Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Unifesp planeja testes com ayahuasca e cogumelos mágicos

Estudos com psicodélicos buscam tratamento para alcoolismo e tabagismo

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São Paulo
Homem branco segura um copo contendo bebida alcoólica.
Pesquisa da Fiocruz constatou que 20,6% dos brasileiros consomem álcool de maneira abusiva - Raquel Portugal e Mauro Campello/Fiocruz Imagens

Dando continuidade à sua tradição de pesquisa com substâncias psicoativas, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) está para lançar dois estudos clínicos no campo psicodélico, com ayahuasca e cogumelos Psilocybe cubensis.

O chá usado como sacramento em religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV) será estado em pacientes que abusam de álcool. Os cogumelos ditos "mágicos", por seu turno, serão administrados para tabagistas que querem deixar o cigarro, mas não conseguem.

São estudos ainda muito preliminares, que não contam por exemplo com controle por grupo de placebo, e se destinam a testar a exequibilidade e a segurança dos procedimentos, mais que sua eficácia. Serão, respectivamente, 13 e 15 participantes, recrutados entre pacientes do Centro de Atenção Integrada a Saúde Mental (CAISM) da Unifesp, na Vila Mariana.

"Vamos olhar efeitos colaterais de modo muito cuidadoso", diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira. "Afinal, estamos trazendo psicodélicos para dentro de um hospital psiquiátrico, precisamos de cautela para evitar imprevistos."

O psiquiatra é continuador da linha de pesquisas em que brilhou o médico e psicofarmacologia Elisaldo Carlini (1930-2020), um pioneiro na investigação de canabinoides. Silveira participou de várias pesquisas com psicodélicos, como estudos observacionais com ayahuasca e ibogaína.

Detalhe de galho com folhas e flores verdes
Folhas da chacrona (Psychotria viridis), um dos ingredientes com que se prepara a ayahuasca - Arquivo pessoal

Na coordenação dos testes, em cujo planejamento trabalham 12 especialistas, está o biomédico e neurocientista Renato Filev. Ele informa que os cogumelos desidratados serão fornecidos pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em Seropédica (RJ) e a ayahuasca por um núcleo da UDV em Brasília.

Não é incomum que dependentes de álcool e tabaco tenham outros transtornos psíquicos como depressão e ansiedade. São condições para as quais psicodélicos vêm colhendo bons resultados (ainda que em ensaios com poucos pacientes, em geral), daí a ideia de testá-los para casos de dependência química.

A Universidade Johns Hopkins (EUA) utilizou psilocibina como adjuvante de psicoterapia num teste com 15 tabagistas, 13 dos quais avaliaram a experiência psicodélica como uma das cinco mais significativas de sua vida emocional.

Uma dúzia deles manteve contato por vários meses com os pesquisadores. Dez dos participantes (67%) estavam sem fumar um ano depois de tratados com psilocibina.

Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina
Cogumelos da espécie Psilocybe cubensis, que contém a substância psicodélica psilocibina - (Divulgação)

Os voluntários da Unifesp participarão de protocolo semelhante ao adotado na Johns Hopkins. Terão até nove encontros com o time de Silveira e Filev, em sessões de triagem e preparação seguidas de dosagem e integração (consulta para buscar sentidos na experiência vivida). Um mês depois, poderão optar por tomar uma segunda dose.

A primeira dose, para verificar segurança, será mais fraca: 0,75 miligrama de DMT (psicoativo da ayahuasca) por quilo de peso do participante e, no caso dos cogumelos, 2 gramas. Na segunda, 1,5 mg/kg de DMT e 3 g de fungos secos.

Como de hábito em estudos clínicos com psicodélicos, dá-se atenção ao ambiente em que acontece a sessão, o que se chama no jargão da área de "setting". A poltrona da Unifesp, por exemplo, pode ser reclinada até virar uma cama, e a sala será decorada com plantas e quadros.

O voluntário terá à disposição máscara para tapar os olhos e fones de ouvido. Poderá escolher entre duas listas de gravações, uma de música instrumental e outra com sons da natureza.

Em torno de 20% dos custos dos dois estudos, orçadas em R$ 600 mil, virão da empresa Bienstar, que investe em tratamentos psicodélicos no Brasil. Seu fundador, Marco Algorta, diz que o engajamento em pesquisa e na criação da rede de clínicas Beneva tem em vista as mudanças na regulação de substâncias como DMT, psilocibina e MDMA, que poderão ter licenças para uso clínico aprovadas nos próximos anos.

"Queremos nos antecipar a essas mudanças e ter a oportunidade de obter informação clínica para fazer uma avaliação dos protocolos de atendimento com essas substâncias", afirma Algorta. Além de dependência química, a Bienstar pretende refinar protocolos para tratar depressão e estresse pós-traumático.

O diretor clínico da Bienstar é o médico Bruno Rasmussen Chaves, que há mais de duas décadas trata dependentes químicos com ibogaína na cidade de Ourinhos (SP). Ele e Silveira estudam a ideia de fazer em seguida um teste clínico com essa droga de origem africana, desta vez com controle por grupo de placebo.

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AVISO AOS NAVEGANTES - Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".

Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem "Cogumelos Livres" na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.

Não deixe de ver também na Folha as reportagens da série "A Ressurreição da Jurema":

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/reporter-conta-experiencia-de-inalar-dmt-psicodelico-em-teste-contra-depressao.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/da-caatinga-ao-laboratorio-cientistas-investigam-efeito-antidepressivo-de-psicodelico.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/cultos-com-alucinogeno-da-jurema-florescem-no-nordeste.shtml

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