Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Descrição de chapéu The New York Times

Trump enfrenta acusação, mas EUA enfrentam teste

Ex-presidente não será bem lembrado; a pergunta que falta responder é como o resto de nós será lembrado

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The New York Times

Claro, Donald Trump foi às redes sociais para especular que seria preso na terça-feira desta semana (21) e –grande surpresa– isso acabou não sendo verdade.

Claro, ele está tentando incitar seus seguidores com a perspectiva de que seu amado líder enfrentará acusações criminais e, ao mesmo tempo, usando isso para espremer mais dinheiro deles.

Apoiadora do ex-presidente Trump em manifestação em frente ao resort do republicano, em Mar-a-Lago - Ricardo Arduengo - 22.mar.23/Reuters

Claro, muitos republicanos estão não apenas correndo em defesa de Trump, armados com uma série de falsas equivalências, mas também buscando qualquer oportunidade para atacar os democratas e chamá-los de hipócritas por tentarem responsabilizar Trump.

Claro, muitos democratas, por um lado, estão saboreando a ideia de que as acusações podem começar a colar no Donald Escorregadio, mas, por outro, se contorcem por duvidarem que uma acusação realmente vá fortalecer a posição com a base.

Se um ex-presidente for indiciado, será um fato inédito. Mas o clima será muito familiar, uma espécie de "déjà vu" político, enquanto permanecemos presos num ciclo repetitivo de truísmos da era Trump: a defesa de acólitos políticos radicais, a rápida erosão das normas e uma hesitação paralisante entre os que poderiam conter seus abusos de poder.

É impossível definir completamente as ramificações legais e políticas de uma acusação a Trump, mas como o público está faminto por teorias e os especialistas, ansiosos para fornecê-las, estamos inundados por ideias sobre o que acontecerá a seguir.

Mas eu desafio você a esquecer tudo isso.

Conhecemos Trump e como ele opera. Ele tenta –e muitas vezes consegue– transformar seus negativos em positivos, negar seus erros enquanto acusa os que tentam responsabilizá-lo de serem os verdadeiros culpados.

A estratégia de Trump desde o início de sua incursão política tem sido desacreditar ou destruir os vigilantes, na política e na mídia, que um dia poderiam ser chamados para denunciá-lo. ("Jeb Bush" com baixa energia?) Ele continua a rotulá-los como fracos, desonestos e dispostos a perseguir qualquer pessoa que o apoie.

E toda vez que uma tentativa de responsabilizá-lo falha em produzir as consequências mais adequadas, ele conta como uma vitória, e o "fracasso" do esforço como prova de sua ilegitimidade. Em seguida, ele junta tudo isso em sua retórica para reafirmar que todas as investigações sobre ele e membros de seu círculo íntimo equivalem a uma campanha de assédio político.

Em um vídeo que divulgou na manhã de terça-feira (21), Trump criticou que "as horríveis investigações da esquerda radical democrata sobre seu presidente favorito de todos os tempos, eu, são apenas uma continuação da caça às bruxas mais nojenta da história de nosso país". E acrescentou: "É para sempre".

Ele continua chamando a investigação do promotor especial Robert Mueller, que examinou as comunicações de sua campanha com a Rússia durante a eleição de 2016, de "uma farsa" e afirma que os investigadores "espionaram até a minha campanha". Então ele inclui nisso novas investigações –a dos documentos sigilosos, a da interferência eleitoral na Geórgia e as denúncias sobre pagamentos por silêncio a Stormy Daniels.

Trump nunca deixará de ser esse cara. Ele nunca vai ceder ou mostrar arrependimento diante de qualquer acusação. Ele vai lutar. E é exatamente por isso que seu povo o adora. É por isso que eles continuarão a apoiá-lo e defendê-lo. Eles querem ser como ele: não forçados a recuar, mesmo quando estão errados.

Trump intuitivamente entende isso, então alimenta continuamente a ideia de que é o representante deles na guerra ideológica. "Eles não estão querendo me pegar", disse ele no mesmo vídeo, "querem pegar vocês. Eu só estou no caminho deles e sempre estarei no caminho deles."

Autoridades e estrategistas republicanos que desejam continuar autoridades e estrategistas republicanos também sabem disso. Portanto, a maioria ou adere à condenação de Trump aos promotores ou fica em silêncio. Os democratas também sabem disso, o que os preocupa.

Mas, no final das contas, eles não podem deixar que isso importe. Não há um mundo em que os partidários de Trump aceitarão se ele for punido. Tentar encontrar um ponto de consenso com eles quando se trata de Trump é uma tarefa tola. Eles vão ficar loucos. Deixe-os.

Os republicanos acusarão os promotores de partidarismo e abuso de poder. Deixe-os.

Trump vai gritar como um bebê. Deixe-o.

Estamos num ponto da história nacional em que somos chamados a suportar o que chamo de inconveniência do necessário, um ponto em que algo é moralmente certo –e moralmente inevitável–, mas o momento político é problemático.

Já enfrentamos esses momentos antes e muitas vezes trocamos a posição moral pela política –de permitir o fracasso da Reconstrução e a ascensão de Jim Crow a retardar o reconhecimento dos direitos LGBTQ e à reviravolta na reforma da polícia diante do pânico público sobre a criminalidade.

Avançar, sem desculpas e com retidão, com a acusação de Trump é mais um teste que nosso país enfrenta e mais uma chance que nosso país tem de fazer a escolha certa –ou errada.

A história está sempre observando e sempre registrando.

Trump não será bem lembrado. Será, creio eu, a marca de uma das vezes em que o país esteve mais perto de se perder. A pergunta que falta responder é como o resto de nós será lembrado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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