Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari
Descrição de chapéu Rússia

A carta chinesa virou um mico

Há 50 anos, Richard Nixon descia em Pequim

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Há meio século o presidente americano Richard Nixon desembarcou em Pequim, coroando uma espetacular reaproximação com a China. Teve de tudo: uma viagem secreta de Henry Kissinger, seu assistente para assuntos de segurança nacional e convites a equipes de pingue-pongue.

Nixon foi recebido por Mao Tse-tung, o Grande Timoneiro da revolução chinesa. A fotografia do encontro correu o mundo. Poucos sabiam que Mao estava chumbado, com dificuldade para falar e respirar. (Na sala ao lado guardava um respirador portátil mandado por Kissinger.)

Primeiro-ministro chinês Mao Tse-tung recebe o presidente dos EUA Richard Nixon em 21 de fevereiro de 1972 - AFP

Nessa reviravolta diplomática os Estados Unidos jogaram súditos ao mar e acabaram com o isolamento da China. Meses antes, Deng Xiao Ping saíra do ostracismo e havia começado uma lenta, segura e gradual ascensão ao poder, transformando a economia chinesa na segunda potência do mundo.

Para os americanos, o jogo seria lógico: acabado o isolamento e aberta a economia, as liberdades democráticas viriam junto.

Em 1989, ao ordenar a repressão às manifestações da praça da Paz Celestial, Deng mostrou que as coisas não seriam bem assim. De lá para cá, a China cresceu e, com ela, a repressão política. Em 1994, pouco antes de morrer, Nixon duvidou de sua política, coisa rara em políticos, raríssima nele: "É possível que tenhamos criado um Frankenstein."

Bingo. Aos 50 anos da visita de Nixon a Pequim vê-se que os presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin juntaram-se contra os Estados Unidos na questão ucraniana. Reiteraram uma amizade "sem limites" e condenaram "uma maior expansão da Otan". A vitória de Nixon em 1972 ajudou a emparedar a União Soviética. Meio século depois o Frankenstein chinês alinhou-se com a Rússia. O coringa era um mico.

Em 1972 Richard Nixon fazia uma política externa espetaculosa, com reviravoltas imprevisíveis. Tinha consigo Henry Kissinger, um mestre da diplomacia cenográfica. Saía com artistas de cinema nas noites de sexta-feira em Nova York e horas depois voava incógnito a Paris, onde se encontrava secretamente com negociadores vietnamitas. (Ficava no apartamento do general Vernon Walters, velho conhecido dos brasileiros que acompanhou das batalhas na Itália em 1945 à conspiração contra o presidente João Goulart, em 1964.)

Nixon era um sujeito dinâmico, audacioso e antipático. O presidente Joe Biden pode ser simpático, mas nada tem de dinâmico, muito menos de audaz. Seu secretário de Estado, Antony Blinken, é uma flor da burocracia anódina de Washington.

No ano que vem Henry Kissinger completará seus cem anos. Sua fama já não é a mesma. Afinal, em 1971 ele pediu aos chineses que lhe dessem "um intervalo decente" para sair do Vietnã e em 1975 a tropa saiu deixando para trás os aliados. Mesmo assim, sabe do que fala. Há dias ele escreveu um artigo valioso por duas frases:

  1. A demonização de Vladimir Putin não é uma política, é um álibi para sua ausência.

  2. A Ucrânia não deve entrar na Otan.

Ele ecoa as palavras de George Kennan, o diplomata que desenhou a política americana em relação à União Soviética:

"Uma expansão da Otan será o maior erro da política americana em todo o período posterior ao fim da Guerra Fria".

Kennan escreveu isso em 1997. Morreria em 2005, aos 101 anos.

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