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História sem palavras também é história, defende escritor e ilustrador Renato Moriconi

Criador de 'Bárbaro', que completa 10 anos, fala sobre o valor dos livros ilustrados e dá dicas para quem vai lê-los para crianças

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São Paulo

Sempre que pode conversar com crianças sobre seu livro "Bárbaro", o ilustrador e escritor Renato Moriconi gosta de ouvir o que elas pensam a respeito do personagem que, ao longo de 48 páginas, enfrenta desafios perigosíssimos.

Já teve quem pensasse que o protagonista está morto, e outros que acham que ele está dormindo. Renato acho que essas ideias vêm dos olhos fechados que desenhou, e com os quais o grande herói da história vai avançando rumo ao desconhecido.

Ilustração de Renato Moriconi em 'Bárbaro', que completa 10 anos em 2023 - Divulgação

"Se você tem um olho fechado e em volta dele há um quarto e uma cama, a gente vai pensar em sono, que ele está dormindo. Teve criança que falou que ele era corajoso e destemido, porque, se ele está enfrentando um monstro de olho fechado", lembra o autor.

Mas qual a verdade, afinal? Renato não revela —e ele tem bons motivos para manter segredo. "Quando a imagem sai de mim, ela não depende mais de mim para existir no mundo. Ela vai ter várias camadas de significados e o leitor é quem vai interpretá-la. É como se ele fosse um cocriador do livro", explica.

Importante dizer aqui que "Bárbaro", que completa 10 anos de idade em 2023 e é um dos livros mais vendidos e publicados de Renato, é feito apenas de imagens, sem palavras. E, no momento em que se vem debatendo o que é uma história de verdade e quais delas têm valor e quais não têm, com as candidaturas a vagas na ABL (Academia Brasileira de Letras), esta se torna uma conversa importante.

"As histórias não estão limitadas às palavras, elas nascem do que a gente vê no mundo, e ele está cercado de histórias sem palavras que a gente depois decodifica. O que faço é contar histórias com outra língua, que é a da imagem", define Renato sobre "Bárbaro" e vários outros livros seus que também não contêm palavras.

Ele diz que é um grande exercício eliminá-las, aliás. Em seu processo de criação de cada livro novo, Renato "pergunta" para aquela história se ela terá ou não palavras. "É um diálogo com aquela ideia. Quando ela se revela para mim, às vezes pede cor, às vezes pede ausência de cor, às vezes pede palavra, às vezes, não."

'Bárbaro', de Renato Moriconi - Divulgação

Quando um adulto vai ler um livro só com imagens para uma criança —no que se chama "mediação" de uma história—, pode acontecer de ele sentir algumas emoções em relação a essa tarefa. Talvez ele se pergunte se precisa inventar algo enquanto conta a história, por exemplo, e isso pode deixá-lo inseguro.

"A mediação na maior parte das vezes usa palavras. O que talvez as pessoas chamem de 'inventar a história' tem mais a ver com tradução do que invenção. Quando você lê um livro de texto, consegue ler sem ter que revelar sua interpretação dele, lendo igualzinho ao que o autor pensou", diz Renato.

"E essa tradução às vezes é incômoda para a pessoa que faz a mediação justamente porque vai revelar a interpretação dela daquela história. Mas pode ser mais simples: tente falar o que você está vendo, traduza em palavras. Diga que vê um homem, que vê um cavalo etc.", sugere.

"Bárbaro" surgiu na cabeça de Renato durante uma viagem. Ele avistou algumas crianças em um carrossel e, melancólico, escreveu sobre a cena em um caderninho que carregava no bolso.

No livro, o carrossel aparece, e é a grande surpresa do final —e surpresas não são necessariamente segredos, compara Renato, que não vê problema em este texto aqui já adiantar que, depois de tantos obstáculos, o Bárbaro se vê diante do maior desafio de todos, um adulto que o retira do cavalo de brinquedo no qual ele se divertia.

"Quando fiz esse livro fiz um monte de bárbaros pequenos e fui colando. Ele é um como degradê de dificuldades, vai tudo ficando cada vez mais perigoso, como se ele estivesse pegando velocidade e entrando cada vez mais profundo no mundo da imaginação", conta.

"E fica tudo tão perigoso que, depois, quando acaba tudo, ele sente falta disso, é um corte muito profundo. Não dou close no olho dele, mas, como o resto da página está vazia, a gente vê que ele faz um olho de choro."

Capa do livro 'Bárbaro', de Renato Moriconi, editora Companhia das Letrinhas - Divulgação

O Bárbaro do título é tanto o guerreiro que desbrava o mundo ao longo da história, como também o passeio no carrossel, naquele momento incrível de fantasia. "Quando, então, o leitor vê o final, ele passa a ressignificar a capa e vê o carrossel", acredita.

"E está tudo bem em falar sobre isso mesmo para quem não leu ainda. É como em um filme sobre Jesus Cristo alguém achar que é spoiler dizer que ele morre no final. Você não vai assistir àquela história pelo segredo, mas para ver a forma como ela é contada."

Bárbaro

  • Preço R$ 52,90 (48 páginas)
  • Autoria Renato Moriconi
  • Editora Companhia das Letrinhas

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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