flutuante, que fica 500 metros ao sul da usina.

A empresa não revelou o período que vai manter a interdição, e por nota disse que uma nova estrutura cicloviária será construída, passando por dentro de seu empreendimento, com acesso livre e gratuito.

Da passarela flutuante em diante, a interdição da ciclovia do parque linear continua por mais 4,8 km, e faz parte das obras do DAEE para contenção das margens com o uso de gabiões (estrutura de pedra).

Para evitar a interdição completa do parque, um desvio por trilhas de cascalho e terra, que por vezes chega a poucos metros da barulhenta Marginal Pinheiros, e que antes servia para caminhadas, foi oferecido aos ciclistas. A solução tem gerado polêmica: agrada alguns aventureiros ao mesmo tempo que atrapalha a circulação de pedestres e causa desconforto em ciclistas que não estão dispostos a enfrentar um longo lamaçal formado pelas chuvas recentes.

O último obstáculo da margem oeste (ou primeiro para quem começa na extremidade sul), é causado pela obra de expansão da estação Santo Amaro (Linha 5-Lilás do Metrô), que está sob a responsabilidade da ViaMobilidade. A concessionária diz ter criado um desvio a fim de garantir a segurança, mas o caminho, que tem cerca de 400 metros, passa por trechos sem proteção cicloviária no entorno do terminal de ônibus Guido Caloi.

Do outro lado do rio, onde passam os trilhos da Linha 9-Esmeralda do trem, a disputa por espaço é ainda pior. Com trechos onde a margem fica a menos de 10 metros da linha férrea, não sobra brecha para desvios, e não resta alternativa para se deslocar pedalando entre as zonas sul e oeste da cidade por esta margem. A solução é tentar achar uma das raras conexões com o Parque Linear Bruno Covas, ou se arriscar entre os carros (a malha cicloviária da periferia sul é fraca e o trânsito por lá é caótico).

Atualmente existem apenas três transposições cicloviárias que conectam as duas ciclovias: ponte João Dias, onde o ciclista tem que enfrentar uma escadaria metálica íngreme; passarela flutuante próxima à Usina de Traição —que fecha sem aviso quando há alterações no volume do rio—; e passarela flutuante na altura do Parque Global, que está interditada por causa das obras do DAEE.

Na margem leste, as obras interrompem a ciclovia Franco Montoro em dois longos trechos: um de 4,1 km (na extremidade oeste), ocasionado pelas obras de contenção da margem e que impede a inauguração do novo acesso pelo Parque Villa-Lobos, e outro de 5,2 km (entre a passarela flutuante e a ponte João Dias). A interdição mais longa é consequência da obra do DAEE e também da obra da Linha 17-Ouro do Metrô, que ficou dez anos parada e foi retomada no mês passado pelo governo paulista.

Contudo, a SPI (Secretaria de Parcerias e Investimentos) alerta que mais um trecho, de 1,4 km, será interditado em breve na margem leste, para movimentação de máquinas da obra de expansão da estação Santo Amaro.

Toda essa situação vem causando indignação e prejuízos a frequentadores e também a comerciantes da região, como Oséias Matoso, que há três anos administra um quiosque de café na ciclovia Franco Montoro: "Senti uma queda de 70% nas vendas".

Usuário assíduo das ciclovias, o empresário André Gonçalves Neto sofreu outro tipo de prejuízo —teve a bicicleta e celular roubados em um assalto enquanto pedalava pelo desvio da Ciclovia do Trabalhador. "Moro na região de Interlagos, e com a ponte flutuante desativada sou obrigado a passar por este trecho em que fui assaltado", disse.

Flávia Oiticica tem 67 anos e usa as ciclovias do rio Pinheiros para lazer. Na tarde de sexta-feira (13), saiu para pedalar na chuva. Ao chegar na ciclovia do Parque Linear Bruno Covas decidiu dar meia volta ao encontrar o lamaçal.

A professora Érica Nogueira, 43 anos, mora no Brooklin e estuda na USP. Antes das interdições costumava ir para as aulas pedalando pela ciclovia Franco Montoro. Acessava a pista pela passarela do Parque do Povo e saía pela rampa da ponte Cidade Universitária, praticamente dentro do campus universitário. "Ainda que eu possa fazer o percurso por fora, o trajeto ficou mais longo. À noite é um perigo. Pela margem do rio eu não tinha esse problema", conta a professora, que diz gastar 15 minutos a mais no trajeto alternativo, além de enfrentar cruzamentos perigosos e sentir mais os efeitos da poluição.

Gustavo Astolphi, lojista do ramo de bicicletas, treina na ciclovia Franco Montoro muito antes da mais demorada de todas as interdições, a das obras da linha 17-Ouro do Metrô, que já passa dos dez anos. "O maior problema das interdições é a falta de uma previsão", comentou.

O governo paulista, através SPI, não deu previsão para a liberação do trecho interditado sob as vigas inacabadas do Metrô.

Por nota, a Semil informou que as obras na extremidade oeste da ciclovia Franco Montoro (entre o parque Villa-Lobos e a ponte Eusébio Matoso) foram concluídas pelo DAEE em junho, conforme o prazo previsto. Questionada então sobre o motivo da interdição no local, que persiste por mais de 90 dias além da conclusão da obra, a assessoria da Semil não deu resposta.

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