Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Ezra Klein
Descrição de chapéu Twitter

Por que o Twitter não é, não pode e não deve ser uma praça pública global

Não tomamos nossas melhores decisões quando nossas mentes estão mais ativas e inquietas

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The New York Times

Durante o que parecem séculos, nos disseram que o Twitter é, ou deve ser, a praça central do mundo. Essa era a frase de Dick Costolo em 2013, quando ele era CEO ("Pensamos nisso como a praça da cidade global"), e Jack Dorsey, um dos fundadores da rede, também a usou em 2018 ("As pessoas usam o Twitter como uma praça pública digital").

Agora, vem de Elon Musk ("A razão pela qual adquiri o Twitter é porque é importante para o futuro da civilização ter uma praça digital comum"). A metáfora está errada em três níveis.

Em primeiro lugar, não há, não pode haver e não deve haver uma "praça pública global". O mundo precisa de muitas praças, não de uma. Os espaços públicos estão enraizados nas comunidades e contextos em que existem. Isso também vale para o Twitter, que é menos uma entidade singular do que um multiverso digital. O significado do Twitter para ativistas do Zimbábue não é o mesmo que para gamers britânicos.

Logo do Twitter e Elon Musk
Logo do Twitter e Elon Musk - Dado Ruvic - 28.nov.22/Reuters

Em segundo lugar, as praças das cidades são espaços públicos regidos de alguma forma pelo público. É isso o que as torna uma praça pública, em vez de uma praça em uma cidade. Elas não são brinquedos de bilionários caprichosos. Não existem, como o Twitter existiu por tanto tempo, para dar retorno aos acionistas.

(E por mais selvagem que o reinado de Musk já tenha sido, lembre-se de que ele tentou desistir desse acordo, e a liderança do Twitter, sabendo que ele não queria o serviço nem trataria seus funcionários com cuidado, obrigou-o a garantir que executivos e acionistas receberiam seus pagamentos.)

Uma praça pública controlada por um homem não é uma praça pública. É uma vitrine, um projeto de arte ou possivelmente uma reserva de caça.

Em terceiro lugar, o que importa para uma entidade política não é a mera existência de uma praça pública, mas a condição em que os habitantes da cidade se encontram quando chegam. Praças podem acolher debates, hospedar feiras de artesanato, servir de palco para brigas e linchamentos. A civilização não depende de um lugar para se reunir. Depende do que acontece quando as pessoas se reúnem.

Tanta genialidade, malandragem e dinheiro se transformaram em uma metáfora equivocada. A competição para criar e possuir a praça digital pode ser um bom negócio, mas levou a políticas terríveis. Pense nas imaginações esperançosas que acompanharam os primeiros dias da rede social: conheceríamos uns aos outros através do tempo e do espaço; compartilharíamos uns com os outros através de culturas e gerações; informaríamos uns aos outros além das fronteiras e facções. Bilhões de pessoas usam esses serviços. Sua escala é verdadeiramente civilizacional.

E o que eles conseguiram? O mundo é mais democrático? O crescimento do Produto Interno Bruto é maior? A inovação é mais rápida? Parecemos mais sábios? Parecemos mais gentis? Estamos mais felizes? Algo, qualquer coisa, não deveria ter ficado visivelmente melhor nas curtas décadas desde que esses serviços invadiram nossas vidas?

Acho que há uma razão pela qual tão pouco melhorou e muito piorou. É o seguinte: o custo de tanta conexão e informação tem sido a deterioração de nossa capacidade de atenção e reflexão. E a qualidade de nossa atenção e reflexão é o que mais importa.

Em um artigo recente, Benjamin Farrer, cientista político do Knox College, em Illinois, argumenta que nos enganamos quanto ao recurso-chave do qual depende a democracia e talvez a civilização. Esse recurso é a atenção. Mas não sua atenção ou minha atenção. Nossa atenção.

A atenção, nesse sentido, é um recurso coletivo; é a profundidade de pensamento e consideração que uma sociedade consegue reunir para lidar com seus problemas mais prementes. E, como acontece com tantos recursos coletivos, do ar puro à água limpa, ela pode ser poluída ou esgotada.

Um estudo revelador recrutou participantes em 17 países e seis continentes e mediu a condutividade da pele –um sinal de resposta emocional– quando os participantes viram notícias positivas, negativas ou neutras. As notícias negativas foram, consistentemente, as mais envolventes.

