Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu alimentação

Eu viajei na maionese ao prever a extinção do restaurante por quilo

No pânico da pandemia, subestimei a resiliência do almoço self-service que junta feijoada, macarronada, churrasco e sushi

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São Paulo

Resiliência: taí uma palavrinha que me irrita. Ela foi removida do contexto original —trata-se da propriedade de materiais que retomam a forma original após serem deformados— para uma metáfora corporativa e motivacional.

Nesse âmbito, resiliência é a capacidade que pessoas, empresas e setores têm de reagir e se recuperar de situações adversas. Um conceito parecido com a tal superação (outra palavrinha que já deu o que tinha para dar).

Só que às vezes é preciso dar o braço a torcer: não há palavra melhor para definir a sobrevivência dos restaurantes por quilo à pandemia de Covid-19. Quando vaticinei sua extinção no artigo "Coronavírus vai acabar com o restaurante por quilo" (29/4/20), errei feio ao desprezar a formidável resiliência do setor.

Captura de tela da coluna Cozinha Bruta de 29/4/20, prevendo o fim dos restaurantes por quilo devido à pandemia de Covid-19
Captura de tela da coluna Cozinha Bruta de 29/4/20, prevendo o fim dos restaurantes por quilo devido à pandemia de Covid-19 - Reprodução

Eu estava, decerto, tomado pelo pânico. Passei os dois primeiros meses da pandemia trancado sozinho em casa. Eu avaliava que a peste traria mudanças permanentes de hábitos, em que não estava totalmente enganado.


Para ficar no setor de restaurantes, ainda temos casas que trabalham com o malfadado cardápio em código QR. Poucas são as lanchonetes que destrocaram os horrendos sachês de condimentos para as boas e velhas bisnagas de ketchup e mostarda. O frasco de álcool em gel veio para ficar, para enfeiar jantares românticos e fotos instagramáveis.

O quilão, contudo, sobreviveu à tempestade. É uma sólida instituição brasileira e deve atravessar outras intempéries enquanto paleterias, açaiterias, brigadeirias e tapiocarias vão à bancarrota por expiração da novidade.

Vivos e saltitantes, os bufês por peso não estão exatamente como eram em 2019. Certos cuidados pandêmicos ainda persistem.

Quando a pandemia arrefeceu, os bufês passaram a exigir luvas descartáveis na hora de se servir —minhas mãos de Shrek sempre as arrebentavam—, coisa que já foi relaxada.


Semanas atrás, numa viagem ao sertão da Bahia, entrei num restaurante por quilo com a seguinte tabuleta: "favor não conversar enquanto se serve".


Calar-se é sensato por causa dos perdigotos e por tantas outras razões. Eu perdi a preciosa chance de ficar quieto em abril de 2020, quando previ o fim dos quilões.

Eu errei
Inspirada em iniciativa do New York Times, a Folha convidou seis de seus colunistas a revisitarem erros e opiniões superadas que foram publicadas em suas colunas ao longo dos anos

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