Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Corrupção bolsonarista, capítulo 2

Os gabinetes lucrativos e os jogos imobiliários com dinheiro vivo

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Não basta matar, espalhar a fome e acabar com a democracia, é preciso ser corrupto. Os que toleram a morte, a miséria e o ataque às liberdades, mas não toleram a corrupção, e por isso dizem preferir Bolsonaro, está na hora de despertar do transe negacionista ou de disfarçar melhor o cinismo. A corrupção bolsonarista é profunda, multifacetada e longeva.

Essa série descreve os modos de apropriação privada do público na trajetória bolsonarista. Neste segundo capítulo, tratamos da pequena corrupção que, ao longo de 30 anos, de acordo com evidências, multiplicou os bens da família. Vai ficar mais grave nos próximos capítulos, mas comecemos pelo começo.

Bolsonaro representa fração da velha política patrimonialista que dedica 100% de sua carreira a parasitar o bem público para fins pessoais. Não tem ideias, proposta política ou visão de futuro. Nunca participou de qualquer projeto coletivo ou se mobilizou por qualquer causa.

Manifestante com cartaz onde se lê "Queiroz, milícias, micheque e rachadinhas"
Protesto na avenida Paulista contra Jair Bolsonaro, em 2021 - Carolina Daffara - 19.jun.21/Folhapress

Para além da retórica em defesa da ditadura, da tortura e da violência policial, que lhe rendeu votos mas não se traduziu em ato para melhorar vida de policiais, teve vida política inócua e preguiçosa. Não consta, como deputado, uma única realização digna de nota no processo legislativo. Foi se esgueirando pelas brechas da ilegalidade tolerada.

Um parasita político puro-sangue só quer enriquecer em paz. O poder é instrumento para se locupletar e, ao mesmo tempo, anteparo para dificultar investigação. Manter a corrupção no âmbito das verbas de gabinete e das transações imobiliárias se fez estratégia de menor risco. Conseguiu voar abaixo do radar enguiçado da Justiça por muito tempo.

Ir a cartórios de imóveis do Rio de Janeiro com malas de dinheiro é esporte praticado por membros da família desde os anos 90. No jargão cartorial, tudo feito em "moeda corrente, contada e achada certa". Não foram duas ou três vezes, pelo prazer da aventura. Adotaram conhecido método para dificultar rastreabilidade do dinheiro. Os fatos abaixo foram relatados por inúmeras reportagens nos últimos anos.

Teria começado com a primeira esposa de Bolsonaro, quando levou R$ 96 mil ao cartório para adquirir imóvel em Vila Isabel. A segunda esposa comprou cinco imóveis, entre 2002 e 2006, movimentando R$ 243 mil em dinheiro vivo.

Em 2003, Carlos Bolsonaro pagou R$ 150 mil por imóvel na Tijuca. Seu irmão Flávio, em 2008, comprou 12 salas de escritório com R$ 86 mil, e em 2012 um apartamento em Copacabana por R$ 638 mil. Anos depois, Flávio recebeu, num único mês, 48 depósitos fracionados na sua conta bancária. Eduardo, em 2016, deu entrada de R$ 81 mil, adicionada de R$ 100 mil, por apartamento em Botafogo. Tudo dinheiro contado.

Flávio foi acusado de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita. Nomes juridicamente mais precisos para a "rachadinha", desvio de dinheiro público por confisco parcial do salário de servidores.

No contexto da Presidência paterna, o labirinto obscuro da Justiça brasileira o premiou. A partir da segunda instância do Rio até STJ e STF, uma série de decisões extravagantes sobre foro privilegiado e anulação de provas derrotaram esforços investigativos do Ministério Público.

Mas há fatos conhecidos que permanecem sem explicação. O Coaf, órgão que Flávio depois ajudou a esvaziar, identificou transações de R$ 1,2 milhão, entre 2016 e 2017, feitas por Fabrício Queiroz. Sua conta recebeu transferências de pelo menos sete servidores do gabinete de Flávio. Quatro funcionários do gabinete de Carlos, por sua vez, sacaram R$ 570 mil, maior parte de seus salários, do caixa eletrônico.

Quanto aos 27 depósitos de Queiroz na conta de Michelle Bolsonaro, que totalizaram R$ 89 mil, a Procuradoria-Geral da República preferiu pedir o arquivamento.

Flávio respondeu às suspeitas sobre a origem do dinheiro para aquisição de mansão de R$ 6 milhões em Brasília: sem especificar origem, o senador disse genericamente que foi sua atividade como advogado e empresário. No contexto da Presidência paterna, vai que o argumento cola.

A lista sintetiza um tipo de prática, não é exaustiva. Deveria ser suficiente, mas ainda piora. Espere os próximos capítulos. Ainda não chegamos no Poder Executivo.

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