Se você já se perguntou por que os noticiários são tão focados em tragédias e conflitos ou por que as redes sociais fornecem mais indignação do que inspiração, essa é a razão. A negatividade capta nossa atenção melhor do que a positividade ou a neutralidade.

Permita-me um desvio estranho aqui. Fiquei interessado neste ano em como os quakers [grupos religiosos cristãos que existem desde o século 17] deliberam. Como movimento, eles estiveram muito à frente da curva moral várias vezes –pelo abolicionismo, pela igualdade de gênero, pela reforma das prisões, pressionando os governos a ajudar a salvar os judeus do Holocausto. Isso não quer dizer que os quakers não erraram, mas o que os levou a acertar tanto?

A resposta sugerida pelo adorável livro de Rex Ambler, "The Quaker Way" [o jeito dos quakers], é o silêncio. Em uma típica reunião quaker, escreve Ambler, os membros da comunidade "sentam-se juntos em silêncio por cerca de uma hora, levantando-se para falar apenas se forem levados a fazê-lo e para compartilhar alguma visão que será valiosa para os outros". Se tiverem que decidir uma questão coletivamente, "esperarão juntos em silêncio, novamente, para discernir o que deve ser feito".

Há muita coisa que a discussão pode oferecer, mas muita que pode obscurecer. "Para ter uma noção clara do que está acontecendo em nossas vidas, nós, quakers, tentamos ir mais fundo", escreve ele. "Temos que abrir mão de nossas mentes ativas e inquietas para fazer isso. Ficamos quietos e deixamos surgir uma consciência mais profunda e sensível."

Acho isso poderoso em parte porque o vejo em mim mesmo. Sei como respondo no calor de uma discussão, quando todo o meu ser está tenso. E sei como processo perguntas ou emoções difíceis após uma reflexão silenciosa, quando há tempo para meu espírito se acalmar. Eu sei qual é o meu melhor eu.

A democracia não é e não será uma longa reunião quaker. Mas há sabedoria aqui que vale a pena ponderar. Não tomamos nossas melhores decisões, como indivíduos ou como um coletivo, quando nossas mentes estão mais ativas e inquietas. No entanto, "ativo e inquieto" é uma descrição tão precisa quanto posso imaginar da mente do Twitter. Tendo nos colocado num estado mental ativo e inquieto, o Twitter nos encoraja a disparar declarações firmes sobre as questões mais divisivas possíveis, sempre de olho na rapidez com que acumularão curtidas e retuítes e, portanto, poder viral. É insano.

Algumas semanas atrás, conversei com Audrey Tang, ministra de assuntos digitais de Taiwan. Perguntei a ela o que significaria para a rede social ser administrada democraticamente, dada a desconfiança que muitos americanos têm –e por boas razões– do Estado. (Imagine se o governo Trump fosse dono do Twitter.) "O setor social significa alguma coisa no contexto americano?", ela me perguntou.

Por setor social, Tang entendia o que às vezes chamamos de sociedade civil —a camada de associações e organizações entre o governo e o mercado. Em Taiwan, as principais partes da infraestrutura digital são gerenciadas nesse nível.

O PTT Bulletin Board System, que ela descreveu como o Reddit de Taiwan, ainda é propriedade do grupo de estudantes que o iniciou. Foi parte de como Taiwan respondeu tão cedo e com tanta eficácia ao coronavírus. "Não tem acionistas", disse Tang. "Sem anunciantes. É totalmente dentro da rede acadêmica. É totalmente de código aberto. Totalmente governado pela comunidade. As pessoas podem aderir livremente. É um espaço digital público."

Há quem acredite que a rede social está chegando ao seu ponto terminal. Espero que estejam certos. Plataformas e mais plataformas foram projetadas para nos tornar mais fácil e viciante compartilhar conteúdo, para que as corporações por trás delas pudessem vender cada vez mais nossa atenção e nossos dados. De maneiras diferentes, a maioria dessas plataformas está em declínio.

E se o próximo giro do dial da mídia fosse medido não por quanta atenção demos a uma plataforma, mas por quanto ela nos deu? Não tenho certeza de como seria esse serviço. Mas estou faminto por isso e desconfio que muitas outras pessoas também estejam.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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