O cartola máximo do esporte espanhol, Luis Rubiales, presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), virou o grande saco de bater de gregos y troianos -- e com muchísima razão.
Desde o escândalo do beijo roubado na final do Mundial de futebol feminino, no último 20 de agosto, Rubiales coleciona já uma lista substancial de mancadas, punições e acusações.
Até o momento, fez discurso acusando "falso feminismo", xingando opositores de "imbecis" e dizendo que o beijo foi "consensual"; foi suspenso de suas funções por 3 meses, processado pela jogadora da seleção Jenni Hermoso e, hoje (8), oficialmente denunciado pelo Ministério Público espanhol por potencial crime de agressão sexual e coação, com penas de até 5 anos de prisão.
Seu aliado-apadrinhado, o técnico da seleção feminina Jorge Vilda, foi destituído na última terça (5) e substituído por Montse Tomé.
Aqui na Espanha, o que começou com uma certa divisão de águas -- uns contra, outros, a maioria, a favor da punição pelo gesto infeliz de "machirulo", roubando o protagonismo da seleção feminina num dia de vitória histórica, agarrando o pau ao lado da rainha, roubando beijo na boca de uma jogadora, depois comparando ao que faria a "uma filha" -- se transformou numa maioritária e franca oposição.
Graças, em parte, à repercussão internacional, claro. Ficou feio defender esse senhor, mesmo pra quem tava tentando ficar pianinho ou proteger o próprio cul acartolado.
A seleção espanhola de futebol masculino (oh, homens, obrigada) veio a público condenando a atitude do ex-chefe.
O presidente interino da RFEF, Pedro Rocha, começou a cortar cabeças que haviam aplaudido o discurso vitimista de Rubiales -- como o técnico da seleção feminina, Jorge Vilda, que por sua vez já colecionava desavenças com as jogadoras.
De repente, o Fora-Rubiales é quase uma unanimidade. O que começou sendo um tô-contra rarefeito-tímido no mundo do futebol (masculino, que no feminino o uníssono e a união foram imediatas) escalou. É malz ir contra.
Ainda tem gente que acredita que é tudo um grande exagero. Não: ele cagou no pau. Mereceu. E, francamente, 90 dias de suspensão é pouco.
"ATITUDES ASSIM FAZEM PARTE DO DIA A DIA DA SELEÇÃO HÁ ANOS"
Em seu depoimento no tribunal nesta sexta (8), Jenni confirmou pela enésima vez que o beijo não foi consentido -- porque, sim, ainda tem gente que crê que seu sorriso diante das câmeras, impassível, era prova do contrário.
Meo deos.
"Sinto-me obrigada a denunciar que as palavras de Luis Rubiales ao explicar o infeliz incidente são categoricamente falsas e fazem parte da cultura manipuladora que ele próprio gerou", declarou a jogadora em comunicado oficial, disponível na íntegra aqui.
"Atitudes como esta fazem parte do dia a dia da nossa seleção há anos. Devo afirmar que tenho estado sob contínua pressão para apresentar uma declaração que possa justificar o ato do senhor Luis Rubiales. A Federação pressionou meu entorno (família, amigos, colegas, etc) para dar um testemunho que nada tinha a ver com os meus sentimentos. TOLERÂNCIA ZERO com esses comportamentos".
Em vídeo publicado esta semana no canal do programa La base, o ex-líder do partido Podemos e ex-integrante do governo Sánchez, Pablo Iglesias, agradeceu Rubiales.
"Obrigado por simbolizar tão bem o pior da condição masculina que vive dentro de todos nós", disse. "Obrigado por colocar diante do espelho o pior que podemos ser".
Também quero agradecer. Graças a esse senhor, símbolo máximo de um reino historicamente dominado por homens, e seu exemplo de manual sobre Como Não Proceder em 2023 ou Em Qualquer Época e Contexto de Sua Vida, estamos atualizando opiniões, refrescando conceitos, e reprisando o que tem que ser reprisado: que só o sim é sim, que respeito é respeito estejamos onde estejamos, em todos os aspectos, do sutil ao federal.
Obrigada, Rubiales, por trazer à relevância o chefe de departamento que seca as nossas tetas enquanto o papo é sobre um relatório, às vezes com direito a um sorrisinho maroto; os caras que me seguiram de carro, quando eu ainda era adolescente, em uma rua deserta, falando obscenidades e abrindo a porta, divertindo-se com meu medo; os que me perguntaram "quanto é?" quando eu desci do palco, após uma apresentação como cantora; os que insistem, indignados, que foi "só um beijinho"; os que assediam na esquina, na casa, no consultório, os mansplainers, os que se acham feministas e soltam um "e olha que é mulher", os que passam a mão na sua bunda em uma balada, os que te chamam de puta -- mesmo que por dentro, entredentes, lá no fundo -- porque tua saia é curta, teu peito é grande, tua liberdade incomoda.
Obrigada, também, por realçar a presença em nossas vidas de homens, mulheres e não-binários que estão muito além dessa discussão, que são livres e respeitosos, e que convivem em harmonia, não infalíveis, mas buscando aprender a cada passo, compreender e escutar o próximo, a próxima, próximes e todos os artigos que queira -- e que cada um, artífice de sua própria vida e liberdade, queira.
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