Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich
Descrição de chapéu China

A 'PEC das Praias' e a taxação das blusinhas: As metáforas da semana

Rachadinhas, pedaladas fiscais, funcionários fantasmas, caixa 2, Lava Jato tentam explicar o inexplicável

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"A PEC da privatização das praias morreu na praia". Essa foi uma das frases mais reproduzidas nos noticiários semana passada. A sacada foi boa, mas, repetida até o eco cansar, perdeu o impacto e acabou se tornando uma nota desbotada na melodia da comunicação, ou seja, uma metáfora-clichê.

Um parêntese: George Lakoff e Mark Johnson, no impagável (o livro vale o preço) "Metáforas da Vida Cotidiana" ("Metaphors We Live By") definiram com perfeição o clichê como sendo "uma metáfora brilhante que é vítima de seu próprio sucesso". Portanto, precisamos tomar cuidado para não subestimar esta figura de linguagem, usá-la com parcimônia e bom senso. Milan Kundera foi mais longe: "As metáforas são muito perigosas. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora" (A Insustentável Leveza do Ser).

Mas não vamos perder o fio da meada, vamos manter o barco na rota principal, não vamos nos perder na floresta dos detalhes. Voltemos à "PEC das Praias" que, aliás, foi mal-entendida por muita gente justamente por causa do nome. Mas isso não a exime. Vamos colocar os pingos nos "is": não se trata de privatização de praias, mas da transferência de terrenos de —e não "da"— marinha em áreas urbanas da União para estados, municípios ou particulares.

A proposta acabou sendo um tiro no pé. Luana Piovani foi o pivô da discussão acalorada que o tema gerou, não só jogando luz no assunto como atirando pedras no jogador Neymar, apoiador do projeto, que acabou perdendo as estribeiras. Influenciadores digitais pegaram carona na repercussão para atrair a discussão às suas redes sociais, como Gina Indelicada, Hugo Gloss, Felipe Neto, Choquei, Alfinetei e a funkeira MC Naninha, que chegou a sugerir a privatização de suas partes íntimas.

Praia de São Pedro, onde estão localizados os loteamentos de Tijucopava, Sítio São Pedro e Iporanga, em Guarujá - Adriano Vizoni - 07.jun.2024/Folhapress

A "taxa das blusinhas" foi outro assunto que circulou nas rodas de conversa da semana. O próprio nome anuncia a figura de linguagem, no caso metonímia, ao se referir às bugigangas (palavra usada pelo presidente) compradas nas plataformas estrangeiras como Shein, AliExpress e Shopee. Entenda-se por bugigangas, além das "futilidades femininas", aparelhos eletrônicos, alimentos, decoração, suplementos médicos.

Os defensores do fim da isenção do imposto de importação para compras até US$ 50 argumentaram que a medida evitaria quebras no varejo nacional. O outro lado sustentou a tese de que o jabuti não poderia ser colocado em um projeto tão importante. Quem não conhecia a figura de linguagem do jabuti, acabou tendo que engolir. O jargão, estratégia usada pelos parlamentares para inserir propostas legislativas que não têm relação com o texto original, foi cunhado pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães: "Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente". Belíssima metáfora, por sinal.

O chamado "imposto do pecado", que também esteve recentemente nas pautas das notícias nacionais, segue a mesma linha da metáfora-dramática. Chamou atenção, também pelo nome, só de falar em pecado as mentes pecaminosas se atiçam. Mas a alusão ao pecado, neste caso, é um pouco mais inocente. É nada mais do que uma referência ao imposto seletivo, uma taxação para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Pecados não oficializados.

Muito mais do que uma mera ornamentação da linguagem, as metáforas moldam a forma como vemos e experienciamos o mundo. Alguns conceitos são tão abstratos que só podem ser compreendidos quando traduzidos para imagens mais concretas e familiares. Quem entenderia, por exemplo, a secura das leis da física, a noção do tempo e espaço e a vastidão das nossas emoções?

Não é diferente no pântano da política. São rachadinhas, pedaladas fiscais, funcionários fantasmas, caixa 2, lava-jato, em resumo, corrupções sistêmicas metaforizadas, que tentam nos explicar o inexplicável.

A única forma de aprendermos algo novo é compará-lo com algo que já conhecemos ou já experimentamos. Para o escritor Johann Goethe, todas as coisas são metáforas, já que o próprio pensamento humano é metafórico, porque é a única forma de compreendermos o universo. Mas o filósofo Thomas Hobbes tinha outra visão. Para ele as metáforas equivalem a mentir, fantasiar, enganar, "vagando entre numerosos absurdos". O curioso é que Hobbes usou uma metáfora para condenar a própria metáfora.

Os poetas é que estão certos. A vida é um caminho que passa por encruzilhadas inevitáveis (Robert Frost), uma sombra que passa sobre um rio (Fernando Pessoa) e nós, humanos, somos os simples barcos contra a corrente (Scott Fitzgerald).

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

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