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Copo Cheio - Sandro Macedo
Sandro Macedo
Descrição de chapéu Consciência Negra

Quase um terço das cervejarias não tem negros, revela estudo

Região Sul é a que tem os piores números, mostra pesquisa do Guia da Cerveja

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São Paulo

Em um país com 56% de negros, de acordo com o IBGE, 31% das cervejarias, ou quase um terço do total, não têm nenhuma pessoa preta no seu quadro de funcionários. E o que parece ruim na região Sul é ainda pior. Por lá, 64%, praticamente dois terços, não têm negros.

O dado alarmante integra a pesquisa Participação de Pessoas Negras na Indústria Cervejeira, uma iniciativa do site Guia da Cerveja com apoio do Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja), do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e da Abracerva (Associação Brasileira da Cerveja Artesanal).

Diego Dias, sócio da Cervejaria Implicantes e do bar Mocambo, em Porto Alegre
Diego Dias, sócio da Cervejaria Implicantes e do bar Mocambo, em Porto Alegre - Divulgação

"Essa baixa representatividade é preocupante", avalia Diego Dias, um dos sócios da cervejaria Implicantes, de Porto Alegre (RS), marca formada por sócios negros que, não por acaso, está completando 5 anos nesta segunda (20) —foi fundada no Dia da Consciência Negra. "É difícil encontrar profissionais negros pela falta de oportunidades. Para ter melhorias, são necessárias ações para que os negros consigam se especializar, seja como sommelier ou como mestre-cervejeiro", aponta.

De acordo com o Anuário da Cerveja, o país contabiliza 1.729 cervejarias. Com 686 (39,7% do total), a região Sul é a segunda mais prolífica do país, perdendo apenas para as 798 do Sudeste. A amostragem do Guia da Cerveja coletou as respostas de 129 cervejarias (7,46% do total). Apesar de englobar as cinco regiões, foi também no Sul que a pesquisa teve menos respostas, apenas 3% (22 cervejarias) atenderam ao questionário do site.

"Somos uma sociedade racista e precisamos deixar isso bem claro. O dado reflete o que é a nossa sociedade. Vemos essa pouca representatividade em outros setores, no meio empresarial, no meio executivo e em outras áreas", comenta Paulo Silva, o Paulão, integrante do grupo Afrocerva e criador do projeto Black Fucking Beer, que já lançou o rótulo Afro Lager. Paulão também apresenta o podcast Brassaria Brasília, sobre o universo cervejeiro.

Afro Lager, hop lager criada em Brasília pelo movimento Black Fucking Beer
Afro Lager, hop lager criada em Brasília pelo movimento Black Fucking Beer - Divulgação

Ainda segundo os dados da pesquisa, as regiões Nordeste e Norte são as mais inclusivas, com 100% das cervejarias com negros em seu quadro de funcionários; no Centro-Oeste, onde Paulão atua, o número é de 80%. O Sudeste fica praticamente dentro da faixa nacional, com 70% (contra 69% no geral). E a região Sul, como citado antes, tem empregados em apenas 36% das cervejarias, sempre de acordo com a amostragem.

Curiosamente, a gaúcha Implicantes não tem funcionário negro, aliás, não tem funcionário nenhum. "Somos a primeira cervejaria negra do país, estamos sem funcionários porque estamos sem fábrica. Produzimos de maneira terceirizada, mas somos em cinco sócios, todos negros", explica Diego.

Essa produção cigana, de cerca de 5.000 litros por mês, tem sido quase que exclusivamente para abastecer o bar Mocambo, que a cervejaria abriu em agosto na Cidade Baixa, em Porto Alegre. "O público sabe o que é a Implicantes, o que é o Mocambo. Quem vai consumir ali já conhece a cervejaria."

Durante a pandemia, um caso de racismo chamou a atenção do setor, com a Implicantes como um dos alvos. Na ocasião, um grupo de WhatsApp formado por cerca de 200 cervejeiros, a maioria da região Sul, direcionou mensagens racistas e misóginas contra negros e mulheres do setor.

"Algumas pessoas envolvidas com aquele grupo me procuraram para conversar. Mas por orientação de advogados não entramos em contato com eles", conta Diego. "O que mais me preocupa é que não é um caso isolado. Sempre vem um atrás do outro, isso preocupa mais", completa.

Paulão, da Afrocerva, não acha que o meio cervejeiro é mais racista que outros. "Mas fica mais evidente por ser um meio mais branco do que outros, por questões sócio-econômicas e pelo acesso", avalia. "É um meio que precisa de investimento grande, tem que ter um poder econômico significativo para entrar. E, no Brasil, esses meios econômicos não estão nas mãos de negros."

Com o rótulo da hop lager Afro Lager, o movimento Black Fucking Beer busca exatamente dar mais oportunidade para negros no setor. "Temos que continuar lutando", resume Paulão.

A Implicantes também busca a aproximação com organizações que combatem o racismo. "Já fizemos cervejas colaborativas com o lucro destinado para ONGs e coletivos que têm o propósito de lutar contra o racismo", diz Diego.

"A gente acaba criando um elo com as pessoas negras para ter esse espaço de resistência", conta Diego. "Para mostrar que no Sul tem negros que gostam de cerveja, mesmo com todas as dificuldades, a gente sempre vai mostrar com a Impicantes que a representatividade é importante para o setor cervejeiro."

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