Era Outra Vez

Literatura infantojuvenil e outras histórias

Era Outra Vez - Bruno Molinero
Bruno Molinero
Descrição de chapéu Livros

Quero a literatura infantil nonsense, lúdica e maluca, diz Renato Moriconi

Artista visual ataca de tradutor e transpõe para o português 200 poemas do escritor inglês Edward Lear

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Há mais ou menos dez anos, Renato Moriconi estava visitando uma escola para apresentar seus livros e conversar com os alunos. Foi quando um menino levantou a mão para fazer uma pergunta.

"Ele tinha uns cinco anos e queria saber qual era o livro que ainda não existe, mas que eu gostaria de ter lido", conta o artista visual, autor de uma série de obras para a infância. "Eu ri e respondi que não sabia. Então devolvi a pergunta. E ele me disse: 'Também não sei. Eu não sei ler'."

Ilustração de Edward Lear na edição de "200 Limeriques de Edward Lear para Ler e para Ver"
Ilustração de Edward Lear em "200 Limeriques de Edward Lear", traduzido por Renato Moriconi - Divulgação

"É maravilhoso. A pergunta dele, para mim, é a definição de criação. Eu busco não só o livro que gostaria de fazer, mas que queria ter lido. E a resposta também é fantástica. É um pouco a ideia que tenho de literatura infantil. É o que me atrai mais no universo da criança —o nonsense, o lúdico, o maluco, o engraçado que não fica procurando o riso. A gente vê isso no Lewis Carroll, no Roald Dahl, no Gianni Rodari, no Edward Lear."

A admiração pelo nonsense, a busca pelo livro que gostaria de ter lido e a admiração específica por Lear fizeram com que Moriconi explorasse um caminho até agora inédito para ele. Conhecido por ser um dos principais artistas visuais da literatura infantojuvenil brasileira, autor de clássicos como "Bárbaro", "Telefone sem Fio" e "Bocejo", por exemplo, ele agora se aventura em outro papel. Pela primeira vez, assina uma obra como tradutor, sem nenhuma ilustração sua.

Em "200 Limeriques de Edward Lear para Ler e para Ver", lançado pela editora Baião, Moriconi traduz duas centenas de poemas do autor inglês do século 19. Nascido em Londres, Lear tem uma obra que é comparada à de seu conterrâneo e contemporâneo Lewis Carroll, autor de "Alice no País das Maravilhas". Ambos estão entre os principais nomes do nonsense e do absurdo, com livros capazes de encantar crianças e adultos.

No caso de Lear, seus escritos mais conhecidos são limeriques, um tipo de poema curto que provavelmente nasceu na Irlanda e que tem forma fixa, rimas definidas e cinco versos. Em boa parte deles, somos apresentados a personagens com comportamentos e descrições físicas incomuns, beirando o bizarro e o excêntrico. Além de descrevê-los no texto, o britânico também costumava ilustrar esses tipos.

"Existem traduções do Lear no Brasil, mas não de todos os limeriques. Na pandemia, comecei a ler alguns com meu filho. A gente adorava, ria um monte. Então comecei eu mesmo a traduzir alguns direto do inglês para ele, a partir de uma edição que comprei numa viagem. E pensei, olha, isso dá um livro."

Ao todo, Lear publicou 213 limeriques. Moriconi conta que gostaria de ter traduzido todos, mas, num acordo com a editora, acabou restringindo o volume a 200 poemetos. Suas versões em português contaram com a consultoria do poeta e tradutor Guilherme Gontijo Flores. "A conversa foi mais para trocar algumas ideias e saber se eu não estava cometendo nenhum sacrilégio", conta.

Isso porque as traduções não são literais, palavra por palavra. Nelas, o nonsense inglês é sempre abrasileirado, adaptado, salpicado de cores e gostos tropicais. É o caso deste limerique, em que o personagem toca arrocha: "Havia um sujeito tocando um arrocha/ Com uma serpente na sua galocha;/ Por dias ou meses tocou,/ Até que a serpente zarpou,/ Fugindo do homem que toca um arrocha".

Outros exemplos são os vários versos que fazem referência a cidades e regiões brasileiras. "Havia uma moça dali de Iacanga/ Que tinha no coco uma pá de miçanga;/ Sentou na cadeira bem velha,/ Comeu seu sagu de groselha,/ O que agradou a tal moça de Iacanga", diz outro dos poemas.

