O recente caso da taxação de compras em varejistas asiáticas, como Shein, Shopee e Aliexpress, causou desgaste na estratégia de comunicação do governo Lula (PT) nas redes sociais. A medida era impopular e, após ruído, foi descartada pelo ministério da Fazenda a pedido do presidente Lula.
O assunto ganhou força após a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ter saído em defesa da medida nas redes sociais. Em resposta a um tuíte do portal Choquei, ela disse que "a taxação é para as empresas e não para o consumidor". Influenciadores digitais também foram mobilizados para tentar explicar o tema.
O vaivém do assunto revelou uma estratégia de comunicação desencontrada, avaliam pesquisadores ouvidos pela Folha.
"Eu acho que diferentes autoridades podem e devem falar, mas tudo isso tem que ser pesado de um ponto de vista de comunicação institucional. Neste lugar de fala, o discurso toma outros poderes, outras implicações e precisa estar unificado", diz Raquel Recuero, professora e pesquisadora do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas e do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O analista de redes sociais Pedro Barciela avalia que a dificuldade de unificar o discurso ocorre devido à formação da Frente Ampla para derrotar Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022.
"O antibolsonarismo tem laços ideológicos mais fracos, e isso tem seus prós e contras. Nesse caso, pensando na capacidade de comunicação do governo, os contras vão ser justamente a dificuldade de encontrar quais serão as pautas que vão ser abraçadas por todos esses perfis que estão no campo anti-Bolsonaro. Nesses quatro primeiros meses, o governo vem tateando, ao menos nas redes, para encontrar a melhor maneira de dialogar com todas essas forças", disse.
Apesar da pluralidade de opiniões em assuntos governamentais nas redes, a maioria dos internautas menciona o governo Lula de forma positiva, de acordo com levantamento da Buzzmonitor feito a pedido da Folha. O petista foi citado em 7,3 milhões publicações nas redes sociais (Instagram, Facebook e Twitter) nos primeiros cem dias de governo. Destas, 59,9% foram menções positivas e 39% negativas.
Os episódios que geraram o maior número de menções foram o dia da posse, a divulgação de gastos no cartão corporativo de Bolsonaro, a minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres, o pedido de revogação de visto de Bolsonaro, o encontro com o vocalista do Coldplay, Chris Martin, e entrevista à CNN sobre ação da PF que identificou plano do PCC para assassinar Moro.
No mesmo período, o ex-presidente Bolsonaro registrou 3,9 milhões de menções. Destas, 36,2% foram positivas e 56,2% negativas. Lula conseguiu se manter no centro do debate público inclusive durante o retorno de Jair Bolsonaro ao Brasil, em 30 de março. No mesmo dia, o ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou o novo arcabouço fiscal.
De acordo com levantamento feito pela Quaest, com a divulgação do arcabouço fiscal, o governo obteve 10 mil menções a mais do que a volta de Bolsonaro, que alcançou aproximadamente 483 mil citações.
O IPD (Índice de Popularidade Digital), calculado diariamente pela empresa de pesquisa e consultoria Quaest, indica que a popularidade digital de Jair Bolsonaro segue em queda após seu retorno ao Brasil, o que mostra sua dificuldade em se manter em evidência na oposição.
Ele e o presidente Lula têm uma diferença de 17 pontos no índice, que vai de 0 a 100. O petista marcou 57 pontos no IPD, e o ex-presidente, 40.
O presidente Lula teve uma queda na popularidade digital após falas sobre o ataque planejado pelo PCC contra o ex-juiz Sergio Moro, mas recuperou parte de sua popularidade na internet em meio à comemoração do marco de cem dias do governo.
No Twitter, durante os primeiros cem dias do governo Lula, temas como direitos humanos, saúde e combate à fome foram destacados. Segundo análise feita pela Folha, 42% das publicações feitas pelo perfil do presidente no Twitter desde a posse tratam desse grupo temático, principalmente por publicar a íntegra de discursos.
O viés mais institucionalizado de uso das redes sociais de Lula, diferente das redes de Bolsonaro que volta e meia levantaram discussões sobre o decoro parlamentar, foi destacado pelos pesquisadores.
"O governo Bolsonaro primava muito por essa coisa mais informal, uma estratégia ‘eu liguei a minha câmera aqui e estou falando com vocês’, um ar caseiro. Já o governo Lula tem um aspecto muito mais profissional nas redes sociais e no tratamento da comunicação", diz Recuero.
A estratégia de discurso alinhado com influenciadores digitais também pode ser uma forma de uso mais profissionalizado das redes sociais e para mobilizar perfis fora do espectro polarizado, avalia Barciela. "Eu acredito que o governo tem essa percepção de que esses influenciadores são aqueles que de certa maneira mantém esse anti-bolsonarismo vivo. Eles são as portas de diálogo com outros perfis para além do núcleo duro, do que a gente poderia considerar a base governista."
"O uso de influenciadores, de pessoas que são simpáticas ao governo, que tem muitos seguidores, não é exatamente uma estratégia nova. Isso já tinha sido usado por outros candidatos em outros momentos, mas a impressão que eu tenho nesse primeiro momento é que foram mantidas as estratégias de campanha, focando um pouco mais no trabalho com influenciadores", diz Recuero.
Entretanto, as críticas ao governo e a avaliação da medida impopular são vistas como produtivas.
"Toda vez que eu tenho uma voz oficial e essa voz está online vão ter críticas, vão ter pessoas se colocando contra, vão ter pessoas querendo discutir e eu acho que as instituições precisam se preparar para isso, porque a instituição deixa de ser um ente abstrato quando ela está na plataforma e passa a ser alguém com quem eu posso falar e cobrar. Isso é importante porque é democrático e participativo", diz Recuero.
"Como bolsonarismo é o bolsonarismo, a gente cansou de ver balões de ensaios sendo utilizados para ver se o governo ia ou não tomar alguma medida. Aquilo era testado pelas redes sociais e, dependendo de como fosse recebido, a proposta era retirada, acabava a discussão e pronto. O anti-bolsonarismo não pode ter essa fraqueza. Tudo vai ter que ser muito debatido, tudo vai ser questionado e isso é positivo", avalia Barciela.
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