Experimento realizado na Unicamp com LSD rendeu um sexto artigo científico, desta vez sobre impactos do ácido lisérgico na linguagem. Grosso modo, constatou-se que a substância psicodélica provoca uma desorganização do discurso que pode tanto favorecer quanto prejudicar seu uso como adjuvante de psicoterapia.
Isso vai depender da dose e do tempo transcorrido após a ingestão do LSD, por exemplo. Antes da proibição do composto alterador da consciência nos anos 1960/70, ele foi muito empregado em terapias ditas psicodélicas (doses altas, acima de 100 microgramas) e psicolíticas (na faixa de 30-50 mcg), entre outras condições para tratar abuso de álcool.
No atual renascimento psicodélico para a medicina, entretanto, o LSD não tem ocupado lugar de destaque. Boa parte dos testes clínicos em curso privilegiam a psilocibina de cogumelos "mágicos" para tratamento de depressão e MDMA (ecstasy) para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
No ensaio controlado por placebo da Unicamp, que envolveu duas dezenas de voluntários saudáveis, a dose foi de 50 mcg, como já se detalhou aqui. O estudo foi conduzido por Isabel Wießner, psicóloga alemã que fez doutorado em Campinas, e Marcelo Falchi, psiquiatra e mestrando na mesma universidade, ambos sob orientação de Luís Fernando Tófoli.
Vários tipos de testes foram realizados durante a fase aguda do LSD, ao longo de até 10 horas. O blog já tratou de alguns resultados, como a janela mais favorável para psicoterapia e efeitos sobre a cognição. O artigo ora publicado no periódico European Neuropsychopharmacology se concentra na análise lingüística.
Para isso os voluntários tinham de realizar várias atividades verbais, como descrever sua experiência ou inventar histórias a partir de estímulos por imagens. As falas foram então analisadas quantitativamente por técnicas computadorizadas como grafos, distância semântica, verbosidade e vocabulário.
Grafos são diagramas que capturam a articulação de discurso tomando por base, muito simplificadamente, a sequência e a repetição de palavras, um procedimento aperfeiçoado pela psiquiatra e neurocientista Natália Mota, hoje na UFRJ. A imagem resultante permite tomar medidas com as quais é possível diferenciar psicóticos de pessoas normais, por exemplo, analisando só suas falas.
No estudo da Unicamp, verificou-se com os grafos que a estrutura linguística das falas dos psiconautas ficou menos organizada e internamente conectada. Também se encontrou maior similaridade semântica entre as palavras usadas e léxico reduzido.
Para Wießner, isso pode ser indicativo de perdas na produção de linguagem, possivelmente relacionadas a reduções na cognição, como atenção, memória, funções executivas etc., observadas de modo consistente sob o efeito agudo de psicodélicos. "Isso indica que a pessoa não seria capaz de seguir diálogos complexos baseados em raciocínios lógicos e fala contra técnicas psicoterapêuticas que se baseiam muito no diálogo", diz a neurocientista.
Por outro lado, a análise revelou o uso espontâneo aumentado de linguagem relacionada com o tempo presente, enquanto a do tempo passado se reduziu. Mais um ponto a indicar a menor serventia aparente do discurso psicodélico para técnicas de psicoterapia baseadas na elaboração discursiva sobre experiências e vivências, como a psicanálise.
Em termos práticos, Falchi imagina que uma terapia apoiada por LSD em dose baixa, como 50 mcg, possa maximizar resultados ao se compreender que os efeitos do LSD não são constantes. Existem fases dentro do período agudo da "viagem" lisérgica.
"Isso significa dizer que não há um único estado de consciência alterado sob LSD, mas uma miríade deles, ordenados no tempo", ressalva o psiquiatra. "Cada fase da experiência se caracteriza por predomínio de determinadas operações cognitivas, representando aprimoramentos ou reduções em funções psíquicas específicas, o que deve ser valorizado no planejamento de uma terapia de orientação múltipla."
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AVISO AOS NAVEGANTES - Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.
Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".
Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem "Cogumelos Livres" na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.
Não deixe de ver também na Folha as reportagens da série "A Ressurreição da Jurema":
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