Parte desse flerte com o absurdo aparece também em outro lançamento, este com textos e ilustrações assinadas por Moriconi. O bizarro já fica claro no título. "Pequeno Catálogo de Animais Terrivelmente Inofensivos e por Vezes Úteis", com esse nome quilométrico, acaba de chegar às livrarias pelas mãos da Gato Leitor, com lançamento neste sábado, dia 17, em São Paulo.

Na obra, Moriconi faz um catálogo de feras imaginárias ou um bestiário de animais malucos. Há, por exemplo, o leão-da-montanha-que-trabalha-montando-montanha-russa. E o tatu-tatuador-que-tatua-sem-dor-só-com-figurinha-de-tatuagem-vintage. Ou ainda o boto-de-botas-boca-de-botox-bicampeão-de-boxe e a sanguessuga-suga-sunga-em-praia-de-nudismo.

Cada nome de bicho se revela um pequeno poema preocupado com a linguagem e estruturado a partir de recursos como assonâncias, aliterações, repetições e rimas demarcadas, gerando o ritmo do texto. Os personagens são ainda ilustrados pelo autor com uma técnica que usa canetinhas.

"O processo de tradução do Lear me influenciou muito. Esse livro traz um humor no som das palavras", conta. "Em alguns bichos, eu rachava o bico com a rima. Então a imagem também foi ficando cada vez mais escrachada e caricata."

Ilustração do livro "Dia de Lua"
Ilustração do livro "Dia de Lua", premiado em Bolonha - Divulgação

Os dois títulos são só a ponta de uma extensa produção recente que mostra a diversidade do trabalho de Moriconi. Neste ano, ele lançou ainda "Estátua!" pela Companhia das Letrinhas, que também é ilustrado com canetinha e joga visualmente com a brincadeira típica da infância. Em abril, seu "Dia de Lua", publicado no ano passado pela Jujuba, ganhou o prêmio de melhor obra para bebês na Feira do Livro Infantil de Bolonha, na Itália, o evento mais importante da literatura infantojuvenil no mundo.

Também no ano passado, ele apostou na faixa etária oposta à dos bebês. Pelo o.Tal, selo da editora Caixote, lançou "O Que Incomoda o Touro Não É a Cor Mas o Movimento", uma obra ilustrada para adultos. "As pessoas e as editoras sempre olham para o livro ilustrado, ainda mais os que não têm palavras, como se ele fosse necessariamente para crianças ou uma HQ. Mas esse é um livro de artes plásticas, um livro de artista."

Voltando à pergunta do menino que está no início deste texto, então o que falta fazer? Qual é o livro que não existe, mas que Moriconi gostaria de ter lido? Talvez seja uma obra com texto de sua autoria, mas ilustrada por outro artista?

"Tenho muita vontade. Se vou fazer, não sei. Mas adoraria."

Ilustração de Renato Moriconi para "O Que Incomoda o Touro Não É a Cor Mas o Movimento"
Ilustração de "O Que Incomoda o Touro Não É a Cor Mas o Movimento" - Divulgação

200 Limeriques de Edward Lear para Ler e para Ver

  • Preço R$ 69,90 (216 págs.)
  • Autoria Edward Lear
  • Editora Baião
  • Tradução Renato Moriconi
  • Leitura Crítica Guilherme Gontijo Flores

Pequeno Catálogo de Animais Terrivelmente Inofensivos e por Vezes Úteis

  • Preço R$ 61,90 (68 págs.)
  • Autoria Renato Moriconi
  • Editora Gato Leitor
  • Lançamento neste sáb. (17), às 15h, na livraria Miúda - r. Coronel Melo de Oliveira, 766, Pompeia, São Paulo

Estátua!

  • Preço R$ 64,90 (48 págs.)
  • Autoria Renato Moriconi
  • Editora Companhia das Letrinhas

Dia de Lua

  • Preço R$ 62 (48 págs.)
  • Autoria Renato Moriconi
  • Editora Jujuba

O Que Incomoda o Touro Não É a Cor Mas o Movimento

  • Preço R$ 74 (48 págs.)
  • Autoria Renato Moriconi
  • Editora o.Tal

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