Era Outra Vez

Literatura infantojuvenil e outras histórias

Era Outra Vez - Bruno Molinero
Bruno Molinero
Descrição de chapéu Livros

Odilon Moraes ilustra solidão e ausência em novos livros para crianças

Lançamentos 'Lá Longe' e 'Quando as Coisas Desacontecem' criam conversas a partir dos traços do ilustrador

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Página do livro

Ilustração de Odilon Moraes para "Quando as Coisas Desacontecem", com texto de Alessandra Roscoe Divulgação

Quem acompanha de perto a obra de Odilon Moraes sabe o que esperar quando o nome do ilustrador aparece na capa de algum lançamento. Além da qualidade gráfica e de um estilo inconfundível, que brinca com o rascunho e incorpora as imperfeições dos esboços, seus livros com frequência apresentam personagens solitárias, muitas vezes tristes, com toques de melancolia e de algum desconsolo.

"Existe dificuldade de falar sobre tristeza para crianças. No universo adulto, se você quer profundidade, precisa ser triste. No mundo infantil, é o contrário. É como se a tristeza deturpasse a infância", disse o autor para este blog em 2016 (leia a entrevista aqui).

Isso faz com que leitores logo busquem entender como as novas histórias vão se encaixar no quebra-cabeça que é a obra completa do ilustrador. Mas, mais do que isso, por orbitarem um universo comum, os lançamentos também criam diálogos inesperados quando dois livros chegam às livrarias quase ao mesmo tempo. É o caso de agora, com "Lá Longe", que tem texto de Carolina Moreyra e edição da Pequena Zahar, e "Quando as Coisas Desacontecem", de Alessandra Roscoe e da editora Gaivota.

No primeiro, a dupla Carolina e Odilon volta a propor um jogo literário que desloca os pontos de vista da narrativa e do próprio leitor —algo que já foi experimentado em outros títulos assinados por ambos, como em "Lá e Aqui", também no catálogo da Pequena Zahar, no qual a história pendula entre as duas casas da personagem principal, surgidas após a separação dos pais.

Retrato do ilustrador Odilon Moraes
Retrato do ilustrador Odilon Moraes - Divulgação

"Lá Longe" faz referência ao título de "Lá e Aqui", mas aprofunda as mudanças de perspectivas e desloca os olhares de maneira diferente. A obra tem início com uma ilustração em página dupla, em que vemos uma floresta e um tucano sobre a copa das árvores.

"Na mata, o tucano abriu os olhos e falou", diz o texto, deixando o suspense no ar. Ao virar a página, as cores se transformam, as matas desaparecem e somos sugados por um ambiente urbano, com um despertador. "Bom dia", traz agora o texto, num complemento à frase anterior.

Esse vaivém se estende durante todo o tempo. Às vezes estamos nas matas, cercados por árvores, rios, jacarés e cervos. Mas, logo em seguida, somos jogados para dentro de um apartamento, na companhia de um menino solitário, que demora para acordar, toma longamente seu café da manhã e olha pela janela um emaranhado de prédios cinzentos e melancólicos.

Então nos perguntamos —onde é lá e o que é longe, a mata ou a cidade? Até que o texto nos dá uma pista. "Lá longe, um menino olha... e sonha." Fechado na selva de pedra, o garoto imagina. Mas o quê? As árvores? Os rios? Um horizonte mais amplo? O fim das barreiras que o cercam?

É aí que entra em cena "Quando as Coisas Desacontecem", livro com ilustrações de Odilon Moraes e que também acaba de ser lançado. O texto de Alessandra Roscoe propõe uma série de reflexões poéticas e filosóficas a partir de uma mesma pergunta —"o que acontece com as coisas quando elas desacontecem?".

Pode parecer uma dúvida estranha, mas rapidamente percebemos que a personagem põe contra a parede todas as nossas ausências e finitudes. A onda, quando desacontece, vira espuma. A nuvem, quando desacontece, vira chuva. E as pessoas, quando desacontecem, se tornam o quê?

Página do livro "Quando as Coisas Desacontecem"
Ilustração de "Quando as Coisas Desacontecem", que mostra o passar do tempo, de uma semente ao fruto - Divulgação

Os pensamentos se desenrolam sob a batuta das ilustrações de Odilon, que transbordam delicadeza. A partir dos desenhos, vemos a menina-personagem na praia, na companhia de seu cachorro e de um amigo, que de repente vai embora. Um jogo de cena com vaga-lumes amplia a potência visual, já que os insetos piscam e somem, acontecem e desacontecem, numa dinâmica de presença e ausência que serve de metáfora para a própria vida.

Mas as conversas entre um livro e outro se dão de fato quando a garota de "Quando as Coisas Desacontecem" começa a questionar os sentimentos e nossos mundos internos, com reflexões sobre o medo e os desejos. A essa altura, ela diz que há "sonho que desacontece para ser vivido de verdade".

Talvez essa seja a chave para o outro menino, o personagem de "Lá Longe", que sonha na janela. É preciso que a vontade dele desaconteça para que as matas de lá longe deixem de ser um sonho distante e passem a estar aqui, bem mais perto.

Lá Longe

  • Preço R$ 64,90 (56 págs.)
  • Autoria Carolina Moreyra e Odilon Moraes
  • Editora Pequena Zahar

Quando as Coisas Desacontecem

  • Preço R$ 65 (56 págs.)
  • Autoria Alessandra Roscoe e Odilon Moraes
  • Editora Gaivota